{"id":49234,"date":"2025-01-25T15:11:00","date_gmt":"2025-01-25T18:11:00","guid":{"rendered":"https:\/\/tvdescalvado.com.br\/como-a-argentina-passou-de-pais-barato-a-um-dos-mais-caros-da-america-latina\/"},"modified":"2025-01-25T15:11:00","modified_gmt":"2025-01-25T18:11:00","slug":"como-a-argentina-passou-de-pais-barato-a-um-dos-mais-caros-da-america-latina","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/tvdescalvado.com.br\/como-a-argentina-passou-de-pais-barato-a-um-dos-mais-caros-da-america-latina\/","title":{"rendered":"Como a Argentina passou de ‘pa\u00eds barato’ a um dos mais caros da Am\u00e9rica Latina"},"content":{"rendered":"
J\u00e1 no meu primeiro dia na cidade, confirmo a observa\u00e7\u00e3o de Manuel no pre\u00e7o do caf\u00e9. Em Palermo, bairro tur\u00edstico da capital, uma x\u00edcara de caf\u00e9 custa 3,3 mil pesos \u2013 US$ 3,20 pelo c\u00e2mbio oficial (cerca de R$ 19), cotado a poucos centavos a menos que o paralelo, que os argentinos chamam de “d\u00f3lar blue”. Costumo pagar um d\u00f3lar a menos pelo caf\u00e9 na mesma rede de cafeterias em Miami, nos Estados Unidos. Mas n\u00e3o s\u00e3o s\u00f3 os lugares frequentados pelos estrangeiros que est\u00e3o caros em d\u00f3lares. A mesma situa\u00e7\u00e3o se repete em locais menos tur\u00edsticos e com produtos mais procurados pelos argentinos. Vemos o mesmo no p\u00e3o fatiado, que custa US$ 4 (R$ 23,70), ou na manteiga a US$ 3 (R$ 17,80). E tamb\u00e9m nos produtos importados. Um copo t\u00e9rmico Stanley, por exemplo, custa em Buenos Aires US$ 140 (R$ 830). Nos Estados Unidos, o mesmo copo n\u00e3o passa de US$ 30 (R$ 178). Segundo o \u00edndice de pre\u00e7os Big Mac do McDonald’s, criado pela revista The Economist em 1986, o pre\u00e7o do hamb\u00farguer na Argentina \u00e9 o mais alto da Am\u00e9rica Latina (US$ 7,37, cerca de R$ 43,70) e o segundo maior do mundo, atr\u00e1s da Su\u00ed\u00e7a. Um ano atr\u00e1s, o Big Mac custava na Argentina a metade do pre\u00e7o atual, em d\u00f3lares. Estimativas do Banco de Compensa\u00e7\u00f5es Internacionais (BIS, na sigla em ingl\u00eas) indicam que o peso argentino aumentou de valor em 40%, em termos reais, entre dezembro de 2023 e outubro do ano passado. Mas este avan\u00e7o n\u00e3o se traduziu em aumento do poder aquisitivo da popula\u00e7\u00e3o. Afinal, os sal\u00e1rios permaneceram congelados e as chamadas corre\u00e7\u00f5es do governo Javier Milei geraram forte recess\u00e3o, que provocou queda do consumo. “N\u00e3o estamos nem melhor, nem pior. Temos problemas diferentes do ano passado”, conta o dono de uma padaria com mais de 30 anos no setor, questionado sobre o efeito da valoriza\u00e7\u00e3o da moeda local sobre suas vendas. Ele votou em Milei e continua apoiando o presidente. O impacto da queda da infla\u00e7\u00e3o argentina (a maior conquista de Milei no seu primeiro ano na presid\u00eancia), aliada \u00e0 valoriza\u00e7\u00e3o da moeda local, surpreende qualquer pessoa que n\u00e3o tenha visitado o pa\u00eds no \u00faltimo ano. Mas por que a Argentina passou a ser “cara em d\u00f3lares”, depois de ter sido um dos pa\u00edses mais baratos da Am\u00e9rica Latina? E quais os impactos na sua economia? Compras no exterior: entenda quando \u00e9 preciso pagar imposto e como fazer O ‘superpeso’ “Para viver na Argentina, preciso hoje de mais d\u00f3lares do que um ano atr\u00e1s”, conta o programador brasileiro Thiago. Ele cobra por seus servi\u00e7os na moeda americana e, h\u00e1 dois anos, decidiu morar na Argentina, com o c\u00e2mbio favor\u00e1vel na \u00e9poca. Desde que o peso se fortaleceu no pa\u00eds e o real caiu no Brasil, liderando a queda das moedas latino-americanas, Thiago pensa em voltar para S\u00e3o Paulo. “L\u00e1, vivo melhor com menos d\u00f3lares”, ele conta. Thiago n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico. Em agosto de 2024, a BBC News Brasil noticiou que uma onda de brasileiros estava deixando a