O teólogo José Eduardo Borges de Pinho considera que as mudanças na Igreja acontecem “muito lentamente”, mas reconhece a existência de “elementos concretos irreversíveis” no processo sinodal em curso. Rui Saraiva – Portugal José Eduardo Borges de Pinho é um dos elementos da Equipa Sinodal da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e em entrevista conjunta à Rádio Renascença e à Agência Ecclesia assinala a existência de “resistências” ao Sínodo. O professor jubilado de Teologia da Universidade Católica Portuguesa lança um olhar sobre o “Instrumentum Laboris” da segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos bispos, que vai decorrer de 2 a 27 de outubro em Roma e que foi apresentado no início deste mês de julho. Um documento de trabalho que tem suscitado muitas reações e comentários. Partilhamos aqui uma segunda parte da entrevista conjunta que José Eduardo Borges de Pinho concedeu aos jornalistas Henrique Cunha da Rádio Renascença e Octávio Carmo da Agência Ecclesia. O teólogo português considera que há “elementos concretos irreversíveis” no processo sinodal em curso. Este processo sinodal tem sido marcado, em larga medida, até pela perceção pública, pela ideia da consulta e da mobilização. No documento há uma proposta da criação de um Ministério da Escuta e do Acompanhamento nas Comunidades Católicas, para todos. Isto já é um fruto visível deste processo? Absolutamente. E esse aspeto é já um dos tais elementos concretos irreversíveis. Não sei o tempo que vai demorar a institucionalizar. Aliás, é lá dito que a institucionalização deste Ministério não significa que não se exerça já. E, ao mesmo tempo, diz-se que também serviços de escuta e de acompanhamento podem estar já presentes e serem dinamizados. Ou seja, não podemos estar à espera daquilo que são os frutos em termos de documentos. Creio que neste momento o grande desafio é, realmente, perguntarmos nas nossas comunidades, pequenas ou maiores, com mais pessoas ou com menos pessoas, em todas as atividades que nós façamos, perguntarmo-nos se o modo como estamos a funcionar, o modo como estamos a pensar, a ler a realidade, o modo como estamos a decidir, corresponde já a uma vontade, a um desejo de caminhar em frente, de caminhar para uma realidade de Igreja mais viva e participativa, ou se queremos manter prerrogativas de autoridade e de poder, leituras sociológicas que assentam muito no prestígio, etc, etc, e não estarmos atentos àquilo que são as possibilidades e exigências reais. Qual é a sua perceção? Há um hiato entre esse esforço de escuta e uma integração real de quem tem vindo bater à porta das comunidades católicas? O” todos, todos, todos” ainda está marcado por “muitos, mas…”? Sim, a começar pelo facto de que esses “mas” apontam muitas vezes para o próprio espaço eclesial interno. Repare que se nós vamos ver a vida das nossas comunidades, em muitas delas as pessoas que, por exemplo, leem os textos na liturgia, as pessoas que, entre aspas, mandam alguma coisa no quotidiano, são sempre as mesmas e não tem havido nem há a preocupação, muitas vezes, de se fazer uma renovação e de as pessoas perceberem que só também estando aberto e atento ao concreto das situações é que conseguimos ir mudando. E, portanto, aqui a minha experiência é sempre limitada, não podemos generalizar, mas é marcada muito por isso. Quem estiver a ouvir também há de lembrar-se da sua experiência e há de tirar as suas conclusões…. Exatamente. Mas esse “mas”, obviamente, tem que ver também com todas as situações de marginalidade, de dificuldade com a Igreja, de pobreza e aí, confesso, ainda há muito a fazer. Mas é preciso reconhecer também que é um trabalho difícil. Isto é, nós não estamos muitas vezes preparados. Há muitos cristãos em todo o mundo – não estou a falar apenas da nossa realidade – que são verdadeiros profetas da sua maneira de agir nessas situações. Por vezes, tendemos a ver só o nosso cantinho e não vemos nada ou vemos mal. Mas também é preciso dizer que muitas das nossas comunidades fazem coisas muito boas, mas não há muitas vezes a sensibilidade para essas situações, esses desafios de alguma marginalidade. É preciso antes de mais reconhecer a dificuldade e pensar e dialogarmos uns com os outros para ver os passos que podem e devem ser dados. Olhando para a realidade interna das comunidades, o documento de trabalho que foi lançado na última semana fala de um conceito que muitas vezes não é tão