Ele \u00e9 um \u00f3rf\u00e3o sudan\u00eas abandonado duas vezes e deslocado duas vezes na grave guerra de seu pa\u00eds. Mahmoud \u00e9 uma das quase cinco milh\u00f5es de crian\u00e7as sudanesas que perderam quase tudo ao serem empurradas de um lugar para o outro no que \u00e9 hoje a pior crise humanit\u00e1ria do mundo. Em nenhum outro lugar do mundo h\u00e1 tantas crian\u00e7as fugindo e tantas pessoas vivendo com uma fome t\u00e3o aguda. A fome j\u00e1 foi declarada em uma \u00e1rea do pa\u00eds \u2014 e muitas outras regi\u00f5es subsistem \u00e0 beira da inani\u00e7\u00e3o, sem saber de onde vir\u00e1 a pr\u00f3xima refei\u00e7\u00e3o. “\u00c9 uma crise invis\u00edvel”, diz o novo chefe de assist\u00eancia humanit\u00e1ria da ONU, Tom Fletcher. “Vinte e cinco milh\u00f5es de sudaneses, mais da metade do pa\u00eds, precisam de ajuda agora.” Em uma \u00e9poca de muitas crises sem precedentes, em que guerras devastadoras em lugares como Gaza e Ucr\u00e2nia dominam a ajuda e a aten\u00e7\u00e3o do mundo, Fletcher escolheu o Sud\u00e3o para sua primeira miss\u00e3o de campo como uma forma de destacar essa situa\u00e7\u00e3o dif\u00edcil. “Essa crise n\u00e3o \u00e9 invis\u00edvel para a ONU, para nossos trabalhadores humanit\u00e1rios na linha de frente, que arriscam e perdem suas vidas para ajudar o povo sudan\u00eas”, disse ele \u00e0 BBC, enquanto viaj\u00e1vamos com ele em sua viagem de uma semana. A maioria das pessoas de sua equipe que trabalha no local tamb\u00e9m s\u00e3o sudaneses que perderam suas casas, suas vidas antigas, nessa luta brutal pelo poder entre o ex\u00e9rcito e as For\u00e7as de Apoio R\u00e1pido (RSF) paramilitares. A primeira visita de campo de Fletcher o levou ao orfanato Maygoma, de Mahmoud, em Kassala, no leste do Sud\u00e3o, que hoje abriga cerca de 100 crian\u00e7as em uma escola de tr\u00eas andares, em ru\u00ednas, que virou abrigo. Eles viviam com seus cuidadores na capital do pa\u00eds, Cartum, at\u00e9 que o ex\u00e9rcito e as RSF apontaram suas armas um para o outro em abril de 2023, o que afetou o orfanato enquanto o pa\u00eds era arrastado para um turbilh\u00e3o de viol\u00eancia terr\u00edvel, saques sistem\u00e1ticos e abusos chocantes. Quando os combates se espalharam pelo novo abrigo dos \u00f3rf\u00e3os em Wad Madani, na regi\u00e3o central do Sud\u00e3o, os que sobreviveram fugiram para Kassala. Quando pedi a Mahmoud, de 13 anos, que fizesse um pedido, ele imediatamente abriu um grande sorriso de dentes largos. “Quero ser governador de um estado para poder assumir o comando e reconstruir as casas destru\u00eddas”, respondeu ele. Mahmoud, agora com 13 anos, foi deslocado duas vezes desde o in\u00edcio do conflito no Sud\u00e3o em 2023 \u2014 Foto: Joyce Liu \/ BBC Para 11 milh\u00f5es de sudaneses que foram levados de um ref\u00fagio a outro, retornar ao que restou de seus lares e reconstruir suas vidas seria o maior presente de todos. Por enquanto, at\u00e9 mesmo encontrar comida para sobreviver \u00e9 uma batalha di\u00e1ria. E para as ag\u00eancias de ajuda humanit\u00e1ria, incluindo a ONU, fazer com que o alimento chegue at\u00e9 eles \u00e9 uma tarefa tit\u00e2nica. Ap\u00f3s quatro dias de reuni\u00f5es de Fletcher em Porto Sud\u00e3o, o chefe do ex\u00e9rcito, general Abdel Fattah al-Burhan, anunciou na rede social X que havia dado permiss\u00e3o \u00e0 ONU para estabelecer mais centros de abastecimento e usar mais tr\u00eas aeroportos regionais para prestar assist\u00eancia. Algumas das permiss\u00f5es j\u00e1 haviam sido concedidas anteriormente, mas outras representaram um passo adiante. O novo an\u00fancio tamb\u00e9m foi feito no momento