Nas m\u00e9dias desde 2001, acompanhadas pela ONG, a atividade criminosa retira da natureza brasileira cerca de 38 milh\u00f5es de animais anualmente, sendo que apenas um em cada dez consegue chegar \u00e0s m\u00e3os do consumidor final, enquanto nove morrem durante a captura ou transporte. Mais de 80 aves que iam ser traficadas s\u00e3o encontradas dentro de carro em caixas de papel\u00e3o, em Goi\u00e2nia \u2014 Foto: Divulga\u00e7\u00e3o\/Pol\u00edcia Militar Segundo Dener Giovani, coordenador geral do Renctas, a ONG acompanha as movimenta\u00e7\u00f5es de mais de 800 grupos de mensagem e 400 comunidades em redes sociais, al\u00e9m de an\u00fancios em marketplaces. A organiza\u00e7\u00e3o sem fins lucrativos atua h\u00e1 25 anos no monitoramento online do com\u00e9rcio ilegal de animais silvestres na Amaz\u00f4nia e tamb\u00e9m em outras localidades. Na an\u00e1lise dele, um n\u00famero cada vez maior de esp\u00e9cies amaz\u00f4nicas vem sendo comercializado em grupos de mensagem. \u201cNos \u00faltimos tr\u00eas anos, percebemos um crescimento muito intenso de animais pe\u00e7onhentos como aracn\u00eddeos, escorpi\u00f5es, serpentes e sapos\u201d. Outro ponto destacado pelo relat\u00f3rio \u00e9 a vulnerabilidade das fronteiras do Brasil com o Suriname e a Guiana Francesa para a sa\u00edda de animais silvestres. Recentemente, essas rotas tamb\u00e9m passaram a ser utilizadas para entrada de animais ex\u00f3ticos no pa\u00eds, cujos compradores s\u00e3o brasileiros. Aranha conhecida como tar\u00e2ntula ruiva brasileira \u2014 Foto: Arquivo Renctas \u201cO Brasil sempre ocupou um lugar de destaque no tr\u00e1fico de animais silvestres como um grande fornecedor e agora a gente percebeu que o Brasil tamb\u00e9m est\u00e1 se destacando como um importador, o que tamb\u00e9m \u00e9 um problema muito s\u00e9rio porque essas esp\u00e9cies podem levar a um desequil\u00edbrio ambiental enorme e elas n\u00e3o t\u00eam predadores naturais\u201d, afirma Dener. A afirma\u00e7\u00e3o encontra base cient\u00edfica, uma vez que o bioma apresenta 13,2 mil esp\u00e9cies de plantas, 128 mil invertebrados, 1 mil de aves, 3 mil de peixes, 550 r\u00e9pteis, 311 mam\u00edferos e 163 anf\u00edbios descritos pela ci\u00eancia. Uma biodiversidade gigantesca e, infelizmente, vulner\u00e1vel. “Todo o material coletado para a realiza\u00e7\u00e3o do presente estudo ser\u00e1 encaminhado para as autoridades brasileiras, para que sejam tomadas as devidas provid\u00eancias para a investiga\u00e7\u00e3o e a responsabiliza\u00e7\u00e3o dos poss\u00edveis atos criminais cometidos pelos usu\u00e1rios das redes sociais durante o per\u00edodo de levantamento dos dados”, afirma a organiza\u00e7\u00e3o. Uma pr\u00e1tica hist\u00f3rica Mais do que uma vis\u00e3o da pr\u00e1tica criminosa no presente, o relat\u00f3rio do Renctas inclui as ra\u00edzes hist\u00f3ricas do tr\u00e1fico de animais silvestres na regi\u00e3o amaz\u00f4nica desde o s\u00e9culo passado. A revis\u00e3o de literatura pelos pesquisadores aponta que, em um per\u00edodo de 19 anos (1935-1954), foram comercializados cerca de 140 mil peixes-boi na Amaz\u00f4nia. Al\u00e9m disso, no ano de 1968, somente a cidade de Altamira (PA), produziu 36 mil quilos de peles de animais silvestres para a exporta\u00e7\u00e3o. Dep\u00f3sito de peles de animais silvestres em Manaus \u2014 Foto: Arquivo Renctas Mas o com\u00e9rcio da biodiversidade n\u00e3o se limitava s\u00f3 a peixes e mam\u00edferos. Na d\u00e9cada de 1910, um \u00fanico comerciante de Londres importou 400 mil aves da Amaz\u00f4nia, segundo a bibliografia do estudo. Vinte e dois anos depois, o estado do Par\u00e1 exportou 25 mil beija-flores para serem utilizados como enfeites de caixas de chocolate na It\u00e1lia. \u201cA hist\u00f3ria da ocupa\u00e7\u00e3o da Amaz\u00f4nia brasileira, das primeiras expedi\u00e7\u00f5es cient\u00edficas at\u00e9 o presente, foi constru\u00edda atrav\u00e9s da repeti\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica de in\u00fameras pr\u00e1ticas predat\u00f3rias. A equivocada vis\u00e3o de seus primeiros colonizadores, de que a regi\u00e3o era uma inesgot\u00e1vel fonte de riquezas naturais, persiste at\u00e9 hoje\u201d, informa o levantamento. Usos e esp\u00e9cies