The New York Times Quando a primeira temporada da s\u00e9rie “Bridgerton”, da Netflix, estreou no Dia de Natal, Amanda Vickery estava em casa com suas tr\u00eas filhas e assistiu a todos os epis\u00f3dios. Isso foi em 2020, no meio do lockdown da Inglaterra, e Vickery lembra de pensar: “Que bom que existe essa fuga”. Que Vickery pudesse se perder dessa forma \u00e9 um elogio especial a “Bridgerton”, uma fantasia enfeitada adaptada dos romances de \u00e9poca de Julia Quinn. Vickery, professora na Queen Mary, Universidade de Londres, \u00e9 historiadora. E “Bridgerton”, uma s\u00e9rie na qual mulheres empoderadas desmaiam ao som de vers\u00f5es orquestradas de Ariana Grande, adota uma abordagem bastante liberal em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 hist\u00f3ria. Assistindo em casa, Vickery n\u00e3o imaginava que um dia trabalharia em “Bridgerton”, mas para esta terceira temporada, cuja segunda parte chegou estreou recentemente, ela atuou como consultora hist\u00f3rica, sucedendo sua amiga e colega, Hannah Greig, professora em\u00e9rita na Royal Holloway, Universidade de Londres. Uma s\u00e9rie que reaproveita “Yellow” do Coldplay como marcha de casamento realmente precisa de historiadores? Sim. V\u00e1rios. “Estamos cientes de que ‘Bridgerton’ n\u00e3o busca precis\u00e3o documental”, disse Vickery durante uma chamada de v\u00eddeo recente, com Greig em uma janela adjacente. “\u00c9 uma fantasia, mas \u00e9 uma fantasia fundamentada em um entendimento do per\u00edodo.” Seu papel, como ela v\u00ea, \u00e9 apontar poss\u00edveis anacronismos e deixar que os roteiristas e diretores decidam a partir da\u00ed. Greig teve uma formula\u00e7\u00e3o ligeiramente diferente. “Voc\u00ea \u00e9 a nerd de plant\u00e3o, a enciclop\u00e9dia ambulante”, disse ela. Mas ela e Vickery compartilham uma esp\u00e9cie de lema: o show faz escolhas, n\u00e3o erros. “Quando eles se afastam da hist\u00f3ria de forma absoluta, \u00e9 feito de forma consciente e por um motivo”, disse Vickery. “\u00c9 intencional.” O per\u00edodo da Reg\u00eancia \u00e9 geralmente entendido como abrangendo os anos do final do s\u00e9culo 18 at\u00e9 a ascens\u00e3o da rainha Vit\u00f3ria em 1837, um per\u00edodo concomitante com o trabalho de Jane Austen e um cen\u00e1rio popular para romances. Embora os roteiristas de “Bridgerton” tenham um conhecimento geral dos modos e costumes do per\u00edodo, h\u00e1 um assistente na sala dos roteiristas encarregado de pesquisar perguntas (do tipo: sim, havia bal\u00f5es de ar quente nesse per\u00edodo) e oferecer curiosidades hist\u00f3ricas. H\u00e1 tamb\u00e9m um consultor de di\u00e1logo, John Mullan, outro professor da University College London. Mullan revisa cada roteiro e faz sugest\u00f5es, ajudando, como disse a showrunner da 3\u00aa temporada, Jess Brownell, a “regencializar” o discurso. Brownell aceita quase todas as suas observa\u00e7\u00f5es, exceto quando seria necess\u00e1rio usar 10 palavras da Reg\u00eancia para substituir uma moderna. “Nesse caso”, ela disse, “simplesmente n\u00e3o vale a pena”. Greig e Vickery tamb\u00e9m revisam os roteiros antecipadamente. \u00c0s vezes, s\u00e3o solicitadas a consultar sobre quest\u00f5es maiores, como: qual era o status social de uma vi\u00fava nesse per\u00edodo? O objetivo, disse Vickery, n\u00e3o \u00e9 ser “uma professora, repreendendo-os”, mas sim fornecer \u00e0 equipe criativa as informa\u00e7\u00f5es necess\u00e1rias e oferecer sugest\u00f5es que possam livr\u00e1-los de um buraco no enredo. \u00c9 claro que alguns anacronismos s\u00e3o deliberados. Nesta Reg\u00eancia, \u00e9 primavera para sempre e raramente chove. Como “Bridgerton” \u00e9 uma fantasia progressista, permite \u00e0s mulheres uma autonomia significativa e inclui pessoas de cor nos mais altos escal\u00f5es da sociedade inglesa. “\u00c9 uma forma de equilibrar as coisas pela quantidade de apagamento que houve de pessoas de cor na \u00e9poca da Reg\u00eancia na televis\u00e3o e no cinema”, disse Brownell. Notavelmente, “Bridgerton” escalou Golda Rosheuvel, uma atriz birracial, como rainha Charlotte. Embora pelo menos um historiador tenha proposto a verdadeira eainha Charlotte como multirracial, essa teoria encontrou pouca aceita\u00e7\u00e3o. Na \u00e9poca da rainha, Vickery observou, Charlotte era percebida como muito alem\u00e3 e muito entediante. “Felizmente, esta rainha Charlotte \u00e9 muito mais emocionante”, disse Vickery. T\u00e3o emocionante que inspirou uma s\u00e9rie derivada, “Queen Charlotte”, que se afasta mais entusiasticamente do registro hist\u00f3rico. De outra forma, e excetuando algumas omiss\u00f5es pontuais, “Bridgerton” adere em grande parte \u00e0 hist\u00f3ria. Os bailes eram realmente t\u00e3o extravagantes, e o sexo era potencialmente t\u00e3o intenso (as fontes para isso: a encantadora literatura er\u00f3tica do s\u00e9culo 18). At\u00e9 a peruca de cisne da rainha Charlotte tem um precedente. Ainda assim, existem dezenas de f\u00f3runs online dedicados \u00e0s maneiras pelas quais “Bridgerton” se afasta da verdadeira Reg\u00eancia \u2014os penteados, as modas, o fumo. E h\u00e1 argumentos online mais substanciais, discuss\u00f5es sobre o que significa diversificar a aristocracia retrospectivamente sem considerar o racismo e o colonialismo do mundo real da \u00e9poca. A s\u00e9rie tamb\u00e9m ignora as mudan\u00e7as pol\u00edticas ocorrendo em outros lugares (as Guerras Napole\u00f4nicas mal s\u00e3o mencionadas) e as mudan\u00e7as provocadas pela Revolu\u00e7\u00e3o Industrial em casa. “Isso seria um show muito, muito diferente”, disse Vickery. “Isso simplesmente n\u00e3o \u00e9 o que ‘Bridgerton’ est\u00e1 tentando fazer. \u00c9 realmente sobre o prazer feminino. Provavelmente ‘Bridgerton’ pensa mais sobre o prazer feminino do que muitos homens aristocr\u00e1ticos fizeram.” Vickery e Greig dizem que, como espectadoras, nunca experimentam o desconforto de um anacronismo aparente. Principalmente porque sabem o que esperar. E acreditam que anacronismos deliberados podem gerar conversas produtivas entre historiadores e leigos. “Agora nos perguntam muito mais sobre qual \u00e9 a verdadeira hist\u00f3ria da ra\u00e7a, qual \u00e9 a verdadeira hist\u00f3ria de um relacionamento entre a Inglaterra e a \u00c1sia do Sul”, disse Greig. “Isso realmente abre a conversa de uma maneira que outros dramas de \u00e9poca talvez n\u00e3o fa\u00e7am.” Vickery disse que colaborar no show enriqueceu seu trabalho como historiadora. As perguntas sobre moda e etiqueta que os roteiristas fazem muitas vezes envolvem quest\u00f5es de poder, reputa\u00e7\u00e3o e risco. E ela descreveu suas visitas ao set em termos v\u00edvidos. “\u00c9 impressionante”, disse Vickery. “\u00c9 como ver um ex\u00e9rcito no campo. Mas ent\u00e3o \u00e9 perguntado se voc\u00ea tem alguma observa\u00e7\u00e3o.” Muitas vezes ela tem, e muitas vezes essas observa\u00e7\u00f5es s\u00e3o ent\u00e3o incorporadas, um presente para qualquer acad\u00eamico. “‘Bridgerton’ \u00e9 uma alegria absoluta”, disse Greig. “\u00c9 uma fic\u00e7\u00e3o. \u00c9 uma fantasia. \u00c9 uma maneira de nos fazer pensar de forma diferente sobre o passado, e essa \u00e9 uma de suas grandes alegrias.” <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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