Lar Comunidade Sou um dos 334 votantes internacionais do Globo de Ouro e vou te contar como realmente é

Sou um dos 334 votantes internacionais do Globo de Ouro e vou te contar como realmente é

por admin
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São Paulo “Estou aqui em casa comendo um pão com ovo e meio que fazendo a roda de Hollywood girar ao mesmo tempo”, escrevi nas redes sociais na noite de domingo (5). Essa foi a forma que encontrei para definir o mix de sentimentos de assistir de casa à 82ª cerimônia de premiação do Globo de Ouro, a primeira da qual fui votante. O pão com ovo era metafórico (na verdade, jantei um beirute), mas dava conta da falta de glamour do momento. Eu bem que gostaria de estar lá para assistir a Fernanda Torres se tornando a primeira brasileira a receber o prêmio de atriz dramática ou aos discursos emocionados de Demi Moore e Zoe Saldaña, entre outros destaques da noite. Mas, não, os votantes não são convidados a participarem da festa. Os que estão em Los Angeles —o que não era meu caso— até podem se credenciar para cobrir o evento, assim como qualquer outro jornalista que não tenha relação com a premiação (e que seja selecionado, já que há menos vagas que interessados). Oficialmente, a justificativa é que não há espaço para todos os 334 jornalistas de 85 países no salão do Beverly Hilton onde a festa acontece. Para além disso, penso, a noite não é sobre quem votou, é sobre quem ganhou. E também sobre quem brilhou no tapete vermelho, quem reagiu assim ou assado quando perdeu… Se você não está a trabalho, melhor ver do sofá de casa rindo dos memes nas redes sociais. Mas, voltando, essa é apenas uma das ideias erradas que vi muita gente fazendo cara de decepção ao saber da realidade ao longo dos últimos meses, quando entrei para o corpo de jurados do prêmio e passei a receber perguntas sobre seus meandros. Outra que vi muitas vezes sendo reproduzida é sobre os “presentinhos” e outras supostas vantagens que os votantes teriam. A desconfiança tem razão de ser. Afinal, não faz tanto tempo, a premiação teve que passar por uma transformação radical para continuar existindo. A edição de 2022 foi boicotada pela indústria após uma série de denúncias a respeito de práticas pouco éticas da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA), então responsável pelo prêmio, virem à tona no ano anterior. Em uma longa reportagem, o jornal Los Angeles Times expôs tentativas de compras de votos. Eram citadas ostentosas campanhas de divulgação de filmes e séries, que colocavam a lisura da entidade em xeque. Brindes não necessariamente relacionados às produções também pareciam ser moeda corrente nos bastidores. Desde então, a HFPA foi dissolvida e a premiação foi vendida para a Dick Clark Productions, que toca a operação agora. O número de votantes aumentou mais de três vezes e passou a incluir jornalistas internacionais, não apenas os que moram em Los Angeles, o que permitiu a muita gente (como eu) entrar no júri. E que tipo de “presentinhos” recebi nesse período? Dois livros, quatro DVDs, o mesmo número de roteiros impressos, dois CDs e cinco vinis (para meu desespero, já que não tenho vitrola). É bom deixar claro que não estou reclamando, apenas registrando para dizer que é o mesmo tipo de material de trabalho que você recebe quando cobre essa área. Também recebi muitos convites para assistir a filmes, a maioria em Los Angeles ou Nova York, e nenhum deles tinha passagem, hospedagem ou qualquer outra vantagem embutida. Era tipo: “Se estiver por aqui, passa aí”. Fora disso, está tudo proibido pelo novo e rígido código de conduta da premiação. Em São Paulo, não houve mais que um par de sessões para membros do Globo de Ouro, sempre muito bem-vindas para poder ver os filmes (a maioria dos quais ainda não estreou no Brasil) na tela grande. Isso porque, para dar seus votos, você assiste à maior parte das produções de casa mesmo, por meio do aplicativo que reúne todos os inscritos. Essa, para mim, foi a melhor parte. Trata-se de uma espécie de Netflix fechada, só para os votantes, nas quais estão todos os filmes que vêm sendo falados em festivais internacionais. Um verdadeiro paraíso para qualquer cinéfilo. Além disso, há uma série de bate-papos com a imprensa que alguns dos concorrentes promovem. Eles funcionam exatamente como o que no jargão jornalístico chamamos de “coletiva”. Cada repórter faz uma pergunta e, se sobrar tempo (quase nunca), tem mais uma rodada. Por causa da distância, todos esses “encontros” foram virtuais, alguns com mediação de uma espécie de apresentador, que recebia as perguntas com antecedência e muitas vezes sequer citava o país de onde a pergunta vinha. Parte das produções também oferecia oportunidades de entrevistas individuais com artistas —algumas bem difíceis de conseguir normalmente se você tentar por meio das assessorias de imprensa dos estúdios no Brasil. Uma profissional de uma delas chegou a me perguntar como tive acesso a determinada atriz de um filme que ela estava promovendo, já que não havia agenda para que a estrela desse entrevistas para o Brasil. Ou seja, no final das contas, a principal vantagem de ser votante do Globo de Ouro é esse acesso. Seja aos filmes e séries que ainda não estrearam por aqui ou a quem estava neles. Qualquer um que trabalha cobrindo a indústria do entretenimento há de concordar que dá para tirar disso um bom proveito profissional. Se, além de tudo, você ama o que faz, aí você está no lucro.

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