Sin\u00f4nimo de segunda-feira, h\u00e1 um ano o virado \u00e0 paulista se tornava patrim\u00f4nio cultural imaterial do estado de S\u00e3o Paulo.\u00a0A honraria para esta tradi\u00e7\u00e3o gastron\u00f4mica n\u00e3o \u00e9 exagerada. Os primeiros registros sobre o prato datam de 1602. Os documentos contam que os bandeirantes, durante suas expedi\u00e7\u00f5es, levavam feij\u00e3o cozido, toucinho e farinha de milho nos alforjes. Com as andan\u00e7as, os alimentos ficavam virados e revirados. Da\u00ed a origem do nome. Com o tempo, o virado ainda recebeu influ\u00eancia da culin\u00e1ria ind\u00edgena e africana. S\u00e9culos se passaram at\u00e9 chegar \u00e0 receita tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrim\u00f4nio Hist\u00f3rico, Arqueol\u00f3gico, Art\u00edstico e Tur\u00edstico do Estado de S\u00e3o Paulo), que leva bisteca, ovo, banana, arroz, couve, lingui\u00e7a, torresmo e tutu. Para celebrar este prato, fui \u00e0 Mooca, um bairro tamb\u00e9m recheado de hist\u00f3ria. Mais exatamente na esquina das ruas Guaimb\u00e9 e Madre de Deus, onde fica o Bar do Vardem\u00e1. Pois, \u00e9 das m\u00e3os do potiguar Valdemar Ferreira Filho, 55, que sai um dos melhores virados \u00e0 paulista de S\u00e3o Paulo. A iguaria \u00e9 t\u00e3o prestigiada, que a clientela local pediu para que Vardem\u00e1 preparasse o prato todos os dias, e n\u00e3o apenas na segunda-feira, como reza a tradi\u00e7\u00e3o paulista.\u00a0A receita de Vardem\u00e1 tem pequenas sutilezas, que deixam o seu virado com sabor \u00fanico. A come\u00e7ar pela bisteca. Diferentemente de outros restaurantes, ela n\u00e3o \u00e9 frita, mas assada. A t\u00e9cnica garante um sabor tenro e a deixa muito macia. No tutu tamb\u00e9m tem um pulo do gato: o cozinheiro prepara uma farofinha com pedacinhos de lingui\u00e7a e torresmo, e s\u00f3 depois a mistura ao feij\u00e3o. Al\u00e9m da banana, ovo estrelado, lingui\u00e7a, couve, torresmo e arroz, a receita da casa acrescenta mandioca frita. Vale mencionar que a couve \u00e9 refogada na hora, assim como o torresmo, que explode de croc\u00e2ncia. Apesar de estabelecido h\u00e1 20 anos na rua Guaimb\u00e9, o Bar do Vardem\u00e1 tem o esp\u00edrito atual do bairro. Valdemar chegou a\u00a0S\u00e3o Paulo em 1986, aos 22 anos. Foi metal\u00fargico antes de trabalhar como copa em dois cl\u00e1ssicos do bairro: Bar do El\u00eddio e Cervejaria do Alem\u00e3o. “A experi\u00eancia nessas casas me motivou a montar o meu pr\u00f3prio neg\u00f3cio\u201d, conta. Ele participou da evolu\u00e7\u00e3o do bairro. \u201cQuando cheguei aqui, a rua s\u00f3 tinha um bar e tr\u00eas farm\u00e1cias\u201d, revela Vardem\u00e1. As antigas f\u00e1bricas da Mooca fecharam. Deram lugar a grandes empreendimentos imobili\u00e1rios. A oferta de com\u00e9rcio e servi\u00e7os se revitalizou. Felizmente, parte da arquitetura e iconografia do bairro foi preservada, como o centen\u00e1rio Cotonif\u00edcio Crespi, transformado em supermercado, mas com a estrutura original preservada. A vers\u00e3o do virado \u00e0 paulista de Vardem\u00e1 \u00e9 uma tradu\u00e7\u00e3o do que \u00e9 a Mooca hoje. Mescla tradi\u00e7\u00e3o e modernidade. Ainda nos mostra que um patrim\u00f4nio \u00e9 realmente imaterial quando ele sabe se virar e manter viva e jovem a hist\u00f3ria. Bom de Garfo Otavio Valle, 48, \u00e9 formado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e p\u00f3s-graduado em fotografia pelo Senac, mas a vida de jornalista o fez especialista em “botecologia”, pela universidade “Bares da Vida”. <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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