Rio de Janeiro
Eles conheceram a fama ainda crianças, nos anos 1980 e 1990, e desde cedo aprenderam a ter grandes responsabilidades. O cotidiano era atípico: as brincadeiras de infância muitas vezes deram lugar aos compromissos nos palcos ou estúdios de TV.
Embora tenham escolhido esse caminho, as outrora estrelas mirins nem sempre foram felizes quando eram pequenas. O F5 conversou com algumas celebridades infantis do passado sobre o sucesso precoce e os impactos que ele pode ter trazido às suas vidas.
Nos anos 1980, o cabelo espetado e os mullets de Patrick de Oliveira, 43, viraram mania entre os meninos. Ele começou na publicidade —”Garoto esperto! Sete anos de praia!”, dizia, num comercial de filtro solar. Foi nesta idade que passou a comandar o programa Cometa Alegria, na extinta TV Manchete.
Logo depois vieram as novelas globais. Patrick também se dedicou à dublagem de animações como “O Rei Leão”. Apesar de ter trabalhado bastante, ele discorda que tenha perdido algo: “Levava meus brinquedos para o estúdio, os meus amigos eram a equipe, não tive esse sentimento de perda da infância”.
Eduardo Caldas, 40, já foi considerado o ‘Macaulay Culkin brasileiro’, e figura como o ator infantil que mais fez novelas no país. Durante dez anos atuou intensamente, mas decidiu dar um tempo no início da adolescência. Nascido em uma família musical, filho do guitarrista e compositor Robertinho de Recife e da cantora Emilia Caldas [integrante do grupo Afrodite Se Quiser], ele despontou para o sucesso aos sete anos na novela “Felicidade” (1991), seguida por inúmeras outras aparições.
Indagado sobre a fama precoce, comentou: “Eu não podia, por exemplo, ir à praia, pois se pegasse sol ia estragar a continuidade de cena, faltava às festas, fora que as outras crianças se sentem desprestigiadas pela atenção que você recebe e acabam te excluindo, fazendo bullying”, diz. “Mas houve ganhos também”, pondera.
No ano passado, Caldas dirigiu um projeto documental sobre a notoriedade infantil e suas implicações. “Entrevistei mais de 65 ex-atores mirins dos anos 1970 e 2000 sobre o que significou ter sido sujeitado tão cedo a tanta responsabilidade e exposição” conta.
Aos 14 anos, a atriz Flávia Monteiro, 52, conquistou reconhecimento nacional ao protagonizar o polêmico filme “A Menina do Lado”, em 1987. Para a veterana artista, é preciso haver um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal quando se inicia cedo: “Trabalhei muito, abri mão do lazer e do descanso muitas vezes em prol da minha profissão. Hoje já repenso. Equalizar isso é importante para não ter perdas significativas no ambiente sócio-emocional do adolescente”.
O lado B da fama
O carinho do público foi apontado como o principal aspecto positivo do sucesso prematuro, contudo, o “lado B” também existe. Aline Menezes, 41, iniciou a carreira aos cinco anos, e aos oito estreou em “Felicidade”. Desde então, foram vários trabalhos, e apesar de achar “divertida” a rotina de gravações, ela admitiu também as perdas.
“Perdi a liberdade de poder brincar na rua, de ter tempo de ir em festinhas… Mas para mim os estúdios eram um parque de diversões”, diz. Flávia compartilha de opinião semelhante. “Como toda escolha tem ganhos e perdas, e foi opção minha ser atriz e estava feliz ali, não tenho lacunas dentro de mim”.
No início dos anos 1980, Luciano Nassyn era uma das crianças mais famosas do país com o grupo Trem da Alegria. Apesar da agenda de shows na época, ele garante que não deixou de viver sua infância. “Meus pais me incentivavam a brincar na rua e estudar, mas é claro que as responsabilidades eram imensas, devo ter perdido algumas coisas, mas não sei mensurar quais”.
Caldas também falou sobre os ônus e os bônus de ser um astro infantil: “Cresci no meio dos mais brilhantes artistas do país, sendo exposto ao meu ‘Eu artista’ muito cedo. Viajei muito e pude assegurar uma vida financeira ainda mais tranquila. Dá pra ver o lado bom e o ruim, mas isso é uma questão de visão de mundo”.
Perguntado se acha que a notoriedade infantil pode prejudicar a construção da personalidade, Caldas diz considerar que a fama e o sucesso podem ser “problemáticos” a formação de um indivíduo. “São conceitos ilusórios, cheios de armadilhas. Você entende a existência do seu ego mais cedo; o que geralmente acarreta cobranças e ilusões de grandeza”.
Para Flávia, que se tornou ídolo infantil por “Chiquititas” [1997-2001], ter uma base é fundamental. “Você precisa de uma estrutura familiar muito forte, para que a fama e nem o fracasso destruam aquele jovem sem preparo nenhum emocional”.
Apesar de ser lembrado até hoje pelo personagem Cabeção, de “Malhação”, Sergio Hondjakoff, 40, começou muito antes. Ainda criança, integrou o grupo musical Terra Encantada e logo depois foi para a televisão. Sobre as dores e as delícias de ser uma celebridade, ele apontou o senso de responsabilidade ainda cedo, mas também ressaltou os danos ao abdicar, muitas vezes, do lado pessoal.
“Era adepto da cannabis aos 17 anos, fazia uso diariamente em casa para dormir, me relaxava, estudava os textos sob efeito, no começo era funcional, mas após um tempo fiquei com uma predisposição”.
Em seguida ele faz uma longa pausa e continua: “Com esse lance da fama, minha frustração de não ter tempo para vida pessoal, de estar sempre trabalhando, e com meu TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), acho que não fui tão eficiente na conduta da minha psique em função do ofício”..
Planos para os filhos
A lista de astros infantis é longa. Os ídolos do passado hoje são pais, com o perdão do clichê, a pergunta é inevitável —incentivariam os filhos a seguirem o mesmo caminho? Pai de Benjamin, de quatro anos, Hondjakoff não vê problemas, embora deduza que ele será um gamer: “Se meu filho tomar gosto pela arte, vou apoiá-lo”, disse.
Caldas tem outro ponto de vista a respeito. “Eu não incentivaria a trabalhar como ator ou qualquer outra coisa. A única ‘profissão’ possível a uma criança deveria ser a de estudante”, afirmou ele, que não tem filhos —nem pretende ter.
Nassyn, pai de Lorenzo Gabriel, 6, concorda com o ator. “Não tenho a menor vontade, nem a mãe dele, de incentivar uma carreira predefinida, como aconteceu comigo”. Para Patrick, o interesse deve partir sempre da criança. “O ‘querer’ é o grande diferencial nessa situação, tem que ser uma vontade dele”.
E eles cresceram
A maioria dos entrevistados não é nostálgica, diz preferir viver o presente. Há 12 anos, Luciano Nassyn se dedica às terapias holísticas e faz shows com a sua banda. Atualmente, Patrick e a esposa [a ex-paquita Thalita Ribeiro] têm uma empresa de gestão de carreira de atletas esportivos, e são pais do pequeno Théo, de cinco anos. Recentemente, Hondjakoff investiu na política, mas não foi eleito vereador no Rio.
Flávia Monteiro segue atuante, conciliando cinema e teatro, além de ser mãe de Sophia, de nove anos. Ainda sem previsão de estreia, Eduardo Caldas adianta que seu projeto “Atormentados” dará origem a uma série de podcast e um documentário.
Ele explica do que se trata: “Vou revelar pela primeira vez os motivos que me fizeram largar tudo aos 14 anos, por que eu quis fugir do olhar público. Resolvi falar agora, 25 anos depois, sobre isso”. Indagado sobre uma possível saudade do passado, ele reflete: “Não tenho. Meu olhar sempre foi o futuro”.