mais visadas De acordo com o mapeamento do Renctas, os usos e destinos da fauna silvestre traficada no Brasil incluem: Ca\u00e7a de subsist\u00eancia ou iguaria culin\u00e1riaAnimais silvestres como PETsUso cultural tradicionalUso para a pesquisa cient\u00edfica n\u00e3o autorizadaCole\u00e7\u00f5es particularesTurismo, \u201carte\u201d e moda O tipo de tr\u00e1fico mais frequente na Amaz\u00f4nia \u00e9 a ca\u00e7a para alimenta\u00e7\u00e3o, superando at\u00e9 mesmo a modalidade de tr\u00e1fico para uso como PET, a mais comum no restante do pa\u00eds. \u201cPor mais surpreendente que possa parecer, na Amaz\u00f4nia, o h\u00e1bito de se manter esp\u00e9cies silvestres como animais de companhia \u00e9 menos frequente do que nas demais regi\u00f5es do Brasil\u201d. Por outro lado, os n\u00fameros mostram que a ca\u00e7a para alimenta\u00e7\u00e3o \u00e9 amplamente praticada fora dos grandes centros urbanos. Anualmente, s\u00e3o ca\u00e7ados mais de 23 milh\u00f5es de animais para serem utilizados como fonte proteica na Amaz\u00f4nia, totalizando cerca de 90 mil toneladas de carne silvestre. Esp\u00e9cies silvestres amaz\u00f4nicas mais traficadas por grupo animal Grupo Nome comum Nome cient\u00edfico Finalidade R\u00e9ptil Tartaruga-da-amaz\u00f4nia Podocnemis expansa Alimenta\u00e7\u00e3o Aves Curi\u00f3 Sporophila angolensis Pet Mam\u00edferos Guariba Alouatta sp. Alimenta\u00e7\u00e3o\/Pet Peixes Pirarucu Arapaima gigas Alimenta\u00e7\u00e3o Insetos Besouro-serra-pau Macrodontia cervicornis Pet Anf\u00edbios Sapos amaz\u00f4nicos Dendrobates spp. Pet Artr\u00f3podes Aranha-golias Theraphosa blondi Pet Segundo o documento, n\u00e3o foram considerados dados oficiais de apreens\u00e3o de fauna silvestre, uma vez que, em grande parte, s\u00e3o imprecisos quanto \u00e0 descri\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie. \u201cAl\u00e9m disso, o n\u00famero de animais apreendidos pelos \u00f3rg\u00e3os de fiscaliza\u00e7\u00e3o ambiental representa apenas uma \u00ednfima parte do volume de animais traficados no pa\u00eds\u201d, informa. Solu\u00e7\u00e3o passa por mudan\u00e7a cultural Para o coordenador da ONG, expor a realidade do tr\u00e1fico nacional e internacional de animais silvestres \u00e9 fundamental para que a sociedade civil possa cobrar das autoridades a\u00e7\u00f5es efetivas para reduzir os danos das pr\u00e1ticas criminosas \u00e0 biodiversidade. Danos que v\u00e3o al\u00e9m da poss\u00edvel extin\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies amea\u00e7adas. “A introdu\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies invasores traz problemas grav\u00edssimos, n\u00e3o s\u00f3 ambientais, mas de sa\u00fade p\u00fablica. Imagine voc\u00ea n\u00e3o saber que seu vizinho pode estar criando uma naja asi\u00e1tica dentro de casa. Se esse animal escapa, pode causar um acidente”, alerta Dener. Um dos destinos de borboletas capturadas na natureza \u00e9 servirem como enfeite de vasos sanit\u00e1rios \u2014 Foto: Arquivo Renctas Na avalia\u00e7\u00e3o dele, a legisla\u00e7\u00e3o ambiental brasileira est\u00e1 adequada no papel, mas falha quando o assunto \u00e9 a aplicabilidade das leis. “No Brasil, a maior parte dos crimes ambientais a penalidade vai at\u00e9 um ano de reclus\u00e3o e como s\u00e3o penas com menos de quatro anos, entra como crimes de menor potencial ofensivo. Ent\u00e3o o criminoso paga uma cesta b\u00e1sica ou faz um acordo para assistir uma palestra. Acaba que o crime acaba compensando pro traficante porque ele ganha muito dinheiro e o risco que ele tem \u00e9 pequeno”. Pensando nesse sentido, a resolu\u00e7\u00e3o do problema acaba passando por mudan\u00e7as culturais, substituindo comportamentos nocivos \u00e0 biodiversidade por outros sejam mais conscientes. Um exemplo \u00e9 como a cria\u00e7\u00e3o de aves em gaiola pode ser substitu\u00edda pela pr\u00e1tica do birdwatching. “Enquanto houver demanda vai fazer oferta. A gente pode ter melhor legisla\u00e7\u00e3o do mundo, a gente pode ter policiais bem preparados, mas enquanto houver demanda vai ter oferta”, finaliza o coordenador. V\u00cdDEOS: Destaques Terra da <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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