Em entrevista ao g1, David contou que não vê a família há 9 anos, desde que migrou para o Brasil no início do colapso socioeconômico da Venezuela. Em Pacaraima, ele trabalha limpando quintais e como ajudante de pedreiro – realidade de muitos outros migrantes. “Infelizmente não consegui atualizar meu título de eleitor. Fui até Santa Elena [cidade venezuelana na fronteira com o Brasil] e falaram que eu tinha que ir até Las Claritas, que é muito longe, uns 300 quilômetros, e eu não tenho condições de ir”, lamentou. No Brasil, o único lugar em que os venezuelanos poderiam votar à distância seria a embaixada da Venezuela, no Distrito Federal, contudo, é uma viagem inviável para a maioria dos migrantes. David é de Azoatangui, estado venezuelano localizado na outra extremidade do país, onde deixou a filha, a mãe e o pai. Sem esconder a saudade que sente de casa, ele se mantém no Brasil com o dinheiro que ganha em Pacaraima, e ainda manda dinheiro a família ter o que comer na Venezuela. “Queria votar, queria muito, mas não vou. Votar seria a chance de mudança, chance de voltar pra minha casa, pro meu país. Não quero mais ser migrante, não quero mais ter que passar necessidade em outro país, não quero mais fome. Eu quero ir pro meu país! Votar seria a chance que temos mudar isso, e eu não vou conseguir por não ter condições financeiras de ir renovar meus documentos”, desabafou David ao g1. Fronteira do Brasil com a Venezuela no dia 27 de julho de 2024, véspera da eleição presidencia — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR Desconfiança da lisura da eleição Ao contrário de David, o professor venezuelano Yan Cartalla, 49 anos, não acredita na lisura da eleição sob o comando de Nicolás Maduro. O pleito também é visto sob desconfiança da comunidade internacional, cujo receio é que o governo tente interferir nos resultados. “Não vou votar pois não acredito nas eleições e no processo eleitoral. Para mim, as eleições na Venezuela são viciadas. Eu até gostaria de votar, de escolher alguém para governar meu país, mas com outro ambiente, outra segurança, com mais confiança”, disse Yan ao g1. O professor chegou a Pacaraima na quarta-feira (24), quatro dias antes da data em que os venezuelanos vão às urnas escolher entre Nicolás Maduro e o seu opositor, Edmundo González. A viagem é para tentar encontrar um irmão que vive em Santa Catarina, no Sul do Brasil. “Minha família está em Miranda, na Venezuela. Quero trabalhar aqui e enviar o dinheiro para eles até me estabelecer, então eu trago eles para viver comigo. Ou volto pra Venezuela, seria uma maravilha, mas a situação precisa mudar”, pontuou. Migrantes na fila de atendimento da operação Acolhida, em Pacaraima — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR É assim que migrantes venezuelanos têm encarado a eleição no país natal: medo, receio e esperança. Pelas ruas de Pacaraima, o movimento tranquilo neste sábado (27), véspera do pleito, não escondia a preocupação de quem não sabe que futuro a Venezuela pode ter. ‘Eu sinto medo’ A jovem migrante Zulanny Maureira, de 26 anos, migrou para o Brasil há um mês com a filha de 4 anos. Vivendo em Pacaraima, ela deixou para trás a família, com quem se preocupa diariamente, especialmente com o resultado das urnas. Migrante Zulanny Maureira, de 26 anos, vive há um mês no Brasil — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR Natural da cidade de Upata, ela vende arepas — prato típico venezuelano — nas ruas de Pacaraima. “Até penso em voltar, mas a crise financeira é muito séria. Dependendo do resultados, até posso voltar pra lá”. Aqui é mais seguro. Tenho medo de ter alguma guerra. Aqui estamos mais protegidos. Se tiver alguma guerra, não vai importar o posicionamento político, vai ser ruim para todos no país”, disse. Situação também preocupa brasileiros na fronteira A incerteza política na Venezuela também preocupa brasileiros que vivem em Pacaraima. O pedreiro Luiz Gomes Dias, de 68 anos, é brasileiro e vive em Pacaraima há 23 anos. Ele já presenciou confusões generalizadas envolvendo brasileiros e venezuelanos, por isso tem medo que o resultados das eleições desencadeie novos conflitos. “Vou fazer compra hoje, porque amanhã é a eleição na Venezuela e aí pode ser perigoso. Pode ser que tenha confronto, briga, ter algum embalo nesse estilo”, disse. Pedreiro Luiz Gomes Dias, de 68 anos, é brasileiro e mora em Pacarama, na fronteira com a Venezuela — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR Já o motorista Magnaldo Oliveira, de 56 anos, disse que sentiu no bolso o impacto do fechamento da fronteira pelo lado da Venezuela em razão da eleição. Ele trabalha levando e trazendo pessoas de Pacaraima para Santa Elena. Com o fechamento da fronteira entre os países, viu o movimento cair. “Nos últimos dias o movimento estava mais ou menos, dava para trabalhar. Mas devido ao fechamento da fronteira caiu bastante. Caiu mais ou menos 80%, 90%. Porque você não pode nem ir e nem vir, isso atrapalha o nosso trabalho”, avaliou. A fronteira está fechada desde essa sexta-feira (26) e só vai reabrir na segunda (29). Vigiada por militares e carros oficiais venezuelanos, cones bloqueiam a passagem de carros e motos no ponto onde as bandeiras brasileiras e venezuelanas dividem espaço. ℹ️ No posto de triagem da operação Acolhida, que atende os migrantes que chegam ao Brasil, o trabalho também segue normal. Na unidade é ofertado o serviço de vacina e regularização de documentos migratórios. Atualmente, o fluxo diário de entrada pela fronteira é de cerca de 400 pessoas. São ao menos 12 mil migrantes por mês. A estimativa é de que 10 a 12% saiam do país, alguns por conta própria, outros pelo programa de interiorização do governo. O restante fica no Brasil, não necessariamente em Roraima. Venezuela: por que a eleição preocupa? Militares da Guarda Nacional Bolivariana posicionados na linha de fronteira do Brasil com a Venezuela — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR