A situa\u00e7\u00e3o foi destaque em uma das quest\u00f5es do ENEM, no \u00faltimo domingo (10). O enunciado trazia a seguinte quest\u00e3o: Esp\u00e9cie foi citada em quest\u00e3o do Enem 2024 por ‘tirar o sono’ de moradores de SP \u2014 Foto: Reprodu\u00e7\u00e3o \u201cMoradores do Brooklin, bairro de S\u00e3o Paulo, perdem o sono com um som alto, constante e estridente. O barulho \u00e9 causado por anf\u00edbios anuros trazidos do Caribe, da esp\u00e9cie Eleutherodactylus jahnstonei, que tem tamanho um pouco maior que o de um gr\u00e3o de feij\u00e3o e que encontraram na capital um ambiente favor\u00e1vel. Cientistas foram at\u00e9 o local e encontraram esses animais nos jardins das casas.\u201d O candidato, ent\u00e3o, deveria explicar qual \u00e9 o objetivo dos anf\u00edbios ao “emitirem o som estridente”. Mas como uma esp\u00e9cie de anf\u00edbio do Caribe veio parar no Brasil e virou um \u201cinc\u00f4modo\u201d? Introduzida no pa\u00eds pelo menos desde 1995, com o primeiro registro de vocaliza\u00e7\u00e3o na fonoteca da Unicamp feito nessa data, a r\u00e3zinha-assobiadora (Eleutherodactylus johnstonei) j\u00e1 se espalhou por diversos bairros de S\u00e3o Paulo, incluindo Brooklin, Jardim Cordeiro, Jardim Petr\u00f3polis e Alto da Boa Vista, ocupando uma \u00e1rea aproximada de 6 km\u00b2. Como toda esp\u00e9cie invasora, esse sapinho nativo da ilha de Montserrat, no Caribe, gera preocupa\u00e7\u00e3o devido aos potenciais impactos ambientais que pode causar na regi\u00e3o, j\u00e1 que, sem predadores naturais, a quantidade de indiv\u00edduos \u00e9 grande. Segundo Cinthia Aguirre Brasileiro, bi\u00f3loga e professora da Universidade Federal de S\u00e3o Paulo (Unifesp), ao identificar a esp\u00e9cie no Brasil, foi considerada a possibilidade de que sua introdu\u00e7\u00e3o tenha ocorrido por meio de plantas. Ela considera essa hip\u00f3tese plaus\u00edvel, j\u00e1 que existem relatos de introdu\u00e7\u00f5es semelhantes em outros pa\u00edses, como a Col\u00f4mbia. Por\u00e9m h\u00e1 relatos de moradores que vivem no bairro Brooklin h\u00e1 mais de cinco d\u00e9cadas que contam que uma ex-moradora trouxe alguns exemplares para o local ap\u00f3s retornar de uma viagem ao exterior. Eleutherodactylus johnstonei tem sido encontrado apenas em bairros residenciais e, nesses locais, n\u00e3o divide o ambiente com outras esp\u00e9cies nativas de anf\u00edbios. \u2014 Foto: ale2003 \/ iNaturalist Problemas na vizinhan\u00e7a \u201cA esp\u00e9cie foi identificada por pesquisadores em 2012, ap\u00f3s algumas reclama\u00e7\u00f5es registradas por moradores na Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de S\u00e3o Paulo, relatavam que as vocaliza\u00e7\u00f5es dos sapos causavam ins\u00f4nia e outros dist\u00farbios do sono\u201d, explica Cinthia. Al\u00e9m disso, em 2022, um estudo orientado pela especialista revelou que aproximadamente 50% dos moradores se sentem incomodados com os sapos, enquanto a outra metade n\u00e3o se importa com a presen\u00e7a deles, e alguns at\u00e9 relatam apreciar o canto, considerando-o relaxante. O artigo ainda n\u00e3o foi publicado. Impactos ecol\u00f3gicos At\u00e9 o momento, Eleutherodactylus johnstonei tem sido encontrado apenas em bairros residenciais e, nesses locais, n\u00e3o divide o ambiente com outras esp\u00e9cies nativas de anf\u00edbios. No entanto, de acordo com a bi\u00f3loga, caso venha a coexistir com esp\u00e9cies nativas no futuro, isso pode gerar alguns impactos, como a competi\u00e7\u00e3o por alimento e, principalmente, a competi\u00e7\u00e3o ou interfer\u00eancia no “espa\u00e7o ac\u00fastico”. Cinthia explica que para os anf\u00edbios, a vocaliza\u00e7\u00e3o \u00e9 espec\u00edfica de cada esp\u00e9cie. Isso significa que cada uma possui um canto pr\u00f3prio, e os indiv\u00edduos conseguem reconhecer seus pares pela caracter\u00edstica do canto (principalmente as frequ\u00eancias das notas). Esse sistema de comunica\u00e7\u00e3o \u00e9 fundamental para o encontro entre machos e f\u00eameas e, portanto, para a reprodu\u00e7\u00e3o. J\u00e1 quando uma esp\u00e9cie invasora, como E. johnstonei, se estabelece em um ambiente onde outras esp\u00e9cies nativas evolu\u00edram juntas por milhares de anos, seu canto pode ocupar a mesma faixa de frequ\u00eancia que uma esp\u00e9cie local j\u00e1 utiliza para se comunicar. \u201cEsse \u2018conflito de frequ\u00eancias\u2019 pode reduzir a efic\u00e1cia da comunica\u00e7\u00e3o entre os indiv\u00edduos da esp\u00e9cie nativa, dificultando ou at\u00e9 impedindo o acasalamento\u201d, aponta a bi\u00f3loga. Esp\u00e9cie Eleutherodactylus jahnstonei \u2014 Foto: Felipe Toledo Ainda segundo ela, estudos mostram que algumas