O que explica o sucesso de ‘Divertida Mente 2’, que bate recordes de bilheteria (e de memes)

O que explica o sucesso de ‘Divertida Mente 2’, que bate recordes de bilheteria (e de memes)

Ninguém esperava que “Divertida Mente 2” fosse mal nas bilheterias. Mas talvez ninguém esperasse que fosse tão bem. Na última semana, a história das emoções na cabeça de Riley, agora uma pré-adolescente, tornou-se a maior bilheteria da história nos cinemas do Brasil, ultrapassando “Vingadores: Ultimato” (2019), o clássico dos clássicos “Titanic” (1997) e “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” (2021). Neste fim de semana, a animação da Disney-Pixar também vai alcançar o maior público de todos os tempos por aqui, ultrapassando os Vingadores em número de espectadores. Comecei a desconfiar do tamanho do sucesso quando fui com quase toda a família –mãe, irmã, cunhado, sobrinhos– assistir ao filme lá pela terceira semana em cartaz. A fila da pipoca dava voltas e mais voltas, crianças de todas as idades corriam pelo saguão do cinema. Se só o meu bonde familiar estava comprando sete ingressos, comecei a multiplicar isso pelas famílias que estavam ali. Na minha sala, um grupo de meninas de uns 13 anos, como Riley, tinha as caras pintadas com as emoções do filme: o amarelo da Alegria, o azul da Tristeza, o vermelho da Raiva. Nenhuma delas se aventurou no laranja da Ansiedade –ainda que, claramente, essa fosse a emoção dominante enquanto elas faziam suas selfies pós-filme. Como todo lançamento da Disney, “Divertida Mente 2” foi pensado para toda a família, para agradar aos adultos tanto quanto às crianças. Mas desconfio que a chave desse megassucesso esteja em outra parte: a sequência demorou demais pra sair. Nove anos se passaram desde o primeiro filme. Essa janela costuma ser mortal para muitas sequências –vamos ver como se saem, por exemplo, os brasileiros “Estômago 2” (que estreia em agosto, 16 anos depois do primeiro filme) e “O Auto da Compadecida 2” (que estreia no Natal, 24 anos depois do original). No caso de “Divertida Mente”, uma nova geração de crianças viu o filme pela primeira vez no streaming ou na TV, se apaixonou pela história e sonhou com essa sequência por um bom tempo. Ninguém segura um desejo represado por tantos anos (Freud nunca disse isso, mas estou certo que assinaria embaixo). DO TESÃO AO CONTROLE DE GASTOS Como tudo hoje em dia, o sucesso de “Divertida Mente 2” também se mede em… memes. Só nos últimos dias, perdi as contas de quantos vi nas redes. Vão desde “Olá! Eu sou a nova emoção dentro da sua cabeça: o tesão!”, colado com uma foto do Xamã, do Wagner Moura ou do rapper Baco Exu do Blues, até um fantasma com a camisa do Fluminense falando “Oi, eu sou o pavor do rebaixamento!” para as outras emoções. Algum evangélico letrado em Inteligência Artificial desenhou Jesus no mesmo padrão do filme, colocou-o no centro do painel de controle do cérebro e escreveu: “Deixe Jesus controlar suas emoções”. A onda chegou até Brasília, quando o Banco Central deu uma boa cutucada em Lula ao postar no seu Insta outra emoção: a vontade de gastar sem poder. Laranja como a Ansiedade do filme, ela segurava um cartão de crédito azul e sacolas de compras (não vou nem comentar o machismo, como se só as mulheres gastassem acima do limite). Irritado, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) respondeu com outra emoção: Lula dizendo “Já já eu vou trocar o Campos Neto” (presidente do BC). Resumindo: tem emoção pra todo mundo, e brasileiro é mesmo um povo emocionado. Duvido que os americanos sejam mais criativos do que nós. Tem gente que reclama da enxurrada de memes sobre um mesmo tema. Pelo menos eles fazem rir. O pior é ver também a quantidade de influenciadores e “coaches” de inteligência emocional pegando carona em “Divertida Mente 2” e dizendo mediocridades como “o filme é brilhante porque nos ensina como a ansiedade é uma emoção perigosa e pode dominar todas as outras”. Sinceramente… Se a pessoa só aprendeu isso depois de ver um filme da Disney, é melhor parar de influenciar os outros agora mesmo. Thiago Stivaletti Salvar artigos Recurso exclusivo para assinantes assine ou faça login Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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