em que o Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em ingl\u00eas) da ONU obteve sinal verde para chegar \u00e0s comunidades atingidas atr\u00e1s das linhas controladas pela RSF, incluindo o campo de Zamzam, em Darfur, que abriga cerca de meio milh\u00e3o de pessoas, onde a fome foi recentemente declarada. “Estamos pressionando h\u00e1 meses para chegar a essas comunidades”, diz Alex Marianelli, que dirige as opera\u00e7\u00f5es do WFP em Porto Sud\u00e3o. Atr\u00e1s de n\u00f3s, em um armaz\u00e9m do WFP, trabalhadores sudaneses cantam enquanto carregam caminh\u00f5es com caixas de alimentos que v\u00e3o para a pior das piores \u00e1reas. Marianelli reflete que nunca trabalhou em um ambiente t\u00e3o dif\u00edcil e perigoso. Cerca de 11 milh\u00f5es de pessoas foram for\u00e7adas a fugir de suas casas por causa do conflito \u2014 Foto: Joyce Liu \/ BBC Na comunidade de ajuda humanit\u00e1ria, alguns criticam a ONU, dizendo que ela ficou de m\u00e3os atadas ao reconhecer o general Burhan como o governante de fato do Sud\u00e3o. “O general Burhan e suas autoridades controlam esses postos de controle e o sistema de permiss\u00f5es e acesso”, disse Fletcher em resposta. “Se quisermos entrar nessas \u00e1reas, precisamos lidar com eles.” Ele espera que a rival RSF tamb\u00e9m coloque as pessoas em primeiro lugar. “Irei a qualquer lugar, falarei com qualquer pessoa para conseguir essa ajuda e salvar vidas”, diz Fletcher. Na guerra impiedosa do Sud\u00e3o, todas as partes em conflito foram acusadas de usar a fome como arma de guerra. Isso tamb\u00e9m acontece com a viol\u00eancia sexual, que a ONU descreve como “uma epidemia” no Sud\u00e3o. A visita da ONU coincidiu com os “16 dias de ativismo”, marcados globalmente como uma campanha para acabar com a viol\u00eancia de g\u00eanero. Em Porto Sud\u00e3o, o evento em um campo de desabrigados, o primeiro a ser montado quando a guerra come\u00e7ou, foi especialmente comovente. “Temos que fazer melhor, temos que fazer melhor”, disse Fletcher, que deixou de lado seu discurso preparado quando ficou de frente para fileiras de mulheres e crian\u00e7as sudanesas. Perguntei a algumas das mulheres que estavam l\u00e1 o que acharam de sua visita. “Precisamos muito de ajuda, mas o trabalho principal deve ser feito pelos pr\u00f3prios sudaneses”, afirma Romissa, que trabalha para um grupo de ajuda local e conta sua pr\u00f3pria jornada angustiante de Cartum no in\u00edcio da guerra. “Este \u00e9 o momento de o povo sudan\u00eas se unir.” Os sudaneses est\u00e3o tentando fazer muito com pouco. Em um abrigo simples de dois c\u00f4modos, uma casa segura chamada Shamaa (ou vela, em portugu\u00eas), traz um pouco de luz para a vida de mulheres solteiras v\u00edtimas de abuso e crian\u00e7as \u00f3rf\u00e3s. A fundadora, Nour Hussein al-Sewaty, conhecida como Mama Nour, tamb\u00e9m come\u00e7ou a vida no orfanato de Maygoma. Ela tamb\u00e9m teve que fugir de Cartum para proteger as pessoas que estavam sob seus cuidados. Uma mulher que agora est\u00e1 abrigada com ela foi estuprada antes da guerra, depois foi sequestrada e estuprada novamente. At\u00e9 mesmo a formid\u00e1vel Mama Nour est\u00e1 agora no limite. “Estamos muito exaustos. Precisamos de ajuda”, declara ela. “Queremos sentir o cheiro do ar fresco. Queremos sentir que ainda h\u00e1 pessoas no mundo que se preocupam conosco, o povo do Sud\u00e3o.” Popula\u00e7\u00e3o do Sud\u00e3o enfrenta fome extrema e situa\u00e7\u00e3o pode ser mais grave do que crise vivida pela Eti\u00f3pia h\u00e1 40 anos <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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