O parque, que ocupa o sítio de 52 hectares da família, começou a receber visitas em novembro e integra arte, educação e natureza (veja vídeo abaixo). Parque é inaugurado em sítio dos irmãos Campana em Brotas “Eu e Fernando herdamos isso há 25 anos. Naquela época, a gente não tinha consciência de fazer isso, mas a gente sempre quis preservar, a gente arrendou para gado para ninguém invadir e plantamos 16 mil mudas de árvores para trazer os animais. A gente queria um lugar de proteção dos animais que não tem mais aqui na região, morreram todos”, diz Humberto. O mandacaru usado para cercar um dos pavilhões remonta à cerca do vizinho da casa da família na cidade, o bambuzal que serve de base para outro espaço remete a uma grande touceira da planta na qual Humberto brincava de circo, na infância. O tanque de areia da escola que os irmãos estudaram também está presente no parque. Humberto Campana em um dos pavilhões criados por ele para o parque em seu sítio em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 Os pavilhões têm nomes de pessoas importantes na vida dos irmãos. O pavilhão Alberto, é uma homenagem ao pai e faz referência a um presente que ele deu a Humberto. “Quando Brasília foi inaugurada anos 60, o padre da cidade pediu a meu pai, que era artesão – além de ser agrônomo – para ele desenhar uma catedral e meu pai fez uma réplica perfeita da catedral do Niemeyer. Quanto terminou a procissão, ele a deu de presente para mim. São memórias afetivas”, conta o designer. Integração com a natureza Humberto Campana em um dos pavilhões criados por ele para a galeria a céu aberto em seu sítio em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 Os espaços são feitos com materiais naturais existentes no próprio sítio, como bambu, eucalipto, mandacaru, palha e agave, em harmonia com a paisagem ao redor. “Comecei a fazer pavilhões de plantas vivas, elas vão crescer e criar arquitetura, aplicando o que é meu conhecimento na carreira de design. Eu ampliei o móvel para as pessoas entrarem nele, penetrarem. É um espaço de cura do espírito, que é um convite às pessoas tirarem o sapato em alguns pavilhões, sentirem a água, a areia o perfume das plantas, é um lugar de silêncio, é um lugar de respeito e se sentir conectado com a terra, com planeta e consigo próprio”, diz Humberto. Cadeira “vermelha”, criação dos irmãos Campana — Foto: Divulgação O designer que criou algumas das cadeiras mais famosas do mundo e já teve uma delas leiloada por US$ 44,1 mil, desenvolveu bancos de pedra e cadeira com árvores mortas no meio da natureza. “Foi tudo até agora do meu bolso, mas foi legal porque a escassez te faz ser criativo. Eu fiz tanta cadeira do nada, de plástico bolha, com pedaços de madeira, qualquer material barato e aplicar isso aqui foi uma coisa muito legal porque é um exercício de observação, você vai criar um pavilhão na natureza, você tem que respeitar lugar, não pode poluir.” Parque Campana, em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 A quantidade de pavilhões – 12, oito deles já em exposição e quatro já projetados, remete ao número de cidades etruscas na Itália, local de origem da família de Campana e também o primeiro país em que os irmãos designers fizeram sucesso. “Um dia eu tive um sonho, eu sou muito intuitivo. Sonhei que eu tinha que fazer uma conexão entre a Itália e o Brasil, mas eu não fui nos romanos eu fui na Etrúria (atualmente a região da Toscana), nos etruscos que é o início, o Pré-Romano. Minha família dos dois lados veio da Itália, e falei vou fazer 12 pavilhões que me conectem com a minha origem, de onde eu vim”, diz Humberto. Presença de Fernando A ideia da criação do parque surgiu durante a pausa forçada causada pela pandemia. “Nós éramos nômades, viajávamos uma vez a três vezes por mês para o exterior, aquela loucura. Teve a pandemia e todo mundo ficou preso em São Paulo, em suas casas, e aí eu falei ‘eu vou para Brotas’. Eu comecei a ficar aqui, vinha para o sítio e deu um estalo. Eu dei aula no mundo inteiro, eu e o Fernando, workshops e palestras. Por que eu não posso fazer uma coisa assim na minha cidade para minha comunidade? Eu acho que essa região é muito carente de arte, não tem um lugar que fala e que contamina as pessoas com arte e com educação ambiental”, afirma Humberto. Fernando chegou a participar da concepção de alguns pavilhões e após sua morte, Humberto deu continuidade ao projeto sozinho, mas a presença do irmão ainda permanece em tudo o que é feito. “A gente às vezes acha que supera, mas não é fácil. Desde que cheguei aqui sinto que Fernando está muito próximo de mim. Hoje eu fui à casa dele – fazia tempo que não ia – pegar flores no jardim dele e levei ao cemitério e entrei em contato com ele. Ele está me inspirando muito, eu sonho muito com ele, ele indica as coisas no sonhos, o que eu tenho que fazer. Por exemplo, lá embaixo tem um pavilhão de tijolo. No dia que ele faleceu lá em São Paulo, eu achei uma mudinha de figueira – o ficus – ao lado do estúdio. Falam que o Buda nasceu embaixo de um ficus. Eu peguei aquilo, puxei, consegui trazer com a raiz e plantei num vasinho. Um dia, eu tive um sonho com ele pedindo: ‘planta a figueira lá’ e eu plantei.” Figueira plantada em homenagem a Fernando Campana, no Parque Campana, em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 A morte de Fernando mudou o processo criativo de Humberto que, por mais de três décadas, teve a parceria do irmão. “Para não sofrer, para não me abalar e parar de criar, eu ganhei garras, porque quando se trabalha em dupla você meio que fica preguiçoso para certos serviços e deixa para aquela pessoa que sabe fazer bem aquilo. Hoje, eu tenho que fazer tudo. Eu afiei minhas garras no sentido de não ter tempo, eu estou muito criativo. Aqui [no sítio] abriu um portal, eu crio demais. Eu tenho uma velocidade de fazer coisas, eu sei que eu vou embora logo, estou com 72 anos, então, meu tempo aqui já escasso, depois da morte do meu irmão, eu sinto essa urgência.” Pegada na sustentabilidade e no social Parque Campana, em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 Além de artístico, o Parque Campana foi criado para ser um espaço de aprendizado e conscientização ambiental. Situado em uma área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, carrega o compromisso com a restauração ambiental e a preservação dos biomas locais. As visitas serão guiadas e os visitantes terão a oportunidade de participar de uma atividade educativa opcional, com foco em conceitos de preservação ambiental e técnicas manuais. O parque será palco de um projeto pioneiro de pesquisa da USP voltado para a recuperação da paisagem natural. Pastagens degradadas serão transformadas em florestas e sistemas agrícolas sustentáveis, ecologicamente equilibrados e multifuncionais. Em uma segunda etapa do projeto, o parque abrigará um café, que deverá servir pratos com produtos que serão produzidos no próprio parque, e um museu com uma seleção especial das mais de seis mil peças do acervo do Instituto Campana, que incluem obras de design reconhecidas mundialmente. Pavilhão Alberto, no Parque Campana, em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 Humberto também quer abrir o espaço para cursos temáticos e oficinas de artesanato como cestaria, recuperando algumas tradições da cidade, e para cursos e ambientações de arte. “Eu quero trazer tudo isso, recuperar tradições que estão morrendo. Eu vou fazer os 12 de pavilhões que eu acho que eles têm que serem feitos por mim, alguns Fernando participou, mas depois eu quero instalações de amigos e colegas, ter um lugar para trazer residência de designers aqui para projetar com o que tem”, diz. Um caipira na Louis Vitton A criação do parque marca uma retomada de Humberto com Brotas, cidade em que iniciou seu processo criativo, mesmo sem saber disso. Criança tímida, com ideias progressistas demais para a cidade pequena, começou a criar um mundo próprio, cheio de imaginação. “Eu não tinha amigos, ficava plantando árvores, lendo livros e sozinho, então eu comecei a criar meu mundo, eu que fazia meus brinquedos, queria ser índio, andava descalço, fazia casas em árvores, eu plantava, eu fazia jardins zoológicos”, conta. Humberto Campana em um dos pavilhões do parque que ele criou em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 Uma das poucas coisas que despertava a sua atenção na cidade eram os filmes que eram exibidos no Cine São José. “Os filmes vinham em latas de trem de São Paulo. O dono desse cinema, José Perricelli, era um homem culto, então ele trazia ‘Teorema’, ‘Barbarella’, chanchadas, Dercy Gonçalves, Mazzaroppi. Tinha censura naquela época e ele deixava eu e o Fernando entrar, então vi tudo. A gente ia à tarde, depois tentava imitar o cenário que a gente via de filme de Tarzan de da África, adorava filme da África, da Amazônia porque era a única forma de eu me sentir protegido, acolhido. O cinema me acolheu aqui”, lembra. O mundo particular criado na infância foi a base da criatividade que colocou Humberto, juntamente com o irmão Fernando, na vanguarda do design mundial. Os “Irmãos Campana” são uns dos poucos profissionais brasileiros com peças no acervo do MoMA, em Nova Iorque, além de fazerem parceria com grandes marcas do design mundial. O parque foi aberto oficialmente no final de outubro, uma semana após a exposição da Louis Vuitton em celebração aos 40 anos do Estúdio Campana e colaboração dos irmãos brasileiros para maison e é uma retomada à cidade que oferecendo pouco, despertou muito. “Com 72 anos, acho que é amadureci, mas não perdi aquela criança. Eu tenho orgulho de ainda ter isso, aquele caipira que pode estar na Louis Vitton, na França, como aqui ou na Favela do Moinho. Eu consigo hoje circular em vários locais que eu não conseguia quando era criança. Uma vez, eu li num lugar alguma coisa budista que “a vida é um circulo que a gente sempre retoma, no final da vida a gente volta onde nasceu’ e eu falei: ‘jamais vou voltar para Brotas’ e agora eu estou aqui paguei a língua e meu futuro é esse projeto, é o meu sonho de doar. A vida me deu muita coisa e o que eu quero é ser criativo, honesto e ético.” Serviço e ingressos Parque Campana, em Brotas — Foto: Fabiana Assis/g1 O Parque Campana será aberto ao público na última sexta-feira e sábado de cada mês, exceto feriados, com ingressos limitados a 30 pessoas por período, garantindo uma experiência exclusiva e tranquila aos visitantes. Cada ingresso dá direito a uma visita guiada de uma hora e uma atividade educativa de 30 minutos, totalizando duas horas de imersão no ambiente artístico e natural do parque. Cada ingresso dá direito a uma visita guiada de uma hora (obrigatória) + atividade educativa de 30 minutos (opcional). O período de visitação é de 2 horas no total. Os ingressos podem ser adquiridos exclusivamente pelo site oficial: Inteira – R$ 50 Meia-entrada – R$ 25Crianças de até 5 anos, idosos (acima de 65 anos) e grupos de escolas públicas – entrada gratuita. Há estacionamento no local, com 20 vagas disponíveis para carros e motos (R$ 20) e vans ou microônibus (R$ 25), que podem ser reservadas no ato da compra do ingresso. A localização pode ser facilmente encontrada pelo Google Maps ou Waze, buscando por “Sítio Taquaral, Brotas”. Veja os vídeos da EPTV Central