A passagem, que liga os oceanos Atl\u00e2ntico e Pac\u00edfico, encurtou as rotas mar\u00edtimas entre portos em diversas regi\u00f5es e revolucionou o com\u00e9rcio mundial. Mas seu impacto vai muito al\u00e9m do transporte mar\u00edtimo de cargas. Da independ\u00eancia do Panam\u00e1 da Col\u00f4mbia e o desenvolvimento da ilha caribenha de Barbados ao nascimento da empresa de avia\u00e7\u00e3o Boeing no noroeste dos Estados Unidos, a empreitada gerou uma s\u00e9rie de consequ\u00eancias inesperadas, destaca Noel Maurer, um dos autores do livro The Big Ditch (“O grande fosso”, em tradu\u00e7\u00e3o livre), que conta a hist\u00f3ria pol\u00edtica e econ\u00f4mica do Canal do Panam\u00e1. Conhe\u00e7a, a seguir, cinco delas. 1. Um novo pa\u00eds na Am\u00e9rica Central O interesse norte-americano pela constru\u00e7\u00e3o do canal foi fundamental para a independ\u00eancia do Panam\u00e1 \u2014 Foto: Getty Images via BBC O Panam\u00e1 foi, por muito tempo, uma prov\u00edncia da Col\u00f4mbia. Sua independ\u00eancia se tornou realidade em novembro de 1903, gra\u00e7as ao interesse norte-americano pelo projeto do canal. O governo dos Estados Unidos j\u00e1 havia adquirido os direitos da companhia francesa, propriet\u00e1ria da primeira concess\u00e3o, mas n\u00e3o conseguia chegar a um acordo satisfat\u00f3rio com as autoridades colombianas. O presidente americano Theodore Roosevelt (1858-1919) decidiu resolver o impasse apoiando as pretens\u00f5es de independ\u00eancia dos habitantes da regi\u00e3o, que retribu\u00edram o favor rapidamente com um novo acordo, bastante generoso. “N\u00e3o existe nada que indique que, se os Estados Unidos n\u00e3o tivessem ancorado seus navios nas duas costas do Panam\u00e1, impedindo a chegada das tropas colombianas, o movimento pela independ\u00eancia do Panam\u00e1 teria sido bem-sucedido”, explica Maurer. “E \u00e9 quase 100% certo, t\u00e3o certo quanto poss\u00edvel ao analisar os documentos hist\u00f3ricos, que, se os Estados Unidos n\u00e3o tivessem tomado esta decis\u00e3o, o Panam\u00e1 ainda hoje faria parte da Col\u00f4mbia”, declarou o acad\u00eamico \u00e0 BBC News Mundo, servi\u00e7o de not\u00edcias em espanhol da BBC. As an\u00e1lises de Maurer em seu livro indicam, entretanto que o novo pa\u00eds por muito tempo n\u00e3o se beneficiou especificamente do canal escavado no seu territ\u00f3rio. Foi apenas com a entrega da hidrovia ao Estado panamenho, no dia 31 de dezembro de 1999, que a obra passou a ser um verdadeiro motor de desenvolvimento para a na\u00e7\u00e3o centro-americana. Al\u00e9m da receita direta (mais de US$ 8,59 bilh\u00f5es \u2013 cerca de R$ 53 bilh\u00f5es, do ano 2000 at\u00e9 hoje), o canal gera in\u00fameras oportunidades. 2. Progresso para uma pequena ilha do Caribe O Canal do Panam\u00e1 foi inaugurado no dia 15 de agosto de 1914 \u2014 Foto: Getty Images via BBC Os n\u00fameros compilados por Maurer indicam que, surpreendentemente, o maior benefici\u00e1rio da constru\u00e7\u00e3o do Canal do Panam\u00e1 fica a cerca de 2,3 mil km de dist\u00e2ncia para o leste, na ilha de Barbados. Segundo dados do Banco Mundial, a ilha tem um PIB per capita de cerca de US$ 24 mil (cerca de R$ 148 mil), muito acima dos seus vizinhos do Caribe, como