Com as m\u00e3os tr\u00eamulas, ela disse aos policiais que foi a coisa mais corajosa que j\u00e1 fez na vida. Por quase dois anos, seu namorado a manteve em cativeiro, segundo os promotores. Ela temia que ele a matasse se tentasse ir embora. Mas apenas alguns dias antes, depois de ele derramar graxa quente em suas costas, ela come\u00e7ou a planejar sua fuga, enviando mensagens secretas a familiares e amigos para alertar a pol\u00edcia. Mais tarde, a jovem explicou seu desespero aos detetives: quase todas as noites, seu namorado a for\u00e7ava a gravar atos sexuais em c\u00e2meras para vender online. Entre os canais escolhidos por ele estava o OnlyFans, site de enorme sucesso famoso pela pornografia. O OnlyFans diz que empodera criadores de conte\u00fado, especialmente mulheres, ao monetizar imagens e v\u00eddeos sexualmente expl\u00edcitos em um ambiente online seguro. Mas uma investiga\u00e7\u00e3o da Reuters encontrou mulheres que disseram ter sido enganadas, drogadas, aterrorizadas e escravizadas sexualmente para que seus algozes ganhassem dinheiro com o site. As descobertas se baseiam em queixas policiais realizadas nos Estados Unidos, al\u00e9m de arquivos de tribunais internacionais, processos judiciais e entrevistas com promotores, investigadores de tr\u00e1fico sexual e mulheres que dizem ter sido traficadas. Em um outro caso similar, o influenciador Andrew Tate, com milh\u00f5es de seguidores em todo o mundo nas redes sociais, foi acusado de for\u00e7ar mulheres na Rom\u00eania a produzir pornografia para o OnlyFans e embolsar os lucros. Ele negou as acusa\u00e7\u00f5es. Andrew Tate, \u00e0 direita, e seu irm\u00e3o Tristan deixam o tribunal em Bucareste, Rom\u00eania, em fevereiro de 2024 \u2014 Foto: Vadim Ghirda \/ Arquivo \/ AP Photo Os casos que a Reuters identificou nos Estados Unidos chamaram menos aten\u00e7\u00e3o, pois algumas mulheres passaram semanas ou meses de suposta escravid\u00e3o sexual em casas de apar\u00eancia comum em comunidades tranquilas. A v\u00edtima, \u00e0s vezes, era uma noiva ou uma namorada, abusada para aumentar o or\u00e7amento dom\u00e9stico, financiar a aposentadoria do casal ou cobrir as despesas dos filhos, de acordo com relatos em arquivos policiais ou judiciais. A Reuters n\u00e3o divulga os nomes das mulheres que dizem ter sido v\u00edtimas de tr\u00e1fico sexual. A mulher de Wisconsin, hoje com 23 anos, foi abusada por Austin Koeckeritz, que se descreveu em um blog como “empres\u00e1rio, artista e estudante de psicologia”. Ele est\u00e1 cumprindo uma senten\u00e7a de 20 anos de pris\u00e3o depois de se declarar culpado de tr\u00e1fico sexual. “Os dois anos l\u00e1 pareceram d\u00e9cadas, e eu estava sofrendo sozinha e pronta para morrer”, disse a mulher em seus primeiros coment\u00e1rios p\u00fablicos sobre o caso. “Acho que nunca estarei totalmente curada.” A casa alugada em River Falls, Wisconsin, onde os promotores dizem que Austin Koeckeritz manteve uma mulher em cativeiro e a for\u00e7ou a aparecer no OnlyFans \u2014 Foto: Reuters\/Tim Gruber Prostitui\u00e7\u00e3o for\u00e7ada Pelo menos dois casos detalhados nos arquivos da pol\u00edcia envolvem alega\u00e7\u00f5es de prostitui\u00e7\u00e3o for\u00e7ada. Um marido e uma mulher comandavam uma opera\u00e7\u00e3o de tr\u00e1fico e prostitui\u00e7\u00e3o em seis estados americanos antes de serem presos em um bairro organizado de Ohio, onde criavam dois filhos, segundo os promotores. O