Conhecer a sua história é visitar o passado pelos reflexos do presente. De uma mulher forte quando a voz feminina não era ouvida; de quem vivia entre a elite cafeeira, mas caminhava entre e em prol do povo local. Era uma pessoa pioneira, visionária, uma pessoa que devotava a Santa Rita do Sapucaí. Esse amor que ela tem pela cidade é uma história que vem dos familiares dela. […] Ela aprendeu tudo isso dentro de casa, com os familiares dela que procuravam construir não só uma cidade que fosse legal para a gente viver, como também um país melhor para se viver. — Carlos Romero Carneiro, coordenador do Museu de Santa Rita do Sapucaí 📺 A história é a quarta de uma série de reportagens da EPTV, afiliada à TV Globo, sobre personalidades pioneiras que ajudaram a transformar a região, em comemoração aos 45 anos da emissora, celebrados na terça-feira (1º). Luzia Rennó Moreira – Sinhá Moreira — Foto: Reprodução/EPTV A origem Aos olhos mais desatentos, Santa Rita do Sapucaí é um lugar típico com suas mineiridades. No entanto, quem conhece melhor a cidade sabe que se tornou, com mérito, uma referência em tecnologia e ganhou a alcunha de “Vale do Silício Mineiro”. “É uma cidade que hoje tem um faturamento próximo de R$ 3,5 bilhões. Ela fabrica cerca de 20 mil produtos e possui 162 empresas de base tecnológica. Então é uma cidade que respira tecnologia”, disse Carlos Romero Carneiro. É motivo de honra para Olavo Bilac Pinto Neto, profundo conhecedor das páginas escritas por Sinhá Moreira na história sul-mineira, já que é sobrinho neto dela. Três vezes secretário do governo de Minas, duas vezes deputado federal, advogado e produtor rural, carrega um pouco do sangue de quem escreveu um legado que o inspira. “Ela trouxe essa mentalidade para Santa Rita do Sapucaí. A mentalidade que hoje é muito normal. Nós estamos falando aí de uma escola que foi fundada em meados do século passado e com o aprendizado, com as escolas, o Inatel, a Escola de Administração e Informática, com a criação do pólo de tecnologia com o seu nome marcante ainda na década de 80, isso transformou muito a realidade do nosso município. Então, Sinhá era uma mulher que tinha uma visão formidável”, disse Olavo Bilac Pinto Neto, empresário. Tanto fez que se transformou em memória viva. Símbolos cidade afora são marcas de reconhecimento. Sinhá Moreira, além de sinônimo de evolução, tornou-se nome de rua, de prédio comercial, de escola pública e a imponência de um busto na frente de uma das principais instituições de ensino da cidade. Nada mais justo para a idealizadora da Escola Técnica de Eletrônica; criação de uma época que nem existia essa modalidade na América Latina. Luzia Rennó Moreira – Sinhá Moreira — Foto: Reprodução/EPTV À época, o presidente Juscelino Kubitschek, embora oposição política da família de Sinhá Moreira, teve de decretar a criação dos cursos técnicos no Brasil. “Na época, dona Sinhá era da UDN e o governo da época, Juscelino Kubitschek, PSD. Então, eram antagonistas, vamos dizer. Mas, dona Sinhá, contava com uma cartinha na manga para poder chegar no governo. Duas cartas na manga. Primeiro, ela era sobrinha de um ex-presidente da República, Delfim Moreira da Costa. E segundo, ela era cunhada de Bilac Pinto, que era um excelente interlocutor na época para poder resolver esse problema para ela. O Bilac foi atrás de Juscelino e abriu as portas para dona Sinhá chegar até Juscelino e pedir para poder normatizar isso aí para poder abrir escola de eletrônica de Santa Rita do Sapucaí”, explicou o professor Luiz Gustavo Torquato. O ministro, embaixador e deputado era avô de Olavo Bilac Pinto Neto. A Sinhá era mulher, era humanista, tinha um espírito público e fez essa primeira escola técnica de eletrônica que deu origem depois ao Instituto Nacional de Telecomunicações e a partir do Instituto Nacional de Telecomunicações, foi criado a Escola de Administração Informática de Santa