Animais que também apresentam partes do corpo com coloração ultrapreta — Foto: Stefan Nebl (iNaturalist), Michael Mcmaster (iNaturalist) e Manuel Ortiz (iNaturalist) Os resultados mostram que a capacidade extremamente baixa de reflexão de luz dessa cutícula é semelhante a das espécies citadas acima, ficando abaixo do 0,5% da luz incidente – ou seja, absorvendo mais de 99% dela. No caso das formigas-feiticeiras, a coloração ultrapreta é causada por uma microestrutura hierárquica que combina rugosidade e depressões nanométricas. Essas superfícies contribuem para funções biológicas como camuflagem e proteção térmica do inseto. Além de explicar as vantagens evolutivas associadas à característica, a pesquisa destaca o potencial de inspiração biomimética para o desenvolvimento de materiais ultrapretos para os campos de óptica, camuflagem e captura de energia solar. Fazenda de energia solar de Ribeirão Bonito — Foto: Reprodução EPTV “É a primeira vez que esse tipo de coloração é descrita para toda uma ordem, a ordem Hymenoptera, que vai abranger as formigas, as abelhas e as vespas”, explica o biólogo Vinicius Marques Lopez, um dos autores do artigo. “O que os estudos sugerem até agora é que a coloração das fêmeas parece estar mais associada a uma função antipredatória, especialmente quando consideramos outras características de defesa, como o ferrão potente e um exoesqueleto muito duro”. Em sua pesquisa de doutorado, Vinicius fez análises para modelar a visão de possíveis predadores, como sapos, aves e lagartos, em ambientes abertos e florestais do Cerrado, que é um dos principais habitats de T. bifurca. “Estudei a capacidade visual dos predadores em detectar a presença de T. bifurca em diferentes ambientes do Cerrado. Nossos resultados indicaram que a combinação da coloração ultraescura com faixas de pelos brancos podem ajudar as fêmeas a se camuflarem, tornando-as menos visíveis para seus predadores”, relata ele. Assim, é mais provável que essa coloração tenha evoluído como uma estratégia de defesa, auxiliando na proteção contra predadores e/ou interações com hospedeiros. Inseto ‘indestrutível’ Com uma das picadas mais dolorosas da natureza, a Traumatomutilla bifurca também possui um exoesqueleto muito resistente, que pode suportar esmagamentos e mordidas. Formiga-feiticeira registrada em Conceição (PB) — Foto: Frederico Acaz Sonntag / iNaturalist O padrão de cores da espécie é conhecido como aposemático, ou seja, já mostra a quem se aproximar que se trata de um animal perigoso. Até o momento, os cientistas não conhecem animais capazes de predá-la, o que a torna um inseto quase “indestrutível”. Apesar do nome, o a formiga-feiticeira é, na verdade, uma vespa da família Mutillidae. De acordo com estudiosos da área, a anatomia dos mutilídeos é muito semelhante à das formigas e isso pode ter gerado uma confusão na hora de nomeá-la. Amplamente distribuída no Brasil, a espécie habita principalmente áreas abertas no Cerrado e na Caatinga, ocorrendo também em habitats florestais próximos a paisagens abertas. Assim como nos seres humanos, formigas-feiticeiras mais escuras tem mais melanina do que as mais claras. Estudos anteriores mostraram que animais mais escuros tendem a ocorrer em lugares com maior radiação solar, mais úmidos e com maior densidade de florestas. Outra curiosidade interessante sobre a espécie é o comportamento parasitoide. Para completar seu ciclo de vida, a fêmea coloca ovo na pupa de um hospedeiro, uma abelha por exemplo. Assim que nasce, o filhote da feiticeira mata e come a abelha. Aplicações potenciais De acordo com o pesquisador Rhainer Guillermo Ferreira, também autor do artigo, a descoberta pode levar ao desenvolvimento de tintas e superfícies que beneficiem processos industriais – como salas de controle e outros ambientes que exigem um fundo escuro. “Por exemplo, diversos componentes químicos reagem à presença da luz, e evitar essa interação geralmente envolve custos elevados. Em relação a painéis solares, é possível que a absorção de mais luz aumente a eficiência”, comenta o especialista. Formiga-feiticeira registrada no Tocantins — Foto: tsssss/iNaturalist Além disso, a camuflagem – especialmente em ambientes militares (como drones ultranegros à noite) – e a aplicação térmica de materiais biomiméticos podem ser áreas promissoras para esse tipo de tecnologia, segundo Rhainer. Segundo Vinicius, o próximo passo para transformar as descobertas em um material utilizável será envolver engenheiros e especialistas em materiais, caso decidam desenvolver isso. O maior desafio técnico, no momento, é garantir financiamento, já que o investimento de empresas brasileiras nesse tipo de tecnologia é limitado. “Acreditamos que o maior investimento virá de empresas internacionais, como as da Alemanha. A criação do material biomimético é um desafio de longo prazo, mas temos parcerias capazes de lidar com isso. O maior obstáculo será a longa jornada para refinar e testar as propriedades do material, o que pode levar mais de uma década”, diz. “Estamos planejando expandir essa investigação não apenas para outras espécies de formigas-feiticeiras, mas também para outras espécies da ordem Hymenoptera, que inclui formigas, abelhas e outras vespas”, finaliza o biólogo. VÍDEOS: Destaques Terra da Gente