a Jamaica e o Haiti. Isso se deve, em grande parte, \u00e0 constru\u00e7\u00e3o do canal. Foi em Barbados que os Estados Unidos encontraram a m\u00e3o de obra necess\u00e1ria para levar adiante seu ambicioso projeto. A obra contratou cerca de 19,9 mil barbadenses. Eles representaram 44% de toda a m\u00e3o de obra empregada na constru\u00e7\u00e3o. \u00c9 preciso somar a este n\u00famero cerca de 25 mil pessoas que emigraram da ilha por conta pr\u00f3pria. Na \u00e9poca, a popula\u00e7\u00e3o total de Barbados era de pouco mais de 150 mil habitantes. A prosperidade chegou \u00e0 ilha n\u00e3o apenas com as remessas de dinheiro enviadas pelos emigrantes. Houve tamb\u00e9m impactos sobre o mercado de trabalho local. Foi preciso come\u00e7ar a pagar melhores sal\u00e1rios, incorporar as mulheres e modernizar a ind\u00fastria a\u00e7ucareira, que \u00e9 a principal atividade econ\u00f4mica do pa\u00eds. Para Maurer, uma consequ\u00eancia significativa foi o dram\u00e1tico aumento do n\u00famero de pequenos propriet\u00e1rios e o r\u00e1pido crescimento do setor banc\u00e1rio da ilha. O “dinheiro do Panam\u00e1” tamb\u00e9m ajudou a consolidar a previd\u00eancia social de Barbados. Em 1921, o sistema j\u00e1 cobria 94% da popula\u00e7\u00e3o e serviu para aumentar significativamente seu n\u00edvel educacional, transformando a ilha para sempre. 3. Campanha modelo de sa\u00fade p\u00fablica Mais de 25 mil pessoas morreram durante a constru\u00e7\u00e3o do canal, a maioria de febre amarela \u2014 Foto: Getty Images via BBC A tecnologia e o projeto mais adaptado \u00e0 complexa geografia panamenha n\u00e3o foram os \u00fanicos fatores que permitiram aos Estados Unidos triunfar no local onde os franceses j\u00e1 haviam fracassado. Foi igualmente importante sua capacidade de eliminar a mal\u00e1ria e a febre amarela, que dizimaram os trabalhadores da malograda empreitada francesa. O m\u00e9dico cubano Carlos Finlay (1833-1915) j\u00e1 havia identificado, alguns anos antes, o v\u00ednculo entre os mosquitos e as doen\u00e7as. E os princ\u00edpios de controle do cont\u00e1gio foram colocados em pr\u00e1tica em Cuba durante a guerra hispano-americana de 1898. Mas foi o sucesso da sua aplica\u00e7\u00e3o no Panam\u00e1 que permitiu ao modelo atingir visibilidade mundial. Os n\u00fameros falam por si. Estima-se que tenham morrido, ao todo, 25.609 pessoas durante os trabalhos de constru\u00e7\u00e3o do Canal do Panam\u00e1. Destas, 22.819 mortes ocorreram durante a administra\u00e7\u00e3o francesa. A maioria foi causada pelas mesmas doen\u00e7as que os Estados Unidos viriam a combater de forma eficaz posteriormente. O m\u00e9rito se deve fundamentalmente ao epidemiologista norte-americano William Gorgas (1854-1920). Ele j\u00e1 havia sido destacado para Cuba anteriormente e foi encarregado de projetar a campanha de sa\u00fade p\u00fablica mais ambiciosa da \u00e9poca. Para Maurer, o esfor\u00e7o para erradicar a mal\u00e1ria e a febre amarela seria o principal benef\u00edcio do projeto para o Panam\u00e1, depois do pr\u00f3prio canal. E as li\u00e7\u00f5es aprendidas no processo foram levadas para todo o mundo. 4. Um imp\u00e9rio… da avia\u00e7\u00e3o Avi\u00e3o da Boeing \u2014 Foto: Reuters via BBC N\u00e3o \u00e9 segredo que, desde o princ\u00edpio, os Estados Unidos conceberam o Canal do Panam\u00e1 como uma pe\u00e7a fundamental para sua consolida\u00e7\u00e3o como pot\u00eancia mundial, no plano econ\u00f4mico e militar. Os n\u00fameros reunidos por Maurer indicam que o canal n\u00e3o foi um fator fundamental para a expans\u00e3o norte-americana no in\u00edcio do s\u00e9culo 20 \u2013 embora os Estados Unidos tenham recebido a maior parte dos seus benef\u00edcios financeiros, equivalentes a 0,2% do Produto Interno Bruto anual, nas duas primeiras d\u00e9cadas. Mas o canal trouxe efeitos transformadores para algumas regi\u00f5es do pa\u00eds, especialmente o noroeste, que aumentou consideravelmente o mercado interno para sua produ\u00e7\u00e3o de madeira. Estes lucros permitiram que William Boeing (1881-1956), ent\u00e3o presidente de uma madeireira no Estado norte-americano de Washington, fundasse e mantivesse uma pequena empresa a\u00e9rea nos seus primeiros anos de opera\u00e7\u00e3o. “Na \u00e9poca da Segunda Guerra Mundial [1939-1945], a Boeing j\u00e1 havia alterado radicalmente a economia de Seattle”, explica Maurer. “Sem o Canal do Panam\u00e1, toda a regi\u00e3o do noroeste dos Estados Unidos e uma parte importante do Canad\u00e1 teriam se desenvolvido com muito mais lentid\u00e3o, de uma forma muito diferente do que aconteceu.” 5. Aproveitar o crescimento da China Hidrovia inaugurada h\u00e1 mais de um s\u00e9culo foi ampliada em 2016 \u2014 Foto: Getty Images via BBC Seattle n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico exemplo de uma regi\u00e3o transformada gra\u00e7as ao Canal do Panam\u00e1. E os benef\u00edcios da sua constru\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m n\u00e3o se limitaram aos Estados Unidos. O Chile e o Jap\u00e3o, por exemplo, est\u00e3o entre os primeiros favorecidos. Isso se deve \u00e0 redu\u00e7\u00e3o dos custos de transporte dos seus produtos at\u00e9 a costa leste dos Estados Unidos e, em menor escala, ao litoral atl\u00e2ntico da Europa. O canal tamb\u00e9m \u00e9 utilizado por pa\u00edses como o Brasil e a Argentina, al\u00e9m de certas regi\u00f5es dos Estados Unidos. “A demanda de carv\u00e3o, por exemplo, diminuiu muito nos Estados Unidos”, segundo Maurer. “Mas o Canal do Panam\u00e1 permite que muitas regi\u00f5es produtoras de carv\u00e3o exportem seu produto para o leste asi\u00e1tico. N\u00e3o \u00e9 o melhor para o planeta, mas \u00e9 bom para as mineradoras do leste dos Estados Unidos.” O impacto do canal sobre produtos como a soja brasileira n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o significativo, j\u00e1 que as necessidades da China garantem a demanda, independentemente do canal. Mas Maurer acredita que os custos que precisariam ser cobertos se o canal n\u00e3o existisse teriam reduzido e desacelerado a demanda por commodities que tanto beneficiou a Am\u00e9rica Latina. “N\u00e3o podemos dizer que, sem o Canal do Panam\u00e1, as coisas seriam totalmente diferentes, mas muitas mudan\u00e7as certamente teriam ocorrido com mais lentid\u00e3o”, conclui o acad\u00eamico. V\u00cdDEOS: mais assistidos do g1 <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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