marido supostamente usava o OnlyFans para organizar encontros sexuais com v\u00e1rias mulheres e vender pornografia que ele ordenava que elas fizessem. Ele aguarda julgamento; sua esposa recentemente se declarou culpada de acusa\u00e7\u00f5es relacionadas. Esses esquemas de tr\u00e1fico sexual se baseiam em intimida\u00e7\u00e3o, viol\u00eancia ou falsas garantias de amor para pressionar as mulheres a fazer pornografia e mant\u00ea-las produzindo, segundo as v\u00edtimas e os promotores. Os supostos criminosos eram, em sua maioria, homens \u2013 alguns acusados de espancar e estuprar mulheres, outros de tatuar seus nomes e rostos nas v\u00edtimas. Eles filmavam em locais privados, \u00e0s vezes mantendo as v\u00edtimas em cativeiro por um ano ou mais, segundo os registros e entrevistas. Um dia antes de ser resgatada, a mulher de Wisconsin escondeu um bilhete para a pol\u00edcia no jardim da frente da casa em que dizia que “estava basicamente presa neste quarto para continuar ganhando dinheiro” para seu agressor. \u2018Violentada a cada clique\u2019, v\u00edtimas contam consequ\u00eancias da pornografia de revanche ‘Nicho’ para tr\u00e1fico sexual No OnlyFans, os traficantes sexuais t\u00eam um “nicho exclusivo” para conduzir seus neg\u00f3cios de forma privada, disse Catheline Torres, da National Human Trafficking Hotline, com sede nos EUA, que ajuda sobreviventes de tr\u00e1fico e explora\u00e7\u00e3o. A Reuters identificou 11 casos de mulheres que foram \u00e0s autoridades ou entraram com a\u00e7\u00f5es judiciais dizendo que foram for\u00e7adas a realizar atos sexuais no OnlyFans. Mas especialistas como Torres dizem que a verdadeira preval\u00eancia do tr\u00e1fico sexual na plataforma \u00e9 quase imposs\u00edvel de ser avaliada por pessoas de fora. As contas da maioria dos criadores de conte\u00fado est\u00e3o escondidas atr\u00e1s de um paywall baseado em assinatura, “minimizando a probabilidade de serem pegos e processados”, disse Torres. A acusa\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m pode ser dif\u00edcil porque as v\u00edtimas temerosas ou traumatizadas relutam em falar ou testemunhar no tribunal. Uma mulher disse a um detetive que seu noivo a for\u00e7ou durante meses a produzir pornografia para o OnlyFans em um estacionamento de trailers nos arredores de Orlando, Fl\u00f3rida. Ela s\u00f3 escapou porque a pol\u00edcia apareceu para prender o noivo em um mandado n\u00e3o relacionado em 2023. Ele foi acusado de tr\u00e1fico humano no caso, mas ela se retratou de suas alega\u00e7\u00f5es meses depois e os promotores retiraram a acusa\u00e7\u00e3o. Ela disse \u00e0 Reuters que temia que o caso pudesse afetar sua cust\u00f3dia do filho pequeno do casal e que ainda se sentia “doente” s\u00f3 de falar sobre o que aconteceu. “Isso traz de volta todos os sentimentos, as emo\u00e7\u00f5es \u2013 todas as vezes”, disse ela. “O dano \u00e9 eterno”. O OnlyFans n\u00e3o respondeu aos pedidos de coment\u00e1rios. A empresa n\u00e3o \u00e9 acusada em nenhum dos casos descritos nesta reportagem. No OnlyFans, os traficantes sexuais t\u00eam um “nicho exclusivo” para conduzir seus neg\u00f3cios de forma privada. \u2014 Foto: Reuters O que diz o OnlyFans Em seu site, o OnlyFans diz que pro\u00edbe a prostitui\u00e7\u00e3o e a “escravid\u00e3o moderna”, que inclui o tr\u00e1fico de pessoas e o trabalho for\u00e7ado. A plataforma diz que seus moderadores analisam todo o conte\u00fado do