Lar Comunidade ‘Não faria sentido esse musical sem travestis’, dizem atrizes de ‘Priscilla, a Rainha do Deserto’

‘Não faria sentido esse musical sem travestis’, dizem atrizes de ‘Priscilla, a Rainha do Deserto’

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São Paulo

Em cartaz em São Paulo, “Priscilla, a Rainha do Deserto”, conta a história de três drag queens de perfis totalmente diferentes que atravessam o deserto de Outback, na Austrália, para se apresentarem do outro lado do país.

O meio de transporte é o ônibus Priscilla, onde a convivência do trio, no início truncada e espinhosa, se desenrola em um laço de amizade e cuidado mútuo, em que cada membro desconstrói seus tabus.

Reynaldo Gianecchini, que vive o protagonista Tick, e Diego Martins, que faz a jovem drag Felicia, dividem o palco ora com Wallie Ruy, ora com Verónica Valenttino, duas atrizes trans que se revezam no papel de Bernadette Bassenger.

Protagonismo e ‘transcestralidade’

“Somos de escolas diferentes e é isso que traz cores plurais para a peça”, diz Wallie, cria do Teatro Oficina, de Zé Celso Martinez Corrêa (1937-2023). “Tem sido muito rico ver as diferentes escolas dialogando e isso se reflete no palco. Giane faz o Tick, que tem questões e tabus que se cruzam com as narrativas do próprio Giane. Diego é o caçula do grupo e esse espetáculo tem a cara dele, essa coisa showgirl, meio RuPaul. E a Bernadette é a matriarca acolhedora”, descreve.

Para a dupla, trazer Bernadette aos palcos é um resgate da própria ancestralidade, ou, como dizem, a “transcestralidade”. “Não faria sentido esse musical acontecer se não tivessem travestis fazendo uma travesti”, continua Wallie.

“A gente está, pela primeira vez, retomando a este lugar que é nosso”, concorda Verónica. “A Bernadette é personagem travesti que sempre foi interpretada por homens cisgêneros. Para além da representatividade, a gente trabalha nesse espetáculo a proporcionalidade, que é um outro grande triunfo”, diz.

As duas, que já se conheciam de longa data, mas nunca tinham trabalhado juntas, se cruzaram na primeira fase das audições. Uma torceu pela outra, quem sabe contracenariam?. Acabaram selecionadas para o mesmo papel. “É muito bonito poder compartilhar a feitura dessa personagem com a Verónica”, diz Wallie.

“Fazer esse espetáculo hoje, compartilhando essa personagem com outra travesti, é o que justifica essa montagem. Quando falamos sobre empregabilidade e inclusão da população trans no mercado de trabalho, falamos também sobre proporcionalidade: é importante que não seja uma, mas que sejam muitas”, diz Verónica.

Abrir caminho para novos artistas trans se enxergarem numa posição de possibilidade, e não apenas de “sonho inalcançável” é o que move a dupla também para além dos palcos. “Tem uma frase que eu uso muito: você vai ser a ancestral de alguém amanhã”, diz Wallie.

Trajetórias

Há quase uma década no Oficina, Wallie Ruy iniciou a carreira com performances independentes, sempre carregadas de contexto político. Já esteve na TV aberta e no streaming em “Carcereiros” (Globoplay), “Aruanas” (Globo) “Spectros” e “Reality Z” (Netflix). Foi premiada com um Kikito no Festival de Gramado pelo filme “Marie”.

“Foi no teatro Oficina que me percebi possível como artista trans, criadora e protagonista da minha própria história. Sou também filha de Zé Celso e ele continua sendo minha referência, não só ele mas todo esse espaço”, diz ela, que escreveu e protagonizou o musical “Wonder – Vem pra Barra Pesada”. Inspirado na trajetória de Claudia Wonder, o espetáculo rendeu uma indicação ao Prêmio Shell de Teatro. Atualmente, se divide entre os palcos e as aulas de interpretação para TV, cinema e publicidade no Senac.

Já as origens de Verónica Valenttino remontam ao coletivo As Travestidas, criado em Fortaleza há 20 anos por ela e Silvero Pereira, entre outros nomes. Protagonizou espetáculos como “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” e “Teoria King Kong”. Foi a primeira atriz trans a receber os prêmios Shell e Bibi Ferreira, ambos por “Brenda Lee”.

“Priscilla, a Rainha do Deserto”, está em cartaz em São Paulo até o dia 1º de setembro.

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