Reduto de resistência ao mundo moderno, mercadinho de bairro é cenário de filme em Piracicaba

Reduto de resistência ao mundo moderno, mercadinho de bairro é cenário de filme em Piracicaba

Esse bar, que já foi mercadinho de bairro e é símbolo de outra época que acende nostalgias dentro de gerações mais velhas, é o cenário do curta-metragem “Troca cem?”, recém-filmado. Contemplada pela Lei Paulo Gustavo através dos governos estadual e federal, a obra conta a rotina solitária do dono do mercadinho, o senhor Ari, de 65 anos. A obra explora a passagem do tempo e o lugar do protagonista em um mundo moderno e dominado por novas tecnologias e novos estabelecimentos. Mercadinho tradicional é cenário de curta em Piracicaba — Foto: Gabriel Avila Resistência às mudanças As gravações aconteceram ao longo do feriado de Corpus Christi, no último final de semana do mês de maio. “Eu sempre tive uma grande admiração por esses comércios que são de família, que vêm de muito tempo e que conseguem resistir mesmo com todas as mudanças da economia […] E esses lugares, normalmente, têm esses clientes que são muito fiéis e que formam uma família, um microcosmo. É uma comunidade em torno desses lugares”, diz a diretora e roteirista Lina Agifu. Ela revela que o avanço dos mercados express de grandes redes também influenciou na ideia. “A gente tem visto que as redes de mercado estão cada vez mais brotando, brotando, brotando, e eu fico pensando muito como fica o comércio local, dos pequenos, de quem é da cidade”. Curta traz reflexão sobre resistência dos mercadinhos frente às grandes redes — Foto: Gabriel Avila Só incomoda trocar cem Mas seu Ari não está tão preocupado em se adaptar aos novos tempos, segundo Edvaldo Oliveira, ator que o interpreta. “Ele é uma pessoa que se resolve no seu universo. Ele não demonstra tristeza, também não tem ambição de mudar. Obviamente que o comércio dele está em franca decadência, mas ele tem um comportamento um pouco afastado da emoção. Me parece, às vezes, que ele meio que aceita isso”. Mas tem uma coisa que o incomoda e inspirou o título do curta. “A única coisa que tira ele do sério é quando a pessoa entra pra trocar cem. Pega uma bala e dar R$ 100. Isso tira um pouco do sério”, revela Edvaldo. Edvaldo Oliveira vive Ari, o dono do mercadinho de bairro — Foto: Gabriel Avila ‘Meu pai foi muito feliz aqui, e nós também’ Edvaldo também tem uma relação afetiva profunda com o espaço onde as filmagens ocorreram. O ponto já foi de seu pai, que foi comerciante durante toda a vida. “Esse espaço aqui foi bastante frequentado, tinha uma uma venda alta. E com a aproximação de grandes redes de supermercado aqui do bairro, a clientela foi diminuindo, as situações foram ficando difíceis, mas isso aqui foi a vida do meu pai, meu pai foi muito feliz aqui, e nós também. Aqui era onde as crianças do bairro vinham comprar paçoquinha, vinha comprar o mata fome”. Ele lembra de um exemplo real do microcosmo formado em torno do estabelecimento, citado por Lina. “Uma coisa que a gente sempre lembra em casa é que ele foi padrinho de casamento de muita gente aqui. As pessoas gostavam muito dele. Então, o personagem que era dono de uma quitanda de um bairro, ele tinha esse alcance com as outras famílias. Meio que a gente pertencia às outras famílias também”. Por motivos de saúde, ele precisou deixar o comércio e o ponto foi vendido. “A minha infância, uma grande parte dela, eu passei aqui dentro, ou ajudando meu pai ou pegando guloseimas”, recorda. Toda equipe técnica envolvida na produção conta com profissionais da cidade. “O lugar, ele por si só já é um personagem mesmo porque tem muita coisa antiga, coisas que não combinam juntas, e isso acaba fazendo uma harmonia. […] Por mais que seja antigo, ele mostra esse caos contemporâneo que a gente está, que está tudo junto e misturado”, avalia Lina. Equipe de produção do curta “Troca Cem?” na porta do espaço onde ocorreu a filmagem — Foto: Felipe Nunes Outro mercadinho e outro Ari Lina e Edvaldo também decidiram conhecer mercadinhos tradicionais reais da cidade para construção do personagem fictício. Em um deles, o personagem se chama… Ari. “Ali a gente achou o Ari, que era um senhor, eu acho que tinha uns 70, 80 anos, sentado na porta […] E ali passa a ser, eu vou supor, uma espécie de terapia. Ele deixou bem claro que ele não precisa mais estar ali, mas ainda é parte da vida dele ali. E eu acho também que, como o seu Ari, ele não se preocupa muito se ele vai ganhar muito dinheiro ou pouco dinheiro. Eu acho que ele busca aquele conforto e aquele sossego”, avalia Edvaldo. Ele conta que não há qualquer indício de planos para reformar ou modernizar o espaço. “Até parece mais que ele não quer que mexa. Tem um baleiro daqueles que viram, sabe? Que tinha no comercial […] Eu falei assim: ‘e esse baleiro aqui?’ E ele falou assim: ‘não vendo, não vendo’. E eu falei: ‘aquela balança?’. ‘Não vendo, não vendo’. Ele não vende nada. Mas eu acho que aquilo lá é uma ilha de conforto para ele”, finaliza. Acessibilidade e outras atividades O curta teve a captação de imagens realizada exclusivamente por meio de aparelhos celulares, terá versões com tradução e interpretação em libras, legenda descritiva e audiodescrição. O projeto também oferecerá oficinas variadas na área do audiovisual – especialmente dedicadas à terceira idade, acessibilidade e profissionais da educação. O curta entra agora em fase de pré-produção e tem prazo para lançamento em até um ano. VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e região

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