Em um editorial para o L’Osservatore Romano, o Prefeito do Dicastério para a Comunicação se detém sobre as passagens mais importantes do discurso de Francisco neste domingo (07/07), no encerramento das Semanas Sociais dos católicos na Itália. Paolo Ruffini Há uma pergunta dirigida a todos, e não apenas aos chamados políticos de profissão, no discurso do Papa Francisco neste domingo em Trieste. O que é política para nós? E, ligada a ela, há outra, na verdade, há duas: o que é democracia? E qual é o papel de cada um, e, portanto, também dos cristãos, dos católicos, na crise das democracias? Essas não são perguntas escolares. Na verdade, são o oposto. De fato, elas nos pedem para sair daquele excesso de abstração em que muitas vezes nos refugiamos quando reduzimos a política a um jogo de poder, a uma aritmética ou a uma topografia, à ocupação de posições de comando; e quando transformamos a democracia em um manual frio das regras que regem esse jogo que muitos de nós – erroneamente – consideramos ser de outra pessoa. A verdade é que, ao fingirmos ser meros espectadores, em vez de atores (possíveis protagonistas de um progresso em direção ao bem comum), assistindo de camarote, acabamos agindo como Pôncio Pilatos; e o fato de lavarmos as mãos acaba agravando tanto a crise da política quanto a da democracia e, com elas, o nosso destino. A resposta do Papa Francisco é diferente; é concreta. E, na hora da crise, ele não fala em esquemas abstratos, mas nos desafia a um exame de consciência, tanto pessoal quanto coletivo. Como indivíduos e como povo. Que jogo estamos jogando? Se a política e a democracia não dizem respeito apenas a alguns (os outros: os que votam, os que governam, os que se opõem, os que militam, os que saem às ruas); se elas afetam cada um de nós, nossas vidas, nossas escolhas, e não apenas no momento da votação, se tudo está interconectado; que jogo estamos jogando? As perguntas do Papa são dirigidas a nós; e elas nos trazem de volta com os pés no chão. Elas são concretas. Como a caridade da qual a política – como Francisco repete citando seus predecessores – é a forma mais elevada. Fazem romper os esquemas construídos de polarizações. Adotam um paradigma que somente a miopia de nosso tempo não considera político. O paradigma do amor, que exige participação, que inclui tudo, “que não se contenta em tratar os efeitos, mas procura abordar as causas. E é uma forma de caridade que permite que a política esteja à altura de suas responsabilidades e de sair das polarizações”. Que lugar a caridade, o amor ao próximo, ocupa em nosso raciocínio político? A caridade – como enfatiza o Papa – é concreta. É inclusiva. Ela nos conhece nome por nome. Ela nos chama pelo nome para assumirmos uma responsabilidade pessoal no caminho rumo a um desenvolvimento mais humano. Ela nos envolve na construção de uma alternativa à atrofia moral da dinâmica do desperdício. É o único antídoto verdadeiro para o câncer que corrói a política e as democracias, que se alimenta do ódio e da indiferença. Cabe a cada um de nós não reduzir a política, da qual todos nós precisamos, a uma soma de números, de porcentagens. A uma “caixa vazia” a ser ocupada. Cabe a cada um de nós restituir-lhe a esperança, a profecia de um futuro a ser construído juntos, todos juntos; a beleza de compartilhar projetos e histórias na construção do bem comum. Política – disse-nos o Papa – é “participação”. É “um cuidar do todo”. É “pensar-se como povo e não como eu ou meu clã, minha família, meus amigos”. Não é populismo. Não, é outra coisa”. A participação é responsável; o populismo, ao invés, anula a responsabilidade, que é individual, na indistinção da massa. Pensar grande, arregaçar as mangas para fazer grandes coisas, juntos. Essa é a tarefa dos católicos na política. Com os pés no chão, mas com grandes ideais. Idealistas com um grande senso da realidade e do limite; conscientes de que podem mudar a realidade. Passo a passo. Em um caminho que sempre continua. Sem mudar o caminho – como dizia padre Primo Mazzolari – em um ponto de chegada e de posse. “Uma fé autêntica”, escreve o Papa Francisco na Evangelii gaudium, “implica sempre um profundo desejo de mudar o mundo, de transmitir valores, de deixar algo melhor depois de nossa passagem pela terra”. Padre Primo Mazzolari traduzia tudo isso convidando-nos a olhar para o alto: não para a direita, nem para a esquerda, nem para o centro, mas para o alto. Começando por ser homens novos em vez de aventureiros do novo. Homens e mulheres capazes de assumir e honrar livremente um compromisso em vez de agir como Pôncio Pilatos. Que não ficam à margem da luta pela justiça. Que não transformam a paixão em rancor, a justiça em um ajuste de contas sumário; que não renegam o fim com os meios; que não se rendam à cultura da hipérbole, que não pregam soluções mágicas; que não renunciam à regra da caridade na política. Homens e mulheres que não se iludem com a possibilidade de construir o paraíso na terra, que não trocam a política com o desafio de um momento de quem vence e quem perde, mas que a vivam como um caminho para o qual todos nós somos chamados. Um chamado para sempre fazer melhor. As palavras de Aldo Moro, quando era um jovem professor universitário, vêm à mente como um parâmetro para nosso exame de consciência: ‘provavelmente, apesar de tudo, a evolução histórica, da qual teremos sido os determinantes, não satisfará nossas ideais exigências; a esplêndida promessa, que parece estar contida na força e na beleza intrínsecas desses ideais, não será cumprida. Isso significa que os homens sempre terão de permanecer perante do direito e do Estado em uma posição de mais ou menos agudo pessimismo. E sua dor nunca será totalmente confortada. Mas essa insatisfação, essa dor, é a mesma insatisfação do homem diante da sua vida, que muitas vezes é mais angusta e mesquinha do que sua ideal beleza pareceria legitimamente levar alguém a esperar. É a dor do homem que continuamente acha tudo menor do que gostaria, cuja vida é tão diferente do ideal acalentado em seu sonho. É uma dor que não cede, a não ser um pouco, quando confessada a almas que entendem ou que cantaram na arte, ou quando a força de uma fé ou a beleza da natureza dissolvem essa ansiedade e restauram a paz. Talvez o destino do homem não seja realizar plenamente a justiça, mas ter fome e sede perpétuas de justiça. Mas esse é sempre um grande destino”. Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui