Qual amante de botequim um dia n\u00e3o pensou em ter um boteco s\u00f3 para chamar de seu? Aquela casa ideal, rodeada de amigos, com os petiscos preferidos e a bebida do jeito que voc\u00ea gosta? Dez entre dez bo\u00eamios j\u00e1 idealizaram isso alguma vez na vida. Atire o primeiro copo aquele botequeiro que nunca fez planos de montar o bar dos sonhos com a bufunfa virtualmente ganha na Mega-Sena da Virada! N\u00e3o foi diferente para o corretor de seguros Vagner Pereira de Ara\u00fajo. H\u00e1 oito anos, o bar que ele gostava de frequentar ficou \u00e0 venda. Em 2011, o Espa\u00e7o Pau Brasil, no cora\u00e7\u00e3o do Jardim S\u00e3o Paulo, n\u00e3o se encontrava l\u00e1 muito bem das pernas. Contudo, Vagner conhecia o boteco como ningu\u00e9m. Sabia que al\u00e9m de um lugar agrad\u00e1vel, a casa tinha algumas p\u00e9rolas no card\u00e1pio. O corretor n\u00e3o pensou duas vezes e arrematou o estabelecimento.\u00a0Dono de uma corretora, Ara\u00fajo aproveitou seus conhecimentos adquiridos na vida empresarial e os aplicou na administra\u00e7\u00e3o do bar. Por\u00e9m, na ponta do l\u00e1pis, o que prevaleceu mesmo na reconstru\u00e7\u00e3o da casa foi a sua vis\u00e3o de cliente. \u201cReorganizei toda a estrutura do bar, coloquei as contas em ordem e troquei todo o pessoal\u201d, conta Vagner. Mas, curiosamente, da equipe original Ara\u00fajo manteve apenas o cozinheiro. A motiva\u00e7\u00e3o era bem clara: o frango atropelado recheado. A iguaria original da casa era um dos maiores motivos de o corretor frequentar o espa\u00e7o: \u201cPosso dizer que s\u00f3 comprei o bar por causa do frango atropelado\u201d, confidencia, soltando uma boa risada. UM POUCO DE HIST\u00d3RIA O Vagner \u00e9 assim, sujeito boa pra\u00e7a. Sempre distribuindo sorriso sincero. E a casa tem sua cara: um lugar tranquilo e amig\u00e1vel. At\u00e9 a geografia dali corrobora. Encravado entre duas pequenas \u201cvilinhas\u201d, na pacata rua Pedro Cacunda, o bar \u00e9 protegido por um pequeno bosque.\u00a0 No local, at\u00e9 meados dos anos 1960, funcionava a esta\u00e7\u00e3o Vila Pauliceia, antiga parada da linha de trem da Cantareira. Aquela mesma estrada de ferro onde passava o \u201ctrem das onze\u201d, do genial Adoniran Barbosa. Da Pauliceia, a composi\u00e7\u00e3o trilhava por Parada Inglesa, Tucuruvi e Vila Mazzei at\u00e9 chegar ao Ja\u00e7an\u00e3. Durante a entrevista, somos gentilmente interrompidos pela dona Concei\u00e7\u00e3o Arantes. Com seus delicados cabelos alvos, a septuagen\u00e1ria vizinha caminha at\u00e9 o bar apenas para abra\u00e7ar o dono do botequim. \u201cGosto do Vagner como fosse meu filho. Ele \u00e9 muito atencioso com a gente. Ele deixa aqui tudo muito tranquilo, at\u00e9 em dia de jogo\u201d, conta a vizinha com olhar carinhoso. \u2018C… DO POSTO\u2019 Sossego, comida boa e cerveja gelada. Nem parece que se est\u00e1 entre duas agitadas esta\u00e7\u00f5es de metr\u00f4. O bar fica aos fundos de um grande posto de combust\u00edveis e servi\u00e7os na avenida Luiz Dumont Villares. Por isso, ganhou dos fregueses o \u201ccarinhoso\u201d apelido de \u201cC… do posto\u201d. Nenhum cliente velho de casa conhece o \u201cEspa\u00e7o \u00a0Pau Brasil\u201d, \u00e9 \u201cC… do posto\u201d mesmo. O turpil\u00f3quio tamb\u00e9m d\u00e1 nome a uma entrada que \u00e9 servida gratuitamente aos clientes. Uma por\u00e7\u00e3o de cenouras e pepinos frescos, cuidadosamente cortados em bastonetes, \u00e9 disposta numa salmoura dentro de um copo americano. Esse mimo, al\u00e9m de saud\u00e1vel, abre a sede de qualquer cidad\u00e3o de bem. Enquanto preparo os flashes para fotografar o \u201cfrango atropelado\u201d, mais um vizinho aparece. \u00c9 o seu Laerte Sanches. Aos 90 anos, de sa\u00fade invej\u00e1vel, o descendente de espanh\u00f3is e italianos me conta que mora na regi\u00e3o desde 1949. Mudou-se para Vila Pauliceia quando a zona norte da cidade ainda tinha contornos quase rurais. Foi trabalhar numa grande f\u00e1brica de autope\u00e7as, que escoava sua produ\u00e7\u00e3o pelo trilhos da Estrada de Ferro Cantareira.\u00a0 Laerte \u00e9 um po\u00e7o de hist\u00f3ria. Relata que no pr\u00e9dio onde hoje est\u00e1 o botequim j\u00e1 funcionaram f\u00e1brica de prensa, armaz\u00e9m e at\u00e9 padaria. Mec\u00e2nico desde jovem, trabalhou em carros de competi\u00e7\u00e3o ainda num embrion\u00e1rio aut\u00f3dromo de Interlagos. A turma do bar me conta, com orgulho, que at\u00e9 hoje seu Laerte \u00e9 um mec\u00e2nico de m\u00e3o cheia, capaz de ajustar o ponto de um motor apenas com seu ouvido apurado. Hist\u00f3rias \u00e0 parte, n\u00e3o d\u00e1 para sair do bar sem provar o inigual\u00e1vel frango atropelado recheado. Preparado em algumas vers\u00f5es e tamanhos, o frango \u00e9 totalmente desossado. Onde antes havia ossos e cartilagem segue um farto recheio de queijos, br\u00f3colis e calabresa. A iguaria \u00e9 preparada na chapa at\u00e9 ficar bem passada. Servida no rechaud, \u00e9 acompanhada de uma mandioca macia e bem amarelinha. Farofinha e vinagrete tamb\u00e9m completam o prato. A vers\u00e3o completa serve de 3 a 4 pessoas e custa R$ 89. Outro destaque da casa \u00e9 a caipirinha de jabuticaba. Suave e saborosa. Minha vers\u00e3o preferida \u00e9 com cacha\u00e7a (R$ 19), mas tamb\u00e9m fazem com vodca ou saqu\u00ea. Vagner compra a fruta de pequenos produtores durante a temporada de safra e congela jabuticaba suficiente para oferecer a caipirinha ao longo do ano. O bar \u00e9 um sucesso entre os moradores da zona norte de S\u00e3o Paulo. Al\u00e9m do famoso frango, feijoada, torresmo, caldinhos e por\u00e7\u00f5es generosas fazem a cabe\u00e7a do p\u00fablico. O t\u00e9cnico de inform\u00e1tica Leandro Risegato conheceu a casa atrav\u00e9s da m\u00e3e. \u201cMinha m\u00e3e leu sobre o frango atropelado no Facebook e me trouxe aqui pela primeira vez\u201d, conta ele, que desde 2011 \u00e9 cliente fiel da casa. Assim como grande parte dos clientes que lotavam a casa durante minha visita, Leandro se tornou amigo do Vagner. J\u00e1 \u00e9 tradi\u00e7\u00e3o no Jardim S\u00e3o Paulo juntar os amigos e passar um bom tempo l\u00e1 no \u201cC… do posto\u201d.\u00a0 Bom de Garfo Otavio Valle, 48, \u00e9 formado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) e p\u00f3s-graduado em fotografia pelo Senac, mas a vida de jornalista o fez especialista em “botecologia”, pela universidade “Bares da Vida”. <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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