Argentina porque era “invi\u00e1vel” para eles permanecer no pa\u00eds. O presidente Milei desvalorizou a moeda argentina em 54% logo ap\u00f3s a sua posse. Um ano depois, ela se transformou no que os meios de comunica\u00e7\u00e3o do pa\u00eds chamam de “superpeso”. Como isso aconteceu? O motivo \u00e9 a estrat\u00e9gia adotada por Milei para baixar a infla\u00e7\u00e3o, sua principal meta ao assumir a presid\u00eancia. Afinal, em 2023, a infla\u00e7\u00e3o argentina atingiu 211%, segundo o Instituto Nacional de Estat\u00edstica e Censos do pa\u00eds (Indec). Milei empregou um instrumento que os economistas chamam de “\u00e2ncora inflacion\u00e1ria”. O pre\u00e7o do d\u00f3lar oficial foi “ancorado”, aumentando sua cota\u00e7\u00e3o \u2013 ou seja, desvalorizando o peso \u2013 pelo n\u00edvel fixo de 2% ao m\u00eas, muito abaixo do \u00edndice mensal de infla\u00e7\u00e3o. Esta medida, aliada \u00e0 “\u00e2ncora fiscal”, que reduziu fortemente os gastos p\u00fablicos, e \u00e0 “\u00e2ncora monet\u00e1ria”, com a suspens\u00e3o da emiss\u00e3o de dinheiro para financiar o Tesouro, foi fundamental para que a Argentina fechasse 2024 com infla\u00e7\u00e3o anual de 118% \u2013 uma redu\u00e7\u00e3o de 44,5% em um ano. O lado negativo \u00e9 que, enquanto o peso se fortalecia ao ser desvalorizado abaixo da infla\u00e7\u00e3o, o d\u00f3lar oficial ficou atrasado em rela\u00e7\u00e3o ao custo de vida, perdendo grande parte da sua capacidade de compra. Como resultado, surgiu um novo fen\u00f4meno para os argentinos: a infla\u00e7\u00e3o em d\u00f3lares. Estimativas de diversos economistas locais indicam que ela superou 70% no ano passado. Ou seja, um produto que custava US$ 100 um ano atr\u00e1s, hoje, custa US$ 170. ‘D\u00f3lar blue’ N\u00e3o foi apenas o d\u00f3lar oficial, controlado pelo governo, que perdeu seu poder de compra. O d\u00f3lar paralelo, livre ou de mercado tamb\u00e9m est\u00e1 em n\u00edveis similares aos da \u00e9poca da posse de Milei, mesmo com a infla\u00e7\u00e3o de mais de 100% no per\u00edodo. O economista Lorenzo Sigaut Gravina, da consultoria argentina Equilibra, atribui principalmente o fato a uma iniciativa bem-sucedida do governo, que fez com que os argentinos introduzissem no sistema financeiro do pa\u00eds os d\u00f3lares em esp\u00e9cie guardados em casa ou depositados no exterior e n\u00e3o declarados. Na primeira etapa, a Argentina conseguiu o ingresso de US$ 19,023 bilh\u00f5es (cerca de R$ 112,7 bilh\u00f5es), segundo a Ag\u00eancia de Arrecada\u00e7\u00e3o e Controle Alfandeg\u00e1rio (ARCA, na sigla em espanhol). Este sucesso conteve o d\u00f3lar paralelo, que se manteve a uma taxa levemente superior ao c\u00e2mbio oficial \u2013 diferentemente dos anos anteriores, quando a margem era muito ampla. O “peso forte” traz pontos positivos e negativos para o pa\u00eds. Por um lado, o governo destaca que os sal\u00e1rios aumentaram em d\u00f3lar. Um relat\u00f3rio da plataforma de empregos online Bumeran indica que o sal\u00e1rio m\u00e9dio pretendido na Argentina \u00e9 de US$ 1.234 (cerca de R$ 7,3 mil), acima da m\u00e9dia regional. Um ano atr\u00e1s, era um dos mais baixos da Am\u00e9rica Latina. Mas a valoriza\u00e7\u00e3o da moeda local tamb\u00e9m gerou redu\u00e7\u00e3o do n\u00famero de turistas estrangeiros que visitam o pa\u00eds e aumento dos argentinos que aproveitam o “d\u00f3lar achatado” para viajar para o exterior. Dados do Indec demonstram que o n\u00famero de turistas internacionais no pa\u00eds registrou uma redu\u00e7\u00e3o de 19,2% em novembro passado, em rela\u00e7\u00e3o ao mesmo m\u00eas de 2023. A consequ\u00eancia mais preocupante do peso valorizado para muitos moradores locais se concentra em setores como a ind\u00fastria. Agora, produzir ficou mais caro, tanto para o mercado local quanto para o exterior, o que reduz a competitividade da ind\u00fastria e do setor agr\u00edcola argentino. Some-se a isso a abertura das