Vamos pegar, por exemplo, tr\u00eas aves distintas: a gar\u00e7a, uma ariramba e um falc\u00e3o-peregrino. O dia amanhece e todas seguem a lida, voam atr\u00e1s do alimento. A ariramba avista uma movimenta\u00e7\u00e3o de insetos e procura logo um poleiro de espera em uma \u00e1rvore pr\u00f3xima. Transforma-se em pura aten\u00e7\u00e3o, visualizando cada movimento \u00e0 espera da oportunidade de se lan\u00e7ar como uma flecha e capturar o inseto. Enquanto isso, a gar\u00e7a encontra um pequeno remanso \u00e0 margem de uma cachoeira. Caminha lentamente pelas \u00e1guas rasas e, de repente, fica im\u00f3vel como uma est\u00e1tua, com os olhos fixos na \u00e1gua. A gar\u00e7a-branca-pequena tamb\u00e9m \u00e9 conhecida como garcinha-branca, gar\u00e7a-pequena e garcinha. \u2014 Foto: Rudimar Narciso Cipriani Alguns metros acima est\u00e1 o falc\u00e3o-peregrino \u00e0 procura de uma presa mais abaixo que esteja distra\u00edda no voo com o objetivo de chegar a algum lugar e descuidada com o que pode surgir de cima. A ariramba se atira sobre o inseto e erra. Volta para o poleiro, v\u00ea outro e se lan\u00e7a de novo, desta vez com \u00eaxito. A gar\u00e7a ainda continua a esperar. J\u00e1 o falc\u00e3o avista uma pomba e mergulha. Como um m\u00edssil a quase duzentos quil\u00f4metros por hora, acerta a presa em cheio. Finalmente a gar\u00e7a d\u00e1 o bote. Seu pesco\u00e7o parece uma cobra num ataque fulminante, mas quando retira a cabe\u00e7a da \u00e1gua n\u00e3o mostra nada em seu bico. D\u00e1 mais uns passos \u00e0 frente e outra vez fica im\u00f3vel \u00e0 espera de outra oportunidade. E quando ela surge, o bote outra vez n\u00e3o resulta em peixe algum. Mais um passo \u00e0 frente e, outra vez, se torna im\u00f3vel. A ariramba-de-cauda-ruiva mede entre 19 e 25 cent\u00edmetros e pesa entre 18 e 28 gramas. \u2014 Foto: Rudimar Narciso Cipriani Onde quero chegar? \u00c9 simples, t\u00e3o simples quanto a gar\u00e7a branca, objetivo como a ariramba e r\u00e1pido como o falc\u00e3o. Na vida natural n\u00e3o existe erro. Pelo menos essas tr\u00eas aves, a exemplo de milhares de outras, n\u00e3o fazem do erro o que n\u00f3s humanos teimamos em fazer. Vejamos: a gar\u00e7a tentou uma vez, duas, sem sucesso. Imediatamente se preparou para a terceira tentativa. Se pensasse como um humano, no espa\u00e7o de tempo entre a primeira e a segunda tentativa j\u00e1 estaria pensando ser uma incompetente, e quem sabe n\u00e3o iria insistir mais uma vez. A ariramba, ao fracassar no primeiro ataque, se agisse como a maioria de n\u00f3s, iria gastar um temp\u00e3o pensando no que fez de errado, se calculou mal, desconsiderou a esperteza do inseto e provavelmente se sentiria culpada. Creditaria s\u00f3 a ela esse insucesso e, ao fazer isso, provavelmente cheia de inseguran\u00e7a, perderia tamb\u00e9m o segundo ataque. J\u00e1 o falc\u00e3o teve \u00eaxito de cara, mas n\u00e3o seria diferente se a pomba tivesse escapado. Ele tentaria de novo. Falc\u00e3o-peregrino pode atingir mais de 320 km\/h em queda livre \u2014 Foto: Leonardo Vilela\/TG E sabe por qu\u00ea? No mundo natural existem tentativas e possibilidades. E sejam elas quais forem, nunca s\u00e3o consideradas erros ou acertos. Pois a gar\u00e7a n\u00e3o errou, o peixe \u00e9 que foi mais r\u00e1pido. Quando o inseto escapou, tamb\u00e9m. J\u00e1 o falc\u00e3o se beneficiou da surpresa e, \u00e9 claro, da velocidade. E todas essas hist\u00f3rias poderiam ter um final diferente, o que n\u00e3o mudaria em nada o comportamento dessas aves diante dos desafios da vida. Elas n\u00e3o desistiriam, tentariam de novo e de novo. N\u00e3o considerariam os erros nem os acertos, continuariam a tentar, a buscar, e jamais se sentiriam culpadas por n\u00e3o serem 100% eficientes. O ano novo se aproxima, renovam-se nossas esperan\u00e7as e uma delas est\u00e1 bem ao nosso alcance. Podemos entrar em 2025 deixando de acreditar em bobagens e cobran\u00e7as como a ideia que temos da perfei\u00e7\u00e3o, aquela que diz que perfeito \u00e9 quem n\u00e3o erra. Podemos buscar a perfei\u00e7\u00e3o como ela existe na natureza e as aves nos mostram. Sem julgamentos, sem a preocupa\u00e7\u00e3o, com acertos e erros. Se assim fizermos, ficaremos leves iguais penas das aves, n\u00e3o poderemos voar, mas seremos bem mais livres e \u2013 porque n\u00e3o dizer \u2013 mais naturais ao nos integrarmos \u00e0 vida como ela realmente \u00e9. Feliz 2025, que seja o ano da leveza. Afinal, a natureza \u00e9 perfeita, n\u00e3o \u00e9 mesmo? A gar\u00e7a-branca-grande \u00e9 uma esp\u00e9cie cosmopolita, ausente apenas do continente ant\u00e1rtico. \u2014 Foto: Rudimar Narciso Cipriani V\u00cdDEOS: Destaques Terra da Gente <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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