A menos de 60 dias do início das Olimpíadas de Paris, o corpo das mulheres volta a ser centro de debate.Imagens dos uniformes femininos de atletismo, feitos pela Nike, foram divulgados no início de abril e o traje foi criticado por atletas mulheres que o consideraram desnecessariamente cavados. As mesmas mulheres classificaram os trajes como “sexistas”, uma vez que o “maiô cavado prioriza o aspecto de aparência em vez de funcionalidade”.Katia Rubio, coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos da Escola de Educação Fisica da USP (Universidade de São Paulo), entende que, idealmente, a escolha do uniforme deve levar em consideração o bem-estar das atletas e a sua performance.Segundo ela, o esporte é, historicamente, um campo determinado pelos homens e que “quando atletas não são consultadas sobre o bem-estar, só sobra performance”. “Talvez, o bem-estar seja substituído pela comercialização das imagens”, diz.Rubio explica que, no caso das Olimpíadas, o uniforme é decidido pelo comitê olímpico de cada país. “É feito um estudo da modalidade e a roupa é desenvolvida em função das características e das demandas da modalidade. Mas nós sabemos que isso não é tão simples assim, porque há interesses comerciais que rondam a imagem das atletas que usam [o uniforme]”, afirma.”Hoje, nós sabemos o quanto essa questão envolve uma invasão da privacidade da mulher e a sexualização de seu corpo, que pouco implica na performance, mas no uso dessa imagem para ser seguida”, relata.Olimpíadas 2024: Campeã de atletismo dos Estados Unidos critica uniformes olímpicosEm uma postagem em sua conta no Instagram, Lauren Fleshman, campeã de atletismo dos Estados Unidos na categoria 5.000 metros, em 2006 e 2010, insinua que, se os uniformes da Nike fossem verdadeiramente benéficos para a performance física, os homens também usariam eles.”Desculpe, mas mostre um time da liga feminina de basquete ou de futebol que entusiasticamente defenderia esse conjunto. Ele é para o time de atletismo das Olimpíadas da Track & Field. Atletas profissionais devem poder competir sem dedicar muita energia para uma vigilância constante da região pubiana [se aparece ou não] ou ter a carga mental de ter toda a parte mais vulnerável do seu corpo à mostra […] Se este traje fosse realmente benéfico para o desempenho físico, os homens o usariam. Este não é um uniforme de elite para o atletismo. É um traje criado pelo patriarcado, onde não há espaço para esportes femininos. Sou queer e sou atraída por corpos femininos, mas não espero nem gosto de ver atletas femininas ou atletas masculinos colocados em uma posição de serem autoconscientes em seu local de trabalho”, disse a atleta em sua conta pessoal.A especialista da USP volta para a questão de como esses recortes na roupa podem ser incômodos e até atrapalhar no desempenho das atletas femininas. “Imagina uma mulher tendo que puxar o decote do bumbum durante a partida, o quanto isso impacta na atenção e na concentração que ela tem para o jogo. Ou, no caso do atletismo, ela tem que ficar prestando atenção nesse uniforme que não foi feito para uma boa performance com conforto; o quanto isso retira a energia dela da própria competição”, relata.Cláudia Vicentini, professora doutora de Têxtil e Moda na Each (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), campus USP Leste, afirma que, em sua história, a moda não é confortável nem prima pelo conforto. “A moda trabalha com aspectos simbólicos do produto e, esses aspectos simbólicos, 90% das vezes, não estão atrelados ao conforto como é necessário, por exemplo, na prática de atividade física”, explica.Olimpíadas 2024: “Moda reforça padrões comportamentais”, diz especialistaA especialista também destaca que a moda reforça os padrões comportamentais. “Por exemplo, estamos falando de um momento histórico onde os papéis sociais de homem e mulher são muito bem definidos. No entanto, a moda reforça estereótipos de comportamento. Por isso falamos que a moda é sexista.”Rubio explica que, entre as décadas de 1940 e 1950, os uniformes não tinham a mesma relevância de hoje. “O que se buscava era a liberdade do movimento. Os novos materiais levam à busca da excelência porque qualquer milímetro, qualquer segundo, impacta no resultado. Na década de 90, com a ascensão da venda de marcas comerciais nos uniformes, também existe um movimento para dar visibilidade aos patrocinadores. É um equilíbrio muito sutil entre interesses comerciais e performance”, diz.Além da ascensão das marcas no final do século passado, Vicentini destaca que, entre os anos 90 e 2000, a moda esportiva saiu dos jogos e foi para rua, no chamado streetwear. “As marcas esportivas começaram a trabalhar com roupas para o dia a dia e aumentaram muito o leque de atuação no mercado”, afirma. Segundo a especialista, isso fez com que a população voltasse a atenção ao mundo esportivo.”Estamos dando atenção ao mundo esportivo, como os atletas se vestem, o tipo de estampa que foi utilizada, o tipo de tecido. E aí nada melhor do que você ter pessoas do cenário esportivo também fazendo essa propaganda”, destaca.Ambas especialistas destacam que uniformes com características sexistas apenas deixarão de ser produzidos e usados caso haja um movimento quase unânime de atletas e da mídia contra esses cortes.”A questão passa pela organização das mulheres em dizer não para aquele tipo de imposição, o que não é muito fácil porque as atletas são obrigadas quase sempre a se calarem diante de decisões absurdas, porque isso é tomado como indisciplina. E uma das marcas do esporte é a disciplina”, ressalta Rubio.Veja também:Uniformes das Olimpíadas 2024 geram críticas e são considerados “sexistas”Clube paranaense vende joias da base para Grêmio e InternacionalVolante do Coritiba viaja para servir seleção; time tem mais desfalques contra CearáAthletico: Pablo e Mastriani podem atingir marcas históricas contra o Ameliano
Uniformes das Olimpíadas 2024 geram críticas e são considerados “sexistas”
5
postagem anterior