visível, que é a questão da transparência e da prestação de contas. E isto é colocado no contexto em que se diz que é necessário superar um modelo piramidal. Este modelo explica muitas resistências à dinâmica sinodal? Sem dúvida, sem dúvida. Na minha leitura, há aqui mudanças, mudanças profundas que têm de ser feitas. São mudanças naturalmente de mentalidade, mas são, no fundo, verdadeiras conversões. Conversão do modo de proceder, do modo de olhar, do sentido das prioridades, etc. Eu li há dias uma referência, já não me recordo de quem, mas foi há muitos poucos dias, que as pessoas não desistem do poder. E que, no fundo, se agarram a ele, de uma maneira ou de outra. Esta mudança exige alguma humildade, disponibilidade. Não é só uma questão teórica, é uma questão também muito prática. Essa prestação no sentido não apenas financeiro, mas em todos os âmbitos vai ser um elemento, não só fundamental, como, certamente, que a próxima Assembleia Sinodal, nessa matéria, vai sugerir aspetos concretos. Claro que tudo vai ser entregue ao Santo Padre, ao Papa Francisco e, depois, um ou outro aspeto será concretizado mais tarde, mas esse é um elemento, sem dúvida, irrenunciável e já bastante amadurecido. O processo sinodal foi visto com muita esperança por setores e pessoas que se tinham distanciado da Igreja. Julga que houve expectativas pouco realistas e, assim, o que é que se deve esperar, realmente, de uma Assembleia Sinodal? Eu penso que sim, que houve expectativas talvez a mais, por parte de alguns setores, de algumas pessoas, mas quem conhece a Igreja, quem vive na Igreja, quem tem também algumas referências fundamentais, percebe que nós não vivemos num espaço aéreo, vivemos no terreno, com os pés assentes na terra, isto é, somos marcados todos pela historicidade do viver humano e também do viver crente. Quer dizer, as coisas mudam, mas às vezes muito lentamente. As coisas são condicionadas por reações imprevistas. Eu não me admira muito que haja resistências, não me admira muito que haja inércias. Admiro-me sim, e até de alguma forma posso dizer que sofro com isso interiormente, como cristão, que as pessoas não se abram a dar aqueles passos para aquilo que, em todo o discurso que nós fazemos na Igreja, até nas nossas homilias, para aquilo que é essencial. Há, às vezes, contradições de linguagem e de prática que, no fundo, não se justificam ou não se justificariam se as pessoas estivessem atentas, por um lado, à realidade e também pensassem um bocadinho mais sobre o que é, de facto, a identidade cristã, o que é a vida da Igreja, o que é a sua missão. Tenho uma última pergunta que tem a ver com o sinal que este processo sinodal pode dar ao resto do mundo. Nós vivemos num mundo marcado por conflitos, por desigualdades. Esta Igreja sinodal pode ser, profética, um modelo alternativo de sociedade que, basicamente, é muito marcado pela busca da imposição da própria posição e do poder? Esse realmente é o ponto fulcral de todo este dinamismo, de toda esta busca, de todo este processo. Porquê? Porque em “comunhão, participação, missão”, as três palavras que traduzem sinodalidade em concreto, o termo-chave é, de facto, a missão. Como é que nós conseguimos viver como cristãos de modo a que quem nos vê ache interpelativo, que te faz algum sentido, que pode ajudar a transformar o quotidiano nas relações. É claro que também aqui, olhando realisticamente para o mundo em que vivemos, nós assustamo-nos. Eu creio que não há outra palavra. Mas, exatamente no documento que foi publicado, esse é um aspeto que eu acho dos mais importantes. Chama-se a atenção, realmente, que esta dimensão sinodal só tem sentido em termos de encontrar um rosto mais missionário, evangelizador para a Igreja, e só tem sentido, nessa linha, em ordem a que nós cristãos mostremos que é possível viver de outra maneira neste nosso mundo, neste nosso planeta, e encontrar caminhos de fraternidade e de justiça e também de paz. Eu não estou a idealizar aquilo que a Igreja e os cristãos podem fazer, mas sublinho, dentro da pergunta que acabou de colocar, que realmente isso é que nos deve verdadeiramente preocupar e questionar todos os nossos hábitos, mentalidades e modos de funcionar internamente. Portanto, isso é que é o decisivo. Laudetur Iesus Christus Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui
Sínodo: “não me admira muito que haja resistências e inércias”
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