Também se trata de uma região rica em biodiversidade e uma unidade de conservação de uso sustentável. Todo o Tanquã ocupa uma área equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo. Ao g1, o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara explicou o que é, como surgiu, quais são as proteções existentes à APA e detalhou a fauna e flora existentes no local. Membro do Corredor Caipira, projeto socioambiental e agroecológico patrocinado pela Petrobras que, entre outras iniciativas, realiza recuperação de áreas naturais degradadas, o docente também comentou como a mortandade de peixes pode impactar no ecossistema da região. Confira abaixo: Imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após poluição g1: O que é e como surgiu o Tanquã? Flávio Gandara: O Tanquã é uma área formada por grande quantidade de rios, lagoas, braços de rio, ou seja, uma área úmida. E ele é formado justamente na foz do Rio Piracicaba, justamente quando esse rio chega no Rio Tietê, no início do reservatório formado pela barragem de Barra Bonita. E essa área de remansos surgiu justamente com a construção da barragem de Barra Bonita, na década de 1950. ARQUIVO: Tanquã abriga cerca de 170 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios — Foto: Katiucia Medeiros E com o represamento do rio Tietê, isso provocou uma diminuição da velocidade da água e essa água lenta na formação do início do reservatório provocou a formação de lagoas, braços de rio, meandros, formando uma grande área pantanosa, alagada, que sofre influências da flutuação do nível desse reservatório e das cheias do Rio Piracicaba e Tietê. E essa área, desde então, tem uma grande importância biológica pela importância dessas áreas úmidas para a manutenção da vida aquática, relacionada a aves principalmente, mas também a mamíferos. Tem uma grande diversidade de plantas e muitas delas aquáticas que ocorrem nesse local e por causa de tudo isso ela é chamada então de mini pantanal paulista. ARQUIVO: ave repousa em pedaço de madeira no Tanquã, em Piracicaba, entre 2021 e 2022 — Foto: Divulgação/Corredor Caipira g1: Por que ele tem o apelido de “minipantanal paulista”? É um bioma do pantanal? Flávio Gandara: Não é [bioma do Panatal]. O Pantanal é uma região biogeográfica que está localizada lá na região centro-oeste do Brasil. Mas aqui no interior do Estado de São Paulo, e em algumas outras regiões do Brasil, temos áreas alagadas também. E por causa da mesma região biogeográfica, a gente tem bastante espécies em comum. Então, boa parte das aves aquáticas que ocorrem no Tanquã ocorrem também na região do Pantanal, assim como em relação às plantas aquáticas que ocorrem nessa APA. Ela tem bastante semelhança com a biota do Pantanal. Mas a gente não pode dizer que ele faz parte do bioma pantanal. APA Tanquã-Rio Piracicaba — Foto: Governo do Estado de São Paulo g1: Qual que é a importância que essa APA tem para a biodiversidade na região? Flávio Gandara: A APA do Tanquã tem uma importância muito grande por abranger um número considerável de espécies vegetais e animais e algumas espécies ameaçadas de extinção. Por exemplo, existem mais de 300 espécies de plantas que ocorrem na APA, sendo que destas, três espécies são ameaçadas de extinção. Isso envolve desde plantas aquáticas, plantas arbustivas, árvores, ou seja, uma gama bem grande de espécies que ocorrem lá. Já entre os animais, por exemplo, entre os animais vertebrados, que envolvem aves, répteis, mamíferos, anfíbios e peixes, temos 435 espécies. Destas, só de aves são 290 espécies, 12 répteis, 19 mamíferos, 25 espécies de anfíbios e 89 de peixes. Também é um número bastante grande. Dessas espécies de vertebrados, nós temos 19 espécies ameaçadas de extinção e algumas dessas espécies não são somente residentes do Tanquã, mas são espécies migratórias. APA Tanquã-Rio Piracicaba é considerada um santuário para fauna — Foto: Governo do Estado de São Paulo O Tanquã é uma área de passagem para espécies, principalmente de aves e de peixes, que vão depois percorrer rios ou voar para outras regiões do Brasil ou da América. Tem migrantes de longa distância que vem lá da América do Norte. Já entre os invertebrados, também tem muitas espécies na região. Por exemplo, entre os moluscos, só nesse grupo, temos 8 espécies já registradas que estão ameaçadas de extinção lá. Então, aí é um problema sério. Se essa região sofrer impactos, vai causar, provavelmente, extinções de espécies já bastante vulneráveis. É uma região de grande importância biológica. Tanquã abriga uma série de animais aquáticos, inclusive espécies ameaças de extinção — Foto: Governo do Estado de São Paulo g1: Quais são os regramentos de proteção que ele carrega por ser uma APA? O que pode e o que não pode nessa região? Flávio Gandara: O Tanquã está sob uma classificação de área de proteção que é uma unidade de conservação. Todas as questões legais envolvendo unidades de conservação são regradas por uma lei federal, que é o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Em 2018, ela foi elevada a essa categoria de APA. É uma unidade de conservação de uso sustentável. Significa que, além de conservar a biodiversidade e os recursos naturais, essa área pode sofrer processos de uso direto. Tanquã se formou nos anos 1950 — Foto: Governo do Estado de São Paulo Só que esse uso direto tem uma série de regramentos. Esse regramento de cada unidade de conservação é ditado pelo seu plano de manejo. No plano de manejo [do Tanquã] são determinadas duas zonas. Uma que é chamada de Zona de Uso Sustentável, que é justamente aquela área onde já tem mais atividades humanas, e já tem pessoas morando, tem vilas, tem propriedades rurais, etc. Nessa Zona de Uso Sustentável, o plano de manejo diz que essas áreas têm que sofrer um processo de conservação, melhorar as questões de tratamento de efluentes, melhorar as questões de conservação do solo, além das leis ambientais que envolvem todas as áreas rurais no Brasil. Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba — Foto: g1 E depois temos também uma outra zona, que é chamada de Zona de Proteção dos Atributos, que envolve mais a região leste da APA, que é justamente as áreas de remanso, de lagoas, onde se concentram as áreas alagáveis. Essa é a principal área inundada, que envolve essas lagoas, os bancos de sedimentos, que é a principal área de habitat temporário para várias espécies aquáticas e peixes, etc. Então, essa área tem um grau de proteção maior. Nessa parte você não pode ter nenhum uso poluidor relacionado a esse local. E a vegetação deve ser mantida, e onde ela já sofreu um processo de alteração, essa vegetação deve ser restaurada. Faixa branca entre a vegetação são milhares de peixes mortos no Tanquã, em imagem feita de drone — Foto: Reprodução/EPTV Para qualquer atividade a ser feita dentro da APA, ela precisa passar por uma análise de impacto ambiental, um licenciamento ambiental feito pela Secretaria de Saúde do Ambiente, e também envolvendo a opinião do Conselho Gestor da APA do Tanquã. g1: Ele pode ser considerado um santuário e berçário de animais? Flávio Gandara: Sim. É uma extensa área úmida alagada. São 14 mil hectares, ou seja, 14 mil quarteirões, 14 mil campos de futebol, ou seja, uma área bastante grande que, pelo fato de ter em boa parte dela vegetação ainda conservada e ter essa grande disponibilidade hídrica, ela propicia um local muito importante para a ocorrência principalmente de aves aquáticas e peixes. Então, esse local, é um santuário, realmente, para essas espécies, que lá conseguem encontrar recursos. Ou seja, encontrar alimento, abrigo, e também reproduzirem-se ou então passarem por esse local para irem para outros locais de reprodução. Então, é uma área realmente acolhedora para esses animais. Eu citei principalmente aves e peixes, mas também é importante para mamíferos, répteis e também outros invertebrados. Então, realmente é uma espécie de santuário, realmente, podemos chamá-la assim. Mortandade de peixes no Tanquã, em Piracicaba — Foto: Rodrigo Pereira/ g1 g1: Seria um local com maior quantidade de peixes também por esse motivo? Flávio Gandara: Tendo 89 espécies de peixe, é uma quantidade muito grande de peixes. Nós temos peixes de grande porte, que vão viver mais nos leitos principais do Rio Piracicaba, e alguns deles são migratórios e percorrem longas distâncias, indo desovar nas cabeceiras da bacia, depois voltam para as áreas mais baixas, indo lá para o Reservatório de Barra Bonita, ou até mesmo descendo as comportas para partes mais baixas do Rio Tietê. Então, é uma diversidade bastante grande de peixes de grande porte, mas tem muito peixes pequenos, peixes que estão relacionados aos meandros, às lagoas. Ou seja, é uma área que tem uma diversidade de habitats muito grande. E, portanto, propicia ter uma diversidade de espécies de peixes também bastante grande. Por isso também é um santuário para a ocorrência dessas espécies. Pescadores relatam reflexos de mortandade de peixes na APA Tanquã, em São Pedro g1: Qual é o impacto para a biodiversidade que essa mortandade pode trazer? Flávio Gandara: Pelo que eu conheço da dinâmica do Tanquã, esse impacto causado pela mortandade de peixes em grande quantidade vai ser extremamente alto. Nós tivemos várias espécies de peixes que morreram e em grande quantidade. E a questão não é só os peixes, porque os peixes estão na base da cadeia trófica, eles são alimento para as aves aquáticas. Quase todas elas se alimentam de peixes e outros organismos aquáticos, que foram diretamente afetados. Então, as aves vão ser também indiretamente afetadas nesse processo. E a decomposição desses peixes vai também gerar um impacto muito grande, por isso que a retirada desses peixes mortos desse local precisa ser feita o quanto antes, para que eles não gerem mais toxinas ainda, decorrentes da sua decomposição. Esse impacto provavelmente vai levar muitos anos para ser revertido, já que a reprodução desses peixes vai demorar para acontecer porque morreram muitos animais adultos de grande porte e esses animais vão demorar para serem repostos dentro daquela comunidade. Então, o impacto realmente é muito grande e espero que os órgãos ambientais, a Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], atuem firmemente na autuação da empresa responsável por esse crime ambiental e que isso sirva de exemplo para que outras empresas não o façam daqui para frente. Peixes mortos em ‘curva de canal’ do Tanquã, em São Pedro — Foto: Rodrigo Pereira/ g1 VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e Região