Noite gelada. Term\u00f4metros apontam 8\u00b0C\u00a0nas ruas da Quarta Parada, zona leste de S\u00e3o Paulo. Sob um vento frio e cortante, deslizo cuidadosamente a porta de vidro. Entro r\u00e1pido. Uma vez dentro da Pizzaria Ideal, o clima \u00e9 totalmente diferente. Quentinho. Aconchegante. Um aroma gostoso se espalha no sagu\u00e3o de entrada.\u00a0 Com a chapa fumegante, um cozinheiro prepara para algum felizardo o \u201cchurrasquito\u201d (R$ 18), o sandu\u00edche cl\u00e1ssico da casa. O movimento no balc\u00e3o \u00e9 fren\u00e9tico. Clientes se servem de fatias de pizza, que chegam \u00e0 estufa num ritmo quase industrial.\u00a0 Atr\u00e1s do balc\u00e3o est\u00e3o os dois sal\u00f5es da casa. Nas paredes, quadros com fotos de visitas de celebridades d\u00e3o o tom da decora\u00e7\u00e3o. S\u00e3o dezenas de mesas de madeira. \u00a0O movimento \u00e9 intenso. Confort\u00e1veis cadeiras acolchoadas recebem fam\u00edlias, grupos de amigos e casais. \u00c9 impressionante a quantidade de pessoas. Mais impressionante ainda \u00e9 que grande parte delas parece se conhecer.\u00a0 Os gar\u00e7ons s\u00e3o um cap\u00edtulo \u00e0 parte. Todos velhos de casa. Um deles \u00e9 Jos\u00e9 Gonzaga, o Zezinho. O piauiense de S\u00e3o Raimundo Nonato conta, com orgulho, que come\u00e7ou a trabalhar na Ideal aos 24, seu segundo registro em carteira.\u00a0Hoje, casado e com os filhos criados, completa 27 anos no local. Enquanto tomo fotos do Zezinho, um grupo de clientes pratica verdadeiro bullying contra o gar\u00e7om: \u201cvai Cabel\u00f4\u00f4\u00f4\u201d, \u201csorri uma vez para a c\u00e2mera, Cabelinho!\u201d\u00a0 Ao mesmo tempo, em outra mesa, um gar\u00e7om participa efusivamente da cantoria de parab\u00e9ns com uma fam\u00edlia e acende at\u00e9 a vela do bolo.\u00a0\u00c9 nesse clima que discorre a noite. Numa outra mesa, dois homens na casa dos sessenta se reencontram ap\u00f3s anos. Emo\u00e7\u00e3o pura. Rememoram os tempos do gin\u00e1sio. Vem \u00e0 tona uma ocasi\u00e3o, quando quebraram uma vidra\u00e7a da biblioteca do col\u00e9gio, e foram parar na delegacia. Recordam das partidas de futebol nos campinhos da zona leste. Ainda puxam pela mem\u00f3ria os dias em que faziam trabalhos da escola ouvindo discos de Ant\u00f4nio Carlos & Jocafi. A pizza da casa \u00e9 cl\u00e1ssica. Bem paulistana. Massa fina e recheio farto. S\u00e3o mais de 60 tipos, mas nenhum atingido pela chat\u00e9rrima \u201cgourmetiza\u00e7\u00e3o\u201d que assola restaurantes da cidade.\u00a0 A mais vendida \u00e9 a de mu\u00e7arela (R$ 56), seguida pela de calabresa (R$ 66). Ali\u00e1s, os fornecedores destes produtos atendem a Ideal h\u00e1 mais de 30 anos. \u201cA calabresa \u00e9 feita especialmente para a gente. A receita exclusiva \u00e9 um segredo at\u00e9 para n\u00f3s\u201d, brinca Roberto Vilisic, um dos administradores da casa.\u00a0 Al\u00e9m das famosas pizzas, que ultrapassam a marca de mil unidades por semana, a cozinha produz pratos \u00e0 la carte, como o fil\u00e9 \u00e0 parmegiana (R$ 128), que serve tr\u00eas pessoas. Faz sucesso na casa o\u00a0sensacional bolinho de camar\u00e3o (R$ 8). Um camar\u00e3o pistola de tamanho generoso \u00e9 envolto numa massa temperada como um pir\u00e3o. Bem fritinho, o bolinho \u00e9 perfeito para acompanhar o chopp escuro (R$ 8,50), que \u00e9 tirado a perfei\u00e7\u00e3o. A casa fica aberta at\u00e9 tarde. \u201cVirou tradi\u00e7\u00e3o aparecerem\u00a0turmas que chegam da balada, ou aquelas que ainda v\u00e3o sair\u201d, conta Roberto. Tamb\u00e9m \u00e9 comum ver a pizzaria lotar nas madrugadas ap\u00f3s os jogos do Corinthians. A proximidade da arena leva \u00e0 casa torcedores que v\u00e3o comemorar a vit\u00f3ria corintiana ou dissecar a derrota com uma boa pizza. A Ideal funciona na regi\u00e3o do Belenzinho desde 1949. V\u00e1rios donos tocaram o local nesse tempo, mas o portugu\u00eas Martinho Carvalho est\u00e1 no comando h\u00e1 35 anos. Martinho, morador da regi\u00e3o, conquistou n\u00e3o s\u00f3 o est\u00f4mago, mas o cora\u00e7\u00e3o dos paulistanos.\u00a0 Bom de Garfo Otavio Valle, 48, \u00e9 formado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e p\u00f3s-graduado em fotografia pelo Senac, mas a vida de jornalista o fez especialista em “botecologia”, pela universidade “Bares da Vida”. <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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