importa\u00e7\u00f5es realizada pelo governo para incentivar a concorr\u00eancia e reduzir os pre\u00e7os locais. E, como resultado, “ser\u00e1 cada vez mais barato recorrer a produtos importados e cada vez ser\u00e1 mais cara a produ\u00e7\u00e3o nacional”, segundo Sigaut Gravina. Por isso, o setor industrial alertou que esta situa\u00e7\u00e3o poderia gerar queda da produ\u00e7\u00e3o, com consequente redu\u00e7\u00e3o dos postos de trabalho. Os cr\u00edticos mais fortes ao governo chegam a alertar sobre um poss\u00edvel “industric\u00eddio”, como ocorreu no pa\u00eds na d\u00e9cada de 1990. Na \u00e9poca, o peso argentino estava vinculado ao d\u00f3lar e muitas empresas acabaram fechando. ‘N\u00e3o haver\u00e1 desvaloriza\u00e7\u00e3o’ Um dos economistas que alertaram sobre os efeitos negativos do “superpeso” foi Domingo Cavallo, ex-ministro da Economia entre 1991 e 1996, durante o mandato do presidente Carlos Menem (1930-2021). Cavallo foi apelidado na Argentina de “pai da convertibilidade”. O ex-ministro declarou em dezembro que a atual “valoriza\u00e7\u00e3o real exagerada do peso” \u00e9 “similar” \u00e0 que ocorreu no final de 1990 \u2013 “uma defla\u00e7\u00e3o muito onerosa porque transformou a recess\u00e3o iniciada no fim de 1998 em uma verdadeira depress\u00e3o econ\u00f4mica”. Na Argentina, a impress\u00e3o de que o peso est\u00e1 artificialmente alto em compara\u00e7\u00e3o com seu valor real no mercado internacional vem aumentando entre a opini\u00e3o p\u00fablica e incomoda o presidente. Milei garante que seus cr\u00edticos est\u00e3o errados. “Do meu ponto de vista, o c\u00e2mbio n\u00e3o est\u00e1 atrasado”, garantiu ele, em entrevista \u00e0 R\u00e1dio El Observador de Buenos Aires, no in\u00edcio de janeiro. “\u00c9 irritante e afrontosa a estupidez declarada [por Cavallo].” Para o presidente argentino, a pouca margem entre a cota\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar oficial e paralelo, aliada ao valor acumulado pelo Banco Central em reservas com a cota\u00e7\u00e3o atual (cerca de US$ 25 bilh\u00f5es, ou R$ 148 bilh\u00f5es), comprova que n\u00e3o existe atraso. “E ainda h\u00e1 o equil\u00edbrio fiscal”, destacou ele. A economia do pa\u00eds, na leitura de Milei, n\u00e3o deve ganhar competitividade enfraquecendo o peso, mas desregulamentando a economia, reduzindo os impostos e melhorando o acesso ao cr\u00e9dito. Para Sigaut Gravina, as palavras de Milei procuram conter a press\u00e3o para que o governo volte a desvalorizar a moeda argentina. “Se todos n\u00f3s tivermos a impress\u00e3o de que existe um atraso cambial significativo, todos ir\u00e3o pensar que o peso, desta forma, n\u00e3o se sustenta”, explica ele. Mas o economista ressalta que “o principal ativo do governo atualmente \u00e9 a queda da infla\u00e7\u00e3o \u2013 e desvalorizar implica, como efeito imediato, aumento inflacion\u00e1rio”. O Banco Central argentino anunciou que, a partir de fevereiro, ir\u00e1 reduzir a desvaloriza\u00e7\u00e3o mensal do c\u00e2mbio oficial de 2% para 1% ao m\u00eas, fortalecendo ainda mais o peso. Espera-se que esta estrat\u00e9gia ajude a continuar baixando a infla\u00e7\u00e3o, que atingiu 2,7% ao m\u00eas em dezembro passado. Mas muitos se perguntam qual ser\u00e1 o preju\u00edzo se o pa\u00eds continuar sendo “caro em d\u00f3lares”. De qualquer forma, o que realmente poderia definir a cota\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar \u00e9 o que ir\u00e1 ocorrer quando Milei suspender o controle de capitais, que hoje restringe o acesso \u00e0 moeda americana, e deixar flutuar o peso \u2013 uma medida que o presidente prometeu tomar em 2025. Veja tamb\u00e9m: Melhores destinos para viajar sozinho em 2025, segundo turistas; veja \u00fanico sul-americano Como dentista trouxe o t\u00edtulo de Rainha Internacional do Caf\u00e9 ao Brasil <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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