Na região de Piracicaba, a Polícia Civil registrou 590 ocorrências de porte de entorpecentes, entre eles maconha, em 2023, um aumento de 15% em relação a 2022, quando foram 513 casos. Em 2024, já são 185. Os ministros não liberaram o uso de maconha, nem legalizaram qualquer entorpecente. Outras condutas envolvendo a substância, que não o porte, podem ser configuradas como tráfico. Para Pereira, que é graduado em Direito e especialista em Inteligência Policial e Segurança Pública, o julgamento do STF vai influenciar diretamente nos protocolos policiais. “Nós temos, hoje, o estabelecimento de uma legislação que, bem ou mal, disciplina a conduta do usuário na esfera criminal. E a partir do momento que essa disciplina deixa de existir, a gente deixa de ter os parâmetros relacionados ao procedimento. Significa que os policiais também precisarão se adaptar a essa nova realidade”. Ele explica que, atualmente, quando um usuário é abordado na rua, há um encaminhamento dessa pessoa para a delegacia. E o delegado de polícia é quem vai definir se a conduta que a pessoa está praticando é de posse para uso ou tráfico. “A partir do momento que nós não temos mais a disciplina disso na esfera criminal, a gente perde as referências”, afirma. A seguir, entenda ponto a ponto, as incertezas apontadas pelo presidente da associação e o que já foi definido pelo STF: Ministro Luís Roberto Barroso preside sessão plenária no STF em 26 de junho de 2024. — Foto: Andressa Anholete/STF Pesagem será na rua? Segundo a definição do STF, se a polícia encontrar a maconha com o usuário dentro do limite especificado, de até 40 gramas, vai apreender a substância, notificar a pessoa que carrega o material a comparecer em juízo. O Supremo também definiu que a polícia não poderá lavrar auto de prisão em flagrante, nem termo circunstanciado (procedimento para crimes de menor potencial ofensivo). Pereira aponta indefinições sobre como será a pesagem da substância e se o usuário poderá ser levado a uma delegacia. “Onde essa quantidade vai ser medida? Na rua, pelo policial que aborda?”, questiona. Para Pereira, cabe ao Congresso Nacional, agora, definir regulamentações que definam os novos protocolos de ação policial (leia mais sobre isso no final da reportagem). Quem vai definir se a substância é maconha ou não? Outra questão levantada por ele é quem vai produzir o laudo de constatação de que a substância apreendida é maconha. “Continua sendo a Polícia Técnico-Científica, a partir da requisição do delegado de polícia, para constatar se aquela substância é droga ou não é? Todas essas questões vão ter que ser respondidas”, aponta. Quem vai decidir sobre cada caso? Segundo o STF, juizados especiais criminais cuidarão, inicialmente, de julgamentos sobre o tema, em um procedimento que não terá natureza penal. No entanto, o presidente da ADPESP questiona se a decisão cabe ao Poder Judiciário ou a uma instância administrativa dentro do Poder Executivo, ou seja, prefeituras ou governo estadual, já que o ato deixa de ser crime. “A partir do momento que você retira o caráter criminal, você deixa de ter todo um arcabouço jurídico para ser seguido no âmbito criminal”, avalia. Se não houver indício de tráfico, juiz vai determinar a pena de advertência e comparecimento em programa ou curso educativo para quem for enquadrado como usuário de maconha — Foto: JN Peso será levado à risca? O delegado questiona, ainda, se o peso exato será levado criteriosamente em conta quando a diferença para além do limite é pequena. “A gente vai ter esse cenário complexo. Se alguém também for abordado com uma quantidade maior do que 40, essa pessoa seria já presumidamente um traficante? Se for com 45, se for com 50? Tudo isso são aspectos que vão ter que ser reorganizados nas esferas policiais e de segurança pública”. Segundo a decisão do STF, o limite de 40 gramas (ou seis plantas) é relativo. Se uma pessoa for pega com quantidades superiores, isso não impede que o juiz conclua que não houve crime, havendo prova nos autos da condição de usuário. Outros critérios para definir tráfico ficam descartados? Pereira explica que a legislação atual sobre entorpecentes (lei 11.343/2006) define uma série de parâmetros que devem ser seguidos para identificar se uma conduta é enquadrada como uso ou tráfico. “A natureza da droga, o tipo de droga, a quantidade, o local onde a pessoa foi abordada, as circunstâncias em que essa pessoa foi abordada, a vida pregressa daquele suspeito. E nós fazemos uma análise técnica e jurídica de todos esses elementos antes de decidirmos a respeito do enquadramento”. Para o presidente da ADPESP, haverá uma readequação do tráfico para o novo enquadramento da lei. “Se você fixa a quantidade em 40 gramas, o crime organizado vai obviamente se adaptar a essa situação e distribuir sua droga de acordo com um parâmetro em que os ‘aviõezinhos’ [responsáveis pela venda nos pontos de tráfico] possam ser enquadrados no consumo e não no tráfico”, avalia. No julgamento, o STF definiu que se uma pessoa for flagrada com maconha, ainda que em quantidade inferior a 40 gramas, e haja elementos de que ela estava vendendo a droga, poderá ser presa e responder pelo crime de tráfico. Sessão na Câmara dos Deputados — Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados A quem cabe novas definições? Os ministros do Supremo tomaram uma decisão de caráter judicial – na qual cabe recurso -, no contexto de um processo, e que vale para casos semelhantes em todo o país. Não aprovaram uma lei. Legislar é atribuição do Congresso. O texto já foi aprovado no Senado e agora tramita na Câmara. Mas, neste momento, com o fim do julgamento no Supremo, o que deve prevalecer é o entendimento do tribunal sobre a questão, já que a PEC ainda não teve a análise concluída no Congresso Nacional. A proposta dos parlamentares só terá efeitos jurídicos quando for aprovada pelas duas Casas e transformada em emenda. Neste caso, o tema pode voltar a ser questionado no Supremo Tribunal Federal. O que dizem ministros sobre a decisão? Ao longo do julgamento, os ministros citaram a necessidade de um novo enfoque para a política de combate às drogas. Em relação ao usuário, citaram a importância de se dar à questão um tratamento voltado para a saúde pública. VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e região