Mesmo com três cursos técnicos e atualizações constantes no currículo, Yumi Santana está desempregada há mais de três anos. Ela é uma mulher trans de 31 anos e reflete a realidade da população transexual na procura por uma vaga de emprego na região. “Eu me candidato em várias vagas, não só dentro do que estudei, desde que estou desempregada não parei de enviar currículo e não parei de estudar. Existem muitas oportunidades de emprego, mas percebo dificuldade na triagem mesmo, às vezes a vaga não necessita de experiência e não chego até a etapa da entrevista, já sou cortada ali”, contou. De acordo com o mapeamento da Assessoria Especial de Políticas LGBTQIA+ (AEPLGBT), feito entre 2022 e 2024, 71% da população LGBTQIA+ de Araraquara está desempregada. O quadro se agrava para travestis e transexuais: 90% está sem emprego, o que leva muitas para a prostituição compulsória por falta de oportunidade no mercado de trabalho. Yumi Santana é uma mulher trans e está desempregada há mais de três anos em Araraquara. — Foto: Amanda Rocha/g1 Mutirão da empregabilidade Na quinta-feira (27), um mutirão de empregabilidade foi realizado no Centro de Referência e Resistência LGBTQIA+ Nivaldo Aparecido Felipe de Miciano (Xuxa) de Araraquara. O intuito foi atualizar o currículo dessas pessoas e cadastrar em uma plataforma online para que empresas parceiras tenham acesso. A ação fez parte da semana do Dia Internacional do Orgulho LGBT, comemorado nesta sexta-feira (28). Gabriel Cerniato e Yumi Santana procuram emprego em Araraquara. Assessoria LGBTQIA+ aponta que 71% dos LGBTs estão desempregados na cidade. — Foto: Amanda Rocha/g1 Segundo o assessor de políticas públicas LGBT, Lucas Henrique Dias, de 23 anos, o mutirão da empregabilidade deve acessar até 30 empresas parceiras da diversidade. Um evento recente em conjunto com a Coordenadoria de Direitos Humanos de Araraquara orientou o RH de empresas e comércios como trabalhar com contratados LGBTQIA+. “Fazemos um preparo do RH sobre como atender principalmente as pessoas trans, respeitar o nome social e tratar como a pessoa deseja ser tratada. Agora vamos entregar os currículos e acompanhar. Esse mutirão é muito importante para conseguirmos disparar e atualizar os currículos que vão ficar em uma plataforma online. É só clicar e acessar”, disse. Preconceito Para o assessor Lucas, a falta de oportunidades em Araraquara ainda refletem o preconceito das empresas na hora da contratação. “São vários preconceitos enraizados de não querer ter uma travesti, ou uma mulher ou homem trans, e quando tem fica escondida no estoque, em espaços invisibizados para não ter muito contato. Tivemos um caso de uma funcionária trans não poder usar o banheiro feminino na empresa e outras situações da pessoa não ter o seu nome social respeitado”, disse. Lucas Dias (esq) atende Gabriel Cerniato no mutirão LGBTQIA+ da empregabilidade de Araraquara. — Foto: Amanda Rocha/g1 A AEPLGBT levantou alguns números sobre a realidade nacional no mercado de trabalho neste ano: 33% das empresas existentes no Brasil não contratariam pessoas LGBTQIA+ e 7% delas não contratariam em circunstância alguma;41% dos funcionários LGBTQIA+ afirmam já terem sofrido algum tipo de discriminação em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho;61% dos funcionários LGBTQIA+ no Brasil escolhem esconder de colegas e gestores a sua orientação sexual por receio de represálias e possíveis demissões;61% das travestis e transexuais brasileiras estão na prostituição de maneira compulsória por falta de oportunidades no mercado;Somente 10% das empresas possuem ações efetivas com foco na comunidade LGBTQIA+. Transfobia Yumi passou por uma situação de transfobia em uma entrevista de emprego. Em seu currículo, ela explica que é uma mulher trans e que o pronome feminino deve ser respeitado. “Nesse tempo que estou parada percebo essa dificuldade em ser contratada, nas entrevistas mesmo percebo a transfobia, a forma que te julgam. Fiz em uma entrevista em uma loja da cidade e a pessoa me tratou no pronome masculino o tempo todo, não se importou. Tem muitas empresas que não se importam com a forma em que tratam as pessoas LGBTs”, comentou. Ela fez curso técnico em administração, segurança privada, teatro e de segurança do trabalho e mantém cadastro em plataformas de emprego online. No momento, Yumi conta com o suporte da família para se manter, e por isso, nunca ficou em situação de vulnerabilidade social. Juliana Andrade orienta Yumi Santana no mutirão da empregabilidade: currículos ficarão em link online para acesso das empresas parceiras. — Foto: Amanda Rocha/g1 Primeiro emprego Na busca por seu primeiro emprego, o jovem Gabriel Wilian Cerniato, 20 anos, já notou a dificuldade em ser contratado. Sem laços familiares, ele está abrigado há um mês na Casa de Acolhimento LGBTQIA+ Ricardo Côrrea Silvado. Para ele, um emprego significaria o início de sua vida adulta e independência. “Preciso muito de um serviço para ter o meu canto, minhas coisas e começar a minha vida. Não tenho família, sou sozinho desde pequeno. Está muito difícil conseguir emprego, entrego vários currículos, faço entrevista e fico na expectativa que vai dar certo, mas não sou contratado. Eu sinto que ainda tem muito preconceito por eu ser um menino gay” contou. Gabriel concluiu o ensino médio e fez cursos de inglês, espanhol e italiano. Fã de K-pop, ele sonha em conhecer a Coréia do Sul, país exportação do gênero musical. Gabriel Wilian Cerniato tem 20 anos e procura o primeiro emprego em Araraquara : “Sinto que ainda tem muito preconceito por eu ser um menino gay” — Foto: Amanda Rocha/g1 “Ainda quero fazer intercâmbio e conhecer a Coréia do Sul, sou apaixonado pela cultura, música e estilo de vida deles. Eu acho que lá é outra realidade, bem diferente da minha. Também tenho vontade de fazer um curso de enfermagem”, contou. O assessor Lucas comentou que o Centro de Referência encaminha a comunidade LGBT para cursos e e estudos. “Encaminhamos para o EJA e também oferecemos um curso de almoxarifado em parceria com o Senai. Temos muitos LGBTs na faculdade, uma vitória muito grande e a grande justificativa para não contratarem é o preconceito. Não dá mais para escutar RH falando que não sabe lidar com essas pessoas, é uma questão de saber tratar bem o outro e ter empatia, o básico”, conclui. Crime Desde agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece atos de homofobia e transfobia como crime de injúria racial. Em 2019, a Corte já havia enquadrado esse tipo de discriminação ao crime de racismo. A ação foi analisada pelo Supremo por meio do plenário virtual. No pedido, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) argumenta que a equiparação é necessária para assegurar proteção à pessoa LGBTQIA+, além do coletivo. Os crimes de racismo e injúria racial já foram igualados por entendimento do próprio STF e por lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro de 2023. Segundo a lei sancionada neste ano, a injúria racial é inafiançável e imprescritível. A pena é de prisão de dois a cinco anos, que pode ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Como denunciar LGBTfobia Saiba como denunciar LGBTfobia — Foto: Agência Brasil/Divulgação Todos os distritos policiais do estado estão aptos a acolher as vítimas, registrar e investigar os crimes. As ocorrências também podem ser comunicadas pela internet, por meio da Delegacia da Diversidade online. REVEJA VÍDEOS DA EPTV: