Ao longo da vida em Araraquara (SP), Rose, como é conhecida, enfrentou o abandono da família, teve problemas com alcoolismo e quase foi morta pelo ex-companheiro. “Tenha coragem, eu tive que ter muita coragem para ser quem eu sou, e até hoje tenho que ter. Meu sonho é ser feliz”. Hoje, aos 47 anos, ela leva um sorriso no rosto e celebra uma nova vida na Casa de Acolhimento LGBTQIA+ “Ricardo Côrrea Silva”, a primeira do interior de SP a acolher LGBTs expulsos de casa e que estão em vulnerabilidade social. (veja vídeo abaixo). Casa de Acolhimento LGBTQIA+ funciona em Araraquara desde 2022 No Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, celebrado nesta sexta-feira (17), o g1 mostra a luta de Rose e outros jovens por inclusão e como é o apoio recebido na casa. Em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade como doença. A data representa um marco na luta pelos direitos do movimento LGBTQIA+. Casa Acolhedora Casa de Acolhimento LGBTQIAP+ de Araraquara é pioneira no interior do estado de São Paulo. No momento, sete pessoas vivem na casa. — Foto: Amanda Rocha/g1 A Casa de Acolhimento foi inaugurada em 2022 e abriga até 12 pessoas. No momento, sete pessoas moram no local. Atendimento psicológico e social são oferecidos, assim como uma equipe de cuidadores sociais que se revezam nos serviços. O prazo de permanência é de seis meses, com exceção de Rose que não tem mais relação com nenhum parente. “O apoio de minha família foi um desastre, não tenho contato com ninguém. Minha família agora é quem mora na casa”, contou Rose. O fluxo é intenso e 25 pessoas já passaram pela casa desde a inauguração. “A função principal é promover um ambiente acolhedor e familiar para pessoas em situação de vulnerabilidade, sem apoio da família e desprovidas de direitos”, apontou o coordenador Vitor Veiga Corne. A instituição leva o nome de Ricardo Corrêa da Silva, cabeleireiro e maquiador nascido em Araraquara e um dos primeiros ativistas LGBTQIA+ do município na década de 1970. Gay e drag queen, Ricardo era cabeleireiro e maquiador e se mudou para São Paulo. Na capital, sofreu um golpe por parte da dona do lugar onde trabalhava, ficou sem dinheiro e acabou indo parar nas ruas. Ele faleceu em 2017, seis dias após completar 60 anos. Detalhe de um quadro na parede da sala: convivência e horários devem ser respeitados para permanência na casa — Foto: Amanda Rocha/g1 Quartos, cozinha, quintal e uma sala de TV são compartilhados e um esquema de escala entre os moradores organiza o almoço, janta e limpeza do lar. Horários devem ser respeitados assim como a convivência. Rose adora ficar na parte da limpeza. Varre, limpa e cuida da casa. Ela também curte assistir clipes e ouvir música internacional, especialmente rock. “A casa é maravilhosa, é meu lar. Eu adoro limpar e arrumar tudo”. Ela divide o quarto com outras pessoas e a convivência é boa. Vaidosa, Rose adora se arrumar e se maquiar todos os dias. No ‘lookinho’, não falta a sua bolsa a tiracolo e um vestido. “Gosto de maquiar, me arrumar, me sinto melhor. Sou bastante vaidosa”, contou. Casa de Acolhimento LGBTQIA+ “Ricardo Côrrea Silva”, em Araraquara — Foto: Amanda Rocha/g1 Lutas contra o vício Segundo o coordenador da casa, um dos maiores problemas dos moradores é o vício e um dos pré-requisitos para a permanência é fazer o tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps). “Temos o Plano Individual de Atendimento (PIA) que construímos junto à psicóloga e assistente social, é um processo constante, definindo os objetivos na casa, explicando que casa não é um hotel. Alguns querem estudar, voltar a trabalhar, mas nada é imediato”, disse o coordenador. Rose já passou por internações e lutou contra o alcoolismo durante muito tempo de sua vida. Hoje, ela está bem, em acompanhamento pelo Caps. Contrariando as estatísticas Além de todas as dificuldades, Rose ainda sofreu um tentativa de homicídio pelo ex-companheiro, tendo afundamento de crânio e outras sequelas. Rose e Josi se conheceram na casa e uma amizade forte surgiu: “Minha família é quem mora na casa” — Foto: Amanda Rocha/g1 A violência ainda faz parte da rotina da comunidade trans brasileira. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a expectativa de vida de uma mulher transexual brasileira é de 35 anos, com o Brasil liderando o ranking do país mais violento contra a comunidade queer. As mulheres trans negras são as maiores vítimas da transfobia. Dados do “Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras”, de 2023, mostra que a cada três dias uma pessoa trans é assassinada no país. Em relação a 2022, houve um aumento de 10% nos casos de assassinatos, com 155 mortes, sendo 10 delas suicídio. Como procurar a ajuda da casa? Para ser abrigado na Casa de Acolhimento, a pessoa deve ser maior de 18 anos e passar por triagem no Centro de Referência e Resistência LGBTQIA+ “Nivaldo Aparecido Felipe de Miciano” (Xuxa). O endereço fica na Avenida Espanha, 536, no Centro. O telefone é (16) 3339-5002. Crime A ação foi analisada pelo Supremo por meio do plenário virtual. No pedido, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) argumenta que a equiparação é necessária para assegurar proteção à pessoa LGBTQIA+, além do coletivo. Isso porque, na literatura jurídica, há diferenciação entre racismo e injúria racial: crime de racismo: pune ofensas discriminatórias contra um grupo ou coletividadecrime de injúria racial: penaliza quem ofende a dignidade de outra pessoa utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia ou procedência nacional Sem entendimento sobre o alcance das ofensas, a ABGLT afirma que instâncias inferiores do Judiciário têm interpretado que “a ofensa racial homotransfóbica proferida contra grupos LGBTQIA+ configura racismo, mas que a ofensa dirigida ao indivíduo pertencente àquele grupo vulnerável não configura o crime de injúria racial”. Ao equiparar ofensas individuais ao crime de injúria racial, atos de discriminação contra pessoas LGBQIA+ poderão ser punidos de forma mais severa, em relação às outras penas previstas em crimes contra a honra. Segundo a lei sancionada neste ano, a injúria racial é inafiançável e imprescritível. A pena é de prisão de dois a cinco anos, que pode ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Como denunciar LGBTfobia Todos os distritos policiais do estado estão aptos a acolher as vítimas, registrar e investigar os crimes. As ocorrências também podem ser comunicadas pela internet, por meio da Delegacia da Diversidade online. VÍDEOS DA EPTV: