O menino australiano, de 12 anos, teve um desentendimento com um amigo e, uma noite, antes de dormir, o menino o adicionou a um grupo de bate-papo com dois adolescentes mais velhos. Quase instantaneamente, seu telefone “come\u00e7ou a ser bombardeado” com uma s\u00e9rie de mensagens violentas. “Um deles parecia ter provavelmente 17 anos”, contou James \u00e0 BBC. “Ele me mandou v\u00eddeos dele com um fac\u00e3o\u2026 ele estava balan\u00e7ando (o fac\u00e3o). Depois, recebi mensagens de voz dizendo que eles iriam me pegar e me esfaquear.” James (nome fict\u00edcio) entrou no Snapchat pela primeira vez quando tinha 10 anos, depois que um colega de turma sugeriu que todos em seu grupo de amigos baixassem o aplicativo. Mas depois de contar aos pais sobre sua experi\u00eancia com cyberbullying, que acabou sendo resolvida pela escola, James excluiu sua conta. A experi\u00eancia dele \u00e9 um alerta que mostra por que a proibi\u00e7\u00e3o das redes sociais proposta pelo governo australiano para menores de 16 anos \u00e9 necess\u00e1ria, diz sua m\u00e3e Emma, que tamb\u00e9m est\u00e1 usando um pseud\u00f4nimo. O projeto de lei, que foi apresentado na c\u00e2mara baixa do Parlamento na quinta-feira (21\/11), foi classificado pelo primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, como “l\u00edder mundial”. Mas embora muitos pais tenham aplaudido a medida, alguns especialistas questionam se as crian\u00e7as devem \u2014 ou at\u00e9 mesmo podem \u2014 ser impedidas de acessar as redes sociais, e quais podem ser os efeitos adversos de fazer isso. Albanese afirma que a proibi\u00e7\u00e3o \u2014 que vai abranger plataformas como X (antigo Twitter), TikTok, Facebook e Instagram \u2014 tem como objetivo proteger as crian\u00e7as dos “danos” das redes sociais. “Este \u00e9 um problema global, e queremos que os jovens australianos tenham basicamente uma inf\u00e2ncia. Queremos que os pais tenham paz de esp\u00edrito”, disse ele na quinta-feira. A nova legisla\u00e7\u00e3o oferece um “arcabou\u00e7o” para a proibi\u00e7\u00e3o. Mas o documento de 17 p\u00e1ginas, que deve chegar ao Senado na pr\u00f3xima semana, \u00e9 escasso em detalhes. Caber\u00e1, ent\u00e3o, ao \u00f3rg\u00e3o regulador da internet do pa\u00eds \u2014 o eSafety Commissioner \u2014 definir como implementar e fazer cumprir as regras, que s\u00f3 v\u00e3o entrar em vigor pelo menos 12 meses ap\u00f3s a aprova\u00e7\u00e3o da legisla\u00e7\u00e3o. De acordo com o projeto de lei, a proibi\u00e7\u00e3o vai ser aplicada a todas as crian\u00e7as menores de 16 anos \u2014 e n\u00e3o haver\u00e1 qualquer isen\u00e7\u00e3o para usu\u00e1rios existentes ou com consentimento dos pais. As empresas de tecnologia v\u00e3o enfrentar penalidades de at\u00e9 50 milh\u00f5es de d\u00f3lares australianos (R$ 188 milh\u00f5es) se n\u00e3o cumprirem a regra, mas haver\u00e1 isen\u00e7\u00f5es para plataformas que sejam capazes de criar “servi\u00e7os de baixo risco” considerados adequados para crian\u00e7as. Os crit\u00e9rios para isso ainda n\u00e3o foram definidos. Os servi\u00e7os de mensagens e sites de jogos, no entanto, n\u00e3o v\u00e3o ser restritos, assim como alguns sites que podem ser acessados \u200b\u200bsem uma conta, como o YouTube, o que levantou quest\u00f5es sobre como os \u00f3rg\u00e3os reguladores v\u00e3o determinar o que \u00e9 ou n\u00e3o uma plataforma de rede social em um ambiente em constante evolu\u00e7\u00e3o. Um grupo que representa os interesses de empresas de tecnologia como Meta, Snapchat e X na Austr\u00e1lia rejeitou a proibi\u00e7\u00e3o, classificando-a como “uma resposta do s\u00e9culo 20 aos desafios do s\u00e9culo 21”. Uma legisla\u00e7\u00e3o deste tipo poderia levar as crian\u00e7as para “partes perigosas e n\u00e3o regulamentadas da internet”, afirma o Digital Industry Group Inc. O mesmo receio tamb\u00e9m foi manifestado por alguns especialistas. Anthony Albanese diz que a proibi\u00e7\u00e3o visa mostrar \u00e0s fam\u00edlias australianas que seu governo ‘as est\u00e1 protegendo’ \u2014 Foto: EPA via BBC Julie Inman Grant, \u00e0 frente do eSafety Commissioner, reconheceu a tarefa colossal que sua ag\u00eancia vai enfrentar ao aplicar a proibi\u00e7\u00e3o, visto que “a mudan\u00e7a tecnol\u00f3gica sempre vai ultrapassar a pol\u00edtica”. “Isso vai ser sempre fluido, e \u00e9 por isso que os \u00f3rg\u00e3os reguladores, como o eSafety, precisam ser \u00e1geis”, ela disse \u00e0 BBC Radio 5 Live. Mas Inman Grant tamb\u00e9m levantou preocupa\u00e7\u00f5es em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 ideia central por tr\u00e1s da pol\u00edtica do governo, que \u00e9 a de que existe uma rela\u00e7\u00e3o de causalidade entre as redes sociais e o decl\u00ednio da sa\u00fade mental. “Eu diria que a base de evid\u00eancias n\u00e3o est\u00e1 nada estabelecida”, ela afirmou, indicando uma pesquisa da sua pr\u00f3pria ag\u00eancia que constatou que alguns dos grupos mais vulner\u00e1veis, como adolescentes LGBTQ+ ou de povos origin\u00e1rios, “se sentem mais eles mesmos online do que no mundo real”. Este \u00e9 um sentimento compartilhado por Lucas Lane, de 15 anos, que administra um neg\u00f3cio online que vende esmaltes para meninos. “Esta [proibi\u00e7\u00e3o] destr\u00f3i\u2026 minhas amizades e a capacidade de fazer as pessoas se sentirem vistas”, disse o adolescente \u00e0 BBC. Inman Grant prefere ver as empresas de tecnologia despoluindo suas plataformas, assim como mais investimentos em ferramentas educativas para ajudar os jovens a se manterem seguros online. Ela usa a analogia de ensinar as crian\u00e7as a nadar, em vez de proibi-las de entrar na \u00e1gua. “N\u00e3o colocamos cercas no oceano… mas criamos ambientes para nata\u00e7\u00e3o protegidos, que oferecem medidas de seguran\u00e7a e ensinam li\u00e7\u00f5es importantes desde a mais tenra idade”, disse ela ao Parlamento no in\u00edcio deste ano. Julie Inman Grant, que lidera o \u00f3rg\u00e3o regulador da internet na Austr\u00e1lia, vai ser incumbida de descobrir como implementar a proibi\u00e7\u00e3o \u2014 Foto: Matthew Abbott via BBC Mas pais como Emma veem isso de forma diferente. “Dever\u00edamos realmente perder nosso tempo tentando ajudar as crian\u00e7as a navegar por sistemas dif\u00edceis quando as empresas de tecnologia s\u00f3 querem que elas usem esses sistemas o tempo todo?”, ela questiona. “Ou dever\u00edamos apenas permitir que elas sejam crian\u00e7as e aprendam a ser soci\u00e1veis \u200b\u200bumas com as outras ao ar livre, e come\u00e7ar essas discuss\u00f5es mais tarde?” Amy Friedlander, m\u00e3e de tr\u00eas filhos, do movimento Wait Mate \u2014 que incentiva os pais a adiarem a decis\u00e3o de dar smartphones aos filhos \u2014 concorda. “N\u00e3o podemos ignorar todos os aspectos positivos que a tecnologia trouxe para nossas vidas. H\u00e1 vantagens enormes, mas o que realmente n\u00e3o consideramos \u00e9 o impacto que est\u00e1 tendo nos c\u00e9rebros que n\u00e3o est\u00e3o preparados para isso.” ‘Um instrumento muito contundente’ Mais de 100 acad\u00eamicos australianos criticaram a proibi\u00e7\u00e3o como “um instrumento muito contundente” \u2014 e argumentaram que vai contra a orienta\u00e7\u00e3o da Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas (ONU), que pede aos governos que garantam que os jovens tenham “acesso seguro” aos ambientes digitais. A proposta tamb\u00e9m n\u00e3o conseguiu obter o apoio de uma comiss\u00e3o parlamentar bipartid\u00e1ria que tem analisado o impacto das redes sociais nos adolescentes. Em vez disso, a comiss\u00e3o recomendou que as gigantes da tecnologia enfrentem regulamenta\u00e7\u00f5es mais rigorosas. Para abordar algumas dessas preocupa\u00e7\u00f5es, o governo diz que vai acabar introduzindo leis de “dever de cuidado digital”, que v\u00e3o tornar uma obriga\u00e7\u00e3o legal para as empresas de tecnologia priorizar a seguran\u00e7a do usu\u00e1rio. Joanne Orlando, pesquisadora de comportamento digital, argumenta que embora uma proibi\u00e7\u00e3o “possa fazer parte de uma estrat\u00e9gia, ela n\u00e3o pode de forma alguma ser a estrat\u00e9gia completa”. Ela diz que “a maior pe\u00e7a do quebra-cabe\u00e7a” deveria ser educar as crian\u00e7as a pensar criticamente sobre o conte\u00fado que elas veem em seus feeds e como usam as redes sociais. O governo j\u00e1 gastou 6 milh\u00f5es de d\u00f3lares australianos (R$ 23 milh\u00f5es) desde 2022 para desenvolver “ferramentas de alfabetiza\u00e7\u00e3o digital” gratuitas para tentar fazer exatamente isso. No entanto, pesquisas sugerem que muitos jovens australianos n\u00e3o est\u00e3o tendo aulas regularmente. Orlando e outros especialistas alertam que tamb\u00e9m existem obst\u00e1culos significativos para tornar a tecnologia de verifica\u00e7\u00e3o de idade \u2014 necess\u00e1ria para fazer cumprir a proibi\u00e7\u00e3o \u2014 eficaz e segura, dados os “enormes riscos” associados ao potencial armazenamento online dos documentos de identifica\u00e7\u00e3o de todos os australianos. A proposta divide opini\u00f5es no pa\u00eds \u2014 Foto: Getty Images via BBC O governo disse que pretende resolver esse desafio por meio de testes para verifica\u00e7\u00e3o de idade, e espera apresentar um relat\u00f3rio em meados do pr\u00f3ximo ano. Prometeu ainda que as preocupa\u00e7\u00f5es com a privacidade v\u00e3o estar no centro das aten\u00e7\u00f5es, mas ofereceu poucos detalhes sobre que tipo de tecnologia vai ser realmente testada. Em sua orienta\u00e7\u00e3o, o eSafety Commissioner deu a ideia de usar um servi\u00e7o independente para tornar an\u00f4nima a identidade de um usu\u00e1rio antes que ela seja repassada a qualquer site de verifica\u00e7\u00e3o de idade, para “preservar” sua privacidade. Mas Orlando permanece c\u00e9tica. “N\u00e3o consigo pensar em nenhuma tecnologia que exista neste momento que possa fazer isso”, disse ela \u00e0 BBC. A Austr\u00e1lia n\u00e3o \u00e9, de forma alguma, o primeiro pa\u00eds a tentar restringir a forma como os jovens acessam determinados sites ou plataformas online. Em 2011, a Coreia do Sul aprovou uma lei que proibia crian\u00e7as menores de 16 anos de jogar games na internet entre 22h30 e 6h, mas as regras \u2014 que enfrentaram rea\u00e7\u00f5es adversas \u2014 foram posteriormente revogadas, citando a necessidade de “respeitar os direitos dos jovens”. Mais recentemente, a Fran\u00e7a introduziu uma legisla\u00e7\u00e3o que exige que as plataformas de redes sociais bloqueiem o acesso a crian\u00e7as menores de 15 anos sem o consentimento dos pais. Uma pesquisa indicou que quase metade dos usu\u00e1rios conseguiram burlar a proibi\u00e7\u00e3o usando uma VPN simples. Uma lei no Estado de Utah, nos EUA \u2014 que era semelhante \u00e0 da Austr\u00e1lia \u2014 se deparou com uma quest\u00e3o diferente: foi obstru\u00edda por um juiz federal que a considerou inconstitucional. “Todos n\u00f3s sabemos que a tecnologia avan\u00e7a rapidamente, e algumas pessoas v\u00e3o tentar encontrar formas de burlar estas novas leis, mas isso n\u00e3o \u00e9 motivo para ignorar a responsabilidade que temos”, disse ele aos legisladores. Para pais como Emma e Friedlander \u2014 que fizeram lobby pelas mudan\u00e7as \u2014, o mais importante \u00e9 a mensagem transmitida pela proibi\u00e7\u00e3o. “Durante muito tempo, os pais tiveram esta escolha imposs\u00edvel entre ceder e dar aos seus filhos um dispositivo viciante ou v\u00ea-los isolados e sentindo-se exclu\u00eddos socialmente”, observa Friedlander. “Ficamos presos a uma norma da qual ningu\u00e9m quer fazer parte.” James diz que desde que saiu do Snapchat, ele passou mais tempo fora de casa com os amigos. E ele espera que as novas leis possam permitir que mais crian\u00e7as como ele “saiam e fa\u00e7am as coisas que amam”, em vez de se sentirem pressionadas a estar conectadas online. <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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