O questionamento foi feito no inquérito civil instaurado para apurar o caso. O promotor de Justiça Ivan Carneiro afirma que a morte em massa dos peixes, decorrente de suposto extravasamento de melaço da Usina São José, ocorrido em 7 de julho, tornou o local impróprio para a pesca artesanal por suspeitas de contaminação dos animais. Segundo a manifestação do promotor, as informações sobre o eventual auxílio serão solicitadas ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), à Casa Civil da Presidência da República e à Diretoria de Benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social. Questionado pela reportagem, o MDS informou que, até o momento, não recebeu despacho a respeito do assunto. Imagens aéreas mostram milhares de peixes mortos no Tanquã após despejo irregular de usina Solicitação de depoimentos à polícia Carneiro também requisitou que a Polícia Civil colha depoimentos de todos os funcionários da Usina São José que estavam trabalhando no período noturno do dia 6 para o dia 7 de julho, bem como dos que o sucederam. O promotor considera importante descobrir o que os trabalhadores souberam ou visualizaram sobre o extravasamento de melaço para constatar se houve um vazamento decorrente de rompimento de tanques ou tubulações ou ocorreu descarte intencional de melaço em corpo d’água como forma de evitar um descarte ambientalmente adequado em aterro sanitário, que gera mais custos. O mesmo despacho requisita à Usina São José documentos que demonstrem o eventual encaminhamento de melaço a outras empresas, que usariam o produto, por exemplo, na fabricação de condimentos e etanol. A intenção é verificar se ocorreu a saída do produto e não o vazamento do tanque que estava com o estoque baixo. Também houve solicitações do promotor de Justiça para que a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) envie as informações técnicas faltantes em dez dias, e para que a área técnica do Ministério Público envie parecer técnico sobre os danos ambientais. Recolhimento de peixes após mortandade, no Tanquã — Foto: Prefeitura de Piracicaba/CCS O que diz a empresa Em nota ao g1, a Usina São José afirmou que colabora com as investigações e nega relação com a mortandade de peixes. Confira o comunicado a seguir, na íntegra: “Até o momento, a Usina São José não foi notificada sobre o ofício do Ministério Público, mas segue colaborando com as autoridades para o esclarecimento dos fatos o mais rápido possível, assim como fez e continuará fazendo uso do seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa para restabelecer a verdade e provar a sua inocência. A empresa não reconhece nexo causal entre suas operações e a mortandade de peixes registrada ao longo do Ribeirão Tijuco Preto, Rio Piracicaba e no Tanquã. Por meio de análise técnica contratada pela usina, foi possível constatar o despejo de esgoto bruto e parâmetros de oxigênio alterados em um ponto do Ribeirão Tijuco Preto à montante da usina, ou seja, em trecho anterior a localização da sua sede, considerando o curso do rio da nascente até a foz, demonstrando a ausência de nexo de causalidade. Historicamente, tanto o Ribeirão Tijuco Preto quanto o Rio Piracicaba (e outros afluentes da região) sofrem com poluição direta e difusa, havendo um sério histórico documentado de lançamento de esgoto não tratado e de vinhaça diretamente no corpo hídrico, inclusive nos pontos em que a CETESB disse ter visto mortandade de peixe no dia 07/07/2024. Pelo menos desde 2014 são registradas mortandades de peixes, em sua grande maioria relacionadas à contaminação das águas por esgoto não tratado, eutrofização e baixa vazão do corpo hídrico, conforme Relatório de Qualidades das Águas no Estado de São Paulo publicado pela CETESB anualmente. Logo no início do ano de 2024, no mês de janeiro, quando a usina sequer tinha retomados as atividades, foi verificada uma enorme quantidade de peixes mortos no Rio Piracicaba, próximo à ponte no bairro de Monte Alegre, cuja causa foi associada à baixa vazão do rio, associada a uma alta temperatura da água e alta concentração de poluentes, em uma situação muito semelhante à ocorrida em julho do mesmo ano. No dia 22/07/2024, inclusive, houve novo episódio de mortandade de peixes no rio, próximo ao Salto do Mirante, sendo a mortandade atribuída à própria Prefeitura de Piracicaba, o que reforça a inexistência de relação com as atividades da usina e a existência de outras fontes poluidoras na região”. Mortandade na APA do Tanquã é a maior registrada, segundo pescadores — Foto: Jefferson Souza/ EPTV Relembre o caso O Ministério Público e Polícia Civil investigam o caso e a empresa diz que não foi comprovada a responsabilidade dela (veja a posição da empresa ao final da reportagem). Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba — Foto: g1 50 toneladas de peixes mortos De acordo com a companhia ambiental, ocorreu a morte de mais de 235 mil peixes (em estimativas conservadoras) na região urbana de Piracicaba, em 7 de julho, e na Área de Proteção Ambiental (APA) Tanquã, em 15 de julho. Em peso, a agência fiscalizadora estima que são, pelo menos, 50 toneladas de peixes. Nível zero de oxigênio dissolvido Análises da Cetesb constataram nível zero de oxigênio dissolvido na água (OD) ou próximo de zero, o que torna impossível a sobrevivência de animais aquáticos. Essas constatações aconteceram em diferentes pontos, como no Ribeirão Tijuco Preto, na altura do Horto Florestal de Piracicaba, no Distrito de Tupi, e na APA do Tanquã. Faixa branca em meio à vegetação é formada por milhares de peixes mortos após descarga de poluente no Rio Piracicaba — Foto: Jefferson Souza/ EPTV Forte odor, espuma e água escura Entre as características constatadas ao longo dos dias na água estão um forte odor característico de materiais industriais orgânicos, coloração escura da água e presença de espuma. Em percurso de barco pela região da mortandade no Tanquã, o g1 constatou um odor tão forte que fazia os olhos arderem e lacrimejarem após um tempo de exposição. 70 quilômetros de extensão De acordo com relatório da Cetesb, a mortandade de peixes se estendeu por um trecho de 70 quilômetros, desde a foz do Ribeirão Tijuco Preto até a Área de Proteção Ambiental (APA) Rio Piracicaba-Tanquã. Os primeiros relatos foram de pescadores, quando as mortes já eram registradas na região urbana do Engenho Central e Rua do Porto, pontos turísticos de Piracicaba. Peixes mortos em ‘curva de canal’ do Tanquã, em São Pedro — Foto: Rodrigo Pereira/ g1 10 dias de duração A Cetesb detalha que os efeitos da carga poluidora no Rio Piracicaba foram percebidos por cerca de dez dias. APA atingida equivale a 14 mil campos de futebol A área de proteção do Tanquã, onde foi registrado o maior número de peixes mortos, ocupa uma área de 14 mil hectares, equivalente a 14 mil campos de futebol, nas cidades de Anhembi, Botucatu, Dois Córregos, Piracicaba, Santa Maria da Serra e São Pedro, no interior de São Paulo. Pescadores relatam reflexos de mortandade de peixes na APA Tanquã, em São Pedro Santuário tem ao menos 735 espécies Segundo o professor de ecologia da Esalq/USP Flávio Bertin Gandara, a APA do Tanquã é considerada um santuário de animais porque eles encontram na região alimento e abrigo, inclusive para se reproduzir. Existem na região mais de 300 espécies de plantas, três delas ameaçadas de extinção. Já entre os animais vertebrados, são 435 espécies. Dessas, 19 estão ameaçadas de extinção e algumas são migratórias. Entre os invertebrados, há oito espécies já registradas que estão ameaçadas de extinção lá. Tanquã abriga cerca de 170 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios — Foto: Katiucia Medeiros 50 pescadores afetados Entre Piracicaba e São Pedro, a colônia de pescadores tem cadastrados pouco mais de 50 pescadores que dependem do rio para viver, segundo representante do grupo. Pescadores Antonio e Nivaldo observam a água do Tanquã: sustento para famílias comprometido — Foto: Rodrigo Pereira/ g1 R$ 18 milhões em multa A multa aplicada na Usina São José foi de R$ 18 milhões. Além de ser considerada a poluição das águas e a mortandade dos peixes, foi considerado no cálculo o fato de que a empresa deixou de comunicar a ocorrência à Cetesb e de que houve danos em uma área de proteção ambiental. Imagem em relatório da Cetesb aponta de onde saiu poluente e caminho dele até ribeirão — Foto: Reprodução/ Cetesb Recolhimento dos peixes Diferentes forças-tarefas foram formadas para recolhimento dos peixes mortos. Uma primeira fez o recolhimento na região urbana de Piracicaba atravessada pelo rio. Outra operação foi montada na APA do Tanquã, com auxílio de hidrotratores, pela quantidade de animais mortos nessa região. Hidrotratar durante trabalho de retirada de peixes mortos na APA do Tanquã — Foto: Helen Sacconi/ EPTV 9 anos para recuperação Segundo o analista ambiental Antonio Fernando Bruni Lucas, serão necessários até nove anos para a recuperação da quantidade de peixes no Rio Piracicaba. “Uma nova população, para chegar, depende mais ou menos de três anos para se tornar fértil, para se tornar adulta. E, para recomposição do estoque, a gente calcula mais ou menos algo em torno de três gerações, de sete a nove anos, mais ou menos, dependendo das espécies”, aponta. Tanquã é considerado um santuário de animais — Foto: Edijan Del Santo/ EPTV VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e Região
MP questiona se governo federal vai auxiliar pescadores afetados por desastre ambiental no Rio Piracicaba
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