Rita do Sapucaí. Então, ela acabou transformando o arranjo produtivo, que era de café e de leite do agronegócio, transformou Santa Rita do Sapucaí em um polo de tecnologia. Isso tudo feito através da educação, do investimento na educação. — Olavo Bilac Pinto Neto, empresário Frutos da tradição Histórias de vida de santarritenses são moldadas pelo aprendizado conquistado nesta instituição. Com ensino integral sob a coordenação dos jesuítas, formam-se os profissionais. São mais de 600 estudantes. Mais da metade, bolsistas. “Aqui é o berço da eletrônica. E esse berço da eletrônica, o Vale do Silício Brasileiro, tem características dos jesuítas”, afirmou Alexandre Loures Barbosa, diretor geral da ETE. ETE FMC – Escola Técnica de Eletrônica em Santa Rita do Sapucaí (MG) — Foto: Reprodução/EPTV “Eu sinto que os cursos que a gente tem aqui na ETE, que são telecomunicações, equipamentos biomédicos, automação e desenvolvimento de sistemas te preparam um mercado de trabalho, então você acaba tendo ali muito mais experiência do que alguém que não fez um curso técnico. Você tem muito mais a aprender com o técnica do que ensino médio convencional”, relatou o estudante Kauã de Oliveira Ribeiro, de 17 anos. “Consegui 100% de bolsa na escola e assim hoje eu aproveito o máximo que eu posso e me esforço máximo também para que as minhas notas sejam boas e eu consiga um aproveitamento de 100% na escola. Eu quero fazer desenvolvimento de sistemas de sistemas. […] Porque é o curso que mais toca no fundo do meu coração, por conta de ter desenvolvimento de jogos e programação, também é a área que mais eu gosto”, disse a aluna Thaeme Elisa dos Reis Silva, de 16 anos. Um dos últimos grandes feitos da vida de Luzia Rennó Moreira, a criação da ETE, possibilitou e possibilita a formação de centenas de jovens ao nível técnico todos os anos há pelo menos seis décadas. Essa é uma forma muita clara de entender o que é legado. Legado para o futuro A herança deixada por Sinhá Moreira revolucionou: ela transformou um vale na Mantiqueira, no interior mineiro, em lugar de tecnologia. E, dessa forma, foi norteado o futuro da cidade. Em 1965, dois anos depois da morte da Sinhá, foi inaugurado – em um terreno que pertenceu a ela – o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Reconhecida internacionalmente, a instituição é hoje um centro de excelência em ensino e pesquisa. “A decisão por implantar o Inatel em Santa Rita do Sapucaí foi fortemente influenciada pela escola que já existia na área de eletrônica. E nos primeiros anos, o Inatel não tinha nada. Não tinha esse campus aqui em que nós estamos agora. O Inatel só pôde começar a funcionar porque várias entidades na cidade cederam o espaço emprestado, inclusive os laboratórios da ETE que foram os nossos primeiros laboratórios. Então, a existência da Escola Técnica de Eletrônica, que é um dos principais legados dela aqui na cidade, foi fundamental para o surgimento do Inatel”, relatou Guilherme Marcondes, vice-diretor e pró-diretor de graduação do Inatel. Inatel: Instituto Nacional de Telecomunicações — Foto: Reprodução/EPTV Pelas dependências, pensadores da tecnologia. Especialistas formados no chão sul-mineiro graças à existência do instituto. “Toda a minha formação acadêmica eu tive a oportunidade de realizar aqui em Santa Rita, no Inatel, que é uma instituição tecnológica mundialmente conhecida e reconhecida. E é um privilégio poder ter realizado minha graduação, meu mestrado, meu doutorado aqui no Inatel e hoje poder trabalhar com pesquisa avançada na área de comunicações móveis”, contou a pesquisadora Mariana Baracat. Uma visão de uma mulher formada graças à visão de outra grande mulher de outros tempos. “Hoje, 50% dos nossos alunos são mulheres e ela iniciou isso”, completou Alexandre Loures Barbosa, diretor geral da ETE. Luzia Rennó Moreira – Sinhá Moreira — Foto: Reprodução/EPTV VÍDEOS: tudo sobre o Sul de Minas