esp\u00e9cies nativas alteram seus cantos na presen\u00e7a de invasores, como no caso da r\u00e3-touro, outra esp\u00e9cie invasora conhecida. Para E. johnstonei, foram realizados testes de interfer\u00eancia ac\u00fastica com duas esp\u00e9cies nativas, mas n\u00e3o foram observadas mudan\u00e7as nos cantos dessas esp\u00e9cies. Dessa forma, \u00e9 necess\u00e1rio ampliar esses testes para incluir outras esp\u00e9cies locais e entender melhor o impacto. \u201cPara monitorar a atividade de vocaliza\u00e7\u00e3o, em 2023 come\u00e7amos a utilizar gravadores aut\u00f4nomos em duas resid\u00eancias. Esses registros de vocaliza\u00e7\u00f5es nos permitir\u00e3o analisar como fatores meteorol\u00f3gicos, como temperatura, umidade e chuva, influenciam essa atividade e indicar se ela est\u00e1 aumentando, diminuindo ou se mant\u00e9m est\u00e1vel ao longo do tempo\u201d. Ela tamb\u00e9m conta que o objetivo \u00e9 manter esses gravadores operando por pelo menos cinco anos. Al\u00e9m disso, para acompanhar a distribui\u00e7\u00e3o dos indiv\u00edduos, realizaram um mapeamento detalhado das ocorr\u00eancias por resid\u00eancia em 2022, que planejam repetir em 2025 para verificar se houve expans\u00e3o ou redu\u00e7\u00e3o na \u00e1rea de distribui\u00e7\u00e3o. Outras informa\u00e7\u00f5es sobre a esp\u00e9cie s\u00e3o divulgadas em um perfil do Instagram, onde incentivam as pessoas a reportarem poss\u00edveis avistamentos. \u201cEssa iniciativa de ci\u00eancia cidad\u00e3 tem nos fornecido novos registros todos os anos\u201d. Conten\u00e7\u00e3o de impactos ecol\u00f3gicos \u201cAtualmente, n\u00e3o h\u00e1 medidas espec\u00edficas sendo aplicadas nas \u00e1reas onde essa esp\u00e9cie ocorre no Brasil. As a\u00e7\u00f5es mais importantes devem focar na preven\u00e7\u00e3o da expans\u00e3o de sua distribui\u00e7\u00e3o, especialmente para evitar que ela alcance \u00e1reas naturais\u201d. Cinthia comenta que para isso, \u00e9 essencial inspecionar plantas retiradas de resid\u00eancias onde a esp\u00e9cie est\u00e1 presente, seja por trocas de vasos ou descarte de restos de plantas ap\u00f3s podas e jardinagem. Esse material, ao ser transportado, pode facilitar a dissemina\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie, portanto, um controle rigoroso pode ajudar a conter sua expans\u00e3o. Assim, \u00e9 essencial que os moradores estejam cientes e informados sobre os potenciais impactos da expans\u00e3o da r\u00e3-assobiadora. De acordo com a especialista, \u00e9 poss\u00edvel que gamb\u00e1s e at\u00e9 gatos dom\u00e9sticos possam se alimentar desses indiv\u00edduos. Como toda esp\u00e9cie invasora, esse sapinho gera preocupa\u00e7\u00e3o devido aos potenciais impactos ambientais que pode causar na regi\u00e3o \u2014 Foto: pei-ott \/ iNaturalist A esp\u00e9cie Cinthia afirma que Eleutherodactylus johnstonei possui v\u00e1rias caracter\u00edsticas que contribuem para seu sucesso como esp\u00e9cie invasora. Desenvolvimento direto: E. johnstonei n\u00e3o possui uma fase larval aqu\u00e1tica (girinos), pois dos seus ovos eclodem diretamente em pequenos indiv\u00edduos terrestres. Isso significa que n\u00e3o h\u00e1 depend\u00eancia de corpos d\u2019\u00e1gua, como lagos, po\u00e7as ou riachos para se reproduzir, o que facilita sua coloniza\u00e7\u00e3o em ambientes sem corpos d\u2019\u00e1gua. Essa caracter\u00edstica permite sua ocorr\u00eancia at\u00e9 mesmo em \u00e1reas urbanas, incluindo jardins e quintais residenciais, como o que ocorre no Brasil. Dieta generalista: os indiv\u00edduos se alimentam de uma ampla variedade de invertebrados, principalmente por formigas, caramujos e tatus-de-jardim, presas comumente encontradas em \u00e1reas residenciais. Essa dieta variada possibilita a ocorr\u00eancia em diferentes ambientes e a explora\u00e7\u00e3o dos recursos alimentares locais. Alta toler\u00e2ncia \u00e0 varia\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas: a esp\u00e9cie apresenta uma ampla toler\u00e2ncia t\u00e9rmica, o que facilita sua sobreviv\u00eancia em diversos tipos de clima, permitindo sua expans\u00e3o em novos territ\u00f3rios. Dispers\u00e3o facilitada por atividades humanas: a esp\u00e9cie \u00e9 frequentemente transportada de forma acidental, especialmente atrav\u00e9s do com\u00e9rcio de plantas ornamentais, o que favorece sua introdu\u00e7\u00e3o em \u00e1reas distantes e acelera sua dispers\u00e3o. Embora no Brasil n\u00e3o existam evid\u00eancias concretas dessa forma de introdu\u00e7\u00e3o, ela \u00e9 uma possibilidade conhecida para outras regi\u00f5es. V\u00cdDEOS: Destaques Terra da Gente <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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