site e s\u00e3o treinados para identificar e denunciar suspeitas de tr\u00e1fico. O OnlyFans liderou “um foco na seguran\u00e7a para as pessoas no espa\u00e7o de conte\u00fado adulto”, disse a presidente-executiva da plataforma, Keily Blair, durante um painel de discuss\u00e3o em mar\u00e7o. De acordo com as regras da empresa, os criadores devem ter o consentimento por escrito de todos em seu conte\u00fado. Mas at\u00e9 novembro de 2022, eles n\u00e3o precisavam mostrar essa prova de consentimento ao OnlyFans antes que a plataforma permitisse que seu conte\u00fado fosse publicado, de acordo com as recentes declara\u00e7\u00f5es de Blair a um comit\u00ea parlamentar do Reino Unido. A empresa agora verifica a prova de consentimento antes de permitir que o conte\u00fado seja publicado, disse ela. OnlyFans \u2014 Foto: REUTERS\/Andrew Kelly Em pelo menos um caso, segundo a Reuters, a prova\u00e7\u00e3o de uma mulher do estado de Arkansas supostamente come\u00e7ou depois que a nova regra foi adotada. A mulher disse \u00e0 pol\u00edcia que, desde 2023, seu namorado a aterrorizava e a for\u00e7ava a filmar v\u00eddeos de sexo para o OnlyFans por horas a fio sob a amea\u00e7a de que, se ela resistisse, ele “a atacaria fisicamente”. As informa\u00e7\u00f5es s\u00e3o de uma declara\u00e7\u00e3o de pris\u00e3o apresentada por um detetive da pol\u00edcia na cidade de Van Buren. A Reuters n\u00e3o conseguiu determinar se ela havia assinado um termo de consentimento. O homem, Michael Hall, se declarou inocente de tr\u00e1fico humano e est\u00e1 aguardando julgamento. Seu advogado n\u00e3o respondeu aos pedidos de coment\u00e1rios. O OnlyFans n\u00e3o foi a \u00fanica plataforma citada nesses casos. Mas sua popularidade e seus termos generosos a tornam potencialmente lucrativa. Isso porque os criadores do site recebem 80% da receita gerada por suas contas, enquanto o OnlyFans fica com o restante. Todos os sites acusados de hospedar tr\u00e1fico sexual enfrentam riscos legais. Desde 2019, pelo menos uma d\u00fazia de a\u00e7\u00f5es judiciais foram movidas contra empresas de m\u00eddia social e outros sites com base em estatutos federais anti-tr\u00e1fico dos Estados Unidos, acusando-os de lucrar com conte\u00fado sexualmente abusivo. As empresas afirmaram que est\u00e3o protegidas de responsabilidade civil e criminal por uma lei federal criada para salvaguardar a liberdade de express\u00e3o, mas o Congresso aprovou uma legisla\u00e7\u00e3o nos \u00faltimos anos para reduzir essas prote\u00e7\u00f5es. Dois processos pendentes de tr\u00e1fico sexual citam o OnlyFans como r\u00e9u. Um deles acusa a empresa de lucrar com a explora\u00e7\u00e3o de duas mulheres em Nevada por uma ex-personalidade de reality show. O outro, detalhado em uma investiga\u00e7\u00e3o da Reuters em mar\u00e7o, envolve uma estudante universit\u00e1ria da Fl\u00f3rida que alega que o OnlyFans lucrou com o v\u00eddeo de seu suposto estupro publicado no site. Um juiz recomendou que o OnlyFans fosse retirado do caso da Fl\u00f3rida por causa das prote\u00e7\u00f5es \u00e0 liberdade de express\u00e3o \u2013 o que provocou a resist\u00eancia dos advogados da mulher. Em ambos os casos, a empresa nega que tenha violado as leis de tr\u00e1fico sexual. Processos por registro ou divulga\u00e7\u00e3o de imagens \u00edntimas \u2014 Foto: Arte\/g1 <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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