São Paulo
Quando o cantor australiano Troye Sivan apareceu no TikTok fazendo gracinha com a cantora Charli XCX, um detalhe chamou a atenção de vários internautas brasileiros. No vídeo, publicado em outubro de 2024, Sivan aparece vestindo uma camiseta do Palmeiras.
Na época, falou-se que a peça nem sequer existia no Brasil e foi lançada pelo time em parceria com a marca Puma, que fornece material esportivo ao clube no mercado estrangeiro e patrocina Sivan.
O cantor pop não foi o único famoso a viralizar nas redes sociais vestindo camiseta de times do futebol brasileiro nos últimos tempos. O ator Paul Mescal já apareceu em fotos trajando uma do Flamengo, enquanto o ator Jaden Smith causou empolgação nas redes com uma do São Paulo.
Nada disso é por acaso —trata-se da tendência de moda apelidada no TikTok de “blokecore”. Se você acompanha o rolê fashionista nas redes sociais, provavelmente já deve ter se deparado com o termo. A tendência está aproximando ainda mais o mundo do futebol e o da moda, indo além dos atletas como garotos-propaganda de marcas, como David Beckham, que hoje é seguramente uma lenda para a moda masculina.
A origem do termo, grosso modo, vem da gíria “bloke”, o equivalente do inglês britânico a “cara” ou “rapaz”, e se refere ao movimento urbano em que homens fãs de futebol usam camisetas colecionáveis de times, dos anos 1980 e 1990, em uma expressão nostálgica de amor aos clubes.
Era algo vinculado também ao britpop, a onda de bandas britânicas, como Blur, Oasis e Pulp, que dominavam as rádios 30 anos atrás e cujos membros, vez ou outra, faziam aparições públicas trajando camisas de seus clubes prediletos.
No Brasil, o movimento teve a periferia como ponto de partida —as camisetas de times são itens recorrentes em videoclipes de funk e trap. A tendência cresceu principalmente durante a pandemia, diz Vinnie Martins, sócio da Atrox Casual Club, loja especializada em camisetas vintage colecionáveis localizada na Galeria Ouro Velho, na rua Augusta, em São Paulo. “Todo mundo quer se vestir igual ao seu ídolo”, diz.
De acordo com André do Val, consultor de estilo masculino, a “blokecore” é um exemplo da capacidade de times também serem eficientes como máquinas de marketing. “Essas marcas esportivas não são de moda, são de vestuário, mas se a gente comparar a força de mercado delas com a força das marcas de luxo, elas dão banho nesses grupos.”
É claro que o movimento não poderia existir sem a influência dos próprios clubes, que têm investido pesado na estética de suas camisas. A parceria da Kappa com o time Venezia FC mostra isso. Por muito tempo, o clube italiano não tinha tanta expressão no cenário internacional, mas o visual arrojado de suas camisas fez com que o time se tornasse um ícone de estilo.
A marca Kappa, responsável pelo design, foi essencial nesse processo de reinvenção, atraindo olhares de fãs e fashionistas ao redor do mundo. Em 2024, o Venezia FC firmou parceria com a Nocta, a marca de streetwear do rapper Drake.
No Brasil, o impacto é igualmente visível, com a demanda por camisas de times nacionais de futebol se multiplicando. Recentemente, o cantor Jão lançou, em parceria com sua patrocinadora, a Adidas, a camiseta “Meninos e Meninas F.C.”, uma referência à música do cantor “Meninos e Meninas”. Esgotou em menos de dez minutos na loja digital da marca.
Quando Jão se apresentou, em 2024, usando uma camiseta do time Roma, da Adidas, as vendas na Netshoes cresceram cinco vezes e as camisetas acabaram rapidamente, segundo a loja informou ao F5.
Ainda de acordo com a Netshoes, o item de futebol mais vendido na Black Friday —o principal dia de vendas do varejo— daquele ano foi a camisa do clube espanhol Real Madrid feita em colaboração com a Adidas.
De 2023 a 2024, as vendas de camisas de times nacionais feitas pela loja cresceram em 17% e, as de internacionais, em 27%. As vendas de peças femininas subiram em 15%, prova de que o termo “bloke” não impede as mulheres de se juntarem à onda.
Thiago Bessa, gerente de futebol da loja, afirma que o sucesso das vendas se deve também à sofisticação no design das peças. Hoje, as empresas por trás da produção dessas camisetas têm um olhar muito mais atento à qualidade dos materiais com que elas são feitas e a detalhes elegantes, como punho nas mangas das camisetas.
“A camiseta que o Juventus lançou em 2024 vendeu 15 vezes mais que a do ano anterior. Por quê? Porque ela tem esse conceito mais fashion style”, afirma. “Na década de 1990 e nos anos 2000, elas deixaram muito a desejar em termos de matéria-prima e estética, mas com o passar do tempo, [as marcas] começaram a entender que a camiseta não é só um item para ser usado no estádio.”
“Alguns influenciadores e celebridades passaram a utilizar as camisas como parte do look fashion, isso dita tendências. Hoje é comum vermos camisas sendo usadas fora dos campos, aplicadas no dia a dia com alfaiataria e jeans.”
Outras duas palavras-chave para entendermos tamanho sucesso, além de “estética”, são “versatilidade” e “história”. O tecido tem de ser útil tanto para a prática de atividades físicas, seja uma ida à academia, corrida na rua ou até mesmo o próprio futebol, quanto para passeios. Já a história —bem, essa parte é autoexplicativa.
As peças de estilo polo, por exemplo, remetem àquelas que os atletas vestiam em campo nos anos 1950 e 1960. “Querem remeter a isso, trazer esse movimento mais raiz do futebol”, diz Bessa.
Naquele tempo, elas eram feitas basicamente de algodão, mas ficavam muito pesadas quando chovia. O surgimento do poliéster, cada vez mais respirável com o passar do tempo, teve um bem-vindo impacto sobre a funcionalidade e a aparência das camisetas, segundo o gerente.
O Corinthians, por exemplo, já fez uma camiseta em vermelho grená em homenagem a São Jorge, o emblema do clube, enquanto o Palmeiras fez uma branca e dourada em homenagem ao goleiro Marcos. Uma rápida pesquisa no Google mostra que ambas custam algo em torno de R$ 300 e R$ 1.400, respectivamente.
Vinnie Martins, da Atrox, comemora o sucesso da “blokecore”. “Uns colecionam, outros compram por fashionismo, outros por estilo de vida, outros gostam de garimpar. Tem um pouco de tudo aqui”, afirma. “Até mesmo europeus vindo na loja e australianos dizendo que tenho camisetas que eles não encontram lá.”
André do Val lembra que o principal público do futebol continua a ser o de homens, “que amam agremiações”.
“As camisas têm códigos de identificação, as marcas têm kits com o uniforme um, o dois, o três. Tecnologia [de tecido] sempre atrai o consumidor masculino, essa coisa de respirar, ser levinha, aquecer. São atributos muito atraentes”, diz. “As camisetas estão lindas. Acho cool.”