São Paulo O primeiro episódio de “O Jogo que Mudou a História”, série que chega ao Globoplay na quinta-feira (13), tem cenas tão fortes de violência e sexo que surge a dúvida: será que as pessoas mais sensíveis terão coragem de assistir? A resposta é uma incógnita para o criador e produtor José Junior, líder do AfroReggae e responsável pela narrativa. Segundo ele, o intuito é impactar pela verossimilhança: “Minhas referências foram as histórias que ouvi nos presídios e nas favelas nos últimos 30 anos”, diz em entrevista ao F5. “Sei de histórias que não estão no Google e por isso a trama vai impactar quem assistir.” A trama aborda como o crime organizado surgiu no Rio de Janeiro na década de 1970 e esmiúça a rivalidade entre duas facções. Após um jogo de futebol na prisão, essa briga toma proporções estratosféricas. As consequências do embate acabam influenciando a rotina de favelas que antes conviviam em harmonia, mas que passam a ficar nas mãos de criminosos. O elenco tem nomes como Babu Santana, Jonathan Azevedo e Ravel Andrade, mas também atores ainda pouco conhecidos no mainstream, como Pedro Wagner, Fabrício Assis e Samuel Melo. Nos bastidores, egressos do crime trabalharam como motoristas. “Eu poderia escolher rostos famosos, mas eu trabalho com alma e verdade”, destaca Junior. “E outra: minha prioridade é preto e favelado na tela, do contrário eu seria do ‘BrancoReggae’.” Confira abaixo os principais trechos da entrevista com José Junior. ABORDAGEM DA SÉRIE “O Rio tem mais de 1.000 áreas conflagradas, duas dezenas de grupos armados por território. E a série fala sobre a pedra fundamental de como surgiram essas facções no final da década de 1970. Abordamos o surgimento da primeira grande guerra entre duas delas, a Falange Vermelha e o Terceiro Comando, num embate que durou 25 anos e começou após uma partida de futebol em 1983.” INSPIRAÇÕES “Esse projeto traz conteúdo real com pouca liberdade poética. Uma narrativa que mostra o ponto de vista do preso, do bandido, do morador da favela, do agente penitenciário. Não li livro nenhum, não vi filme, minhas referências foram as histórias que ouvi nos presídios e nas favelas nos últimos 30 anos. Sei de histórias impactantes que não estão no Google e por isso a trama vai impactar quem assistir.” APORTE FINANCEIRO “O Globoplay fez um aporte bastante grande para a série para que houvesse o máximo de verossimilhança nas situações. Fizemos reconstrução em 3D da parte externa do presídio de Cândido Mendes, em Ilha Grande, que já havia sido implodido.” DIVERSIDADE NA TELA “Temos 12 protagonistas na série e 61% do elenco é preto. Gravamos em várias favelas reais, nada de estúdio. As filmagens aconteceram em Vigário Geral, Parada de Lucas, Dique, Parque Analândia, Rocinha e Complexo da Pedreira. Já a trilha sonora foi customizada. Tem muito samba, samba rock, funk, uma pegada preta e nordestina. O ‘Jogo’ é uma série de sotaques, há atores paraibanos, mineiros, pernambucanos, gente com pronúncia americana. Geralmente pedem para sufocar os sotaques, mas eu quis que eles aparecessem.” ROSTOS NOVOS “Por fazer série do Grupo Globo, eu poderia escolher rostos famosos, mas eu trabalho com alma e verdade. Quero ter esse legado de lançar rostos novos. O Pedro Wagner é, para mim, um dos dez atores mais fodas do Brasil. E se ninguém deu oportunidade a ele antes, desculpe, foda-se, eu dei e ele me entregou mais do que eu esperava. E outra: Minha prioridade é preto e favelado na tela, do contrário eu seria do ‘BrancoReggae’. Ano que vem, por exemplo, lançarei ‘Verônica’, série de uma advogada negra feita pela Roberta Rodrigues.” MUDANÇAS NO ELENCO “O Matheus Nachtergaele faria personagens gêmeos e o perdemos, pois ele não conseguiu conciliar com outro trabalho. Mas foi ele quem me ajudou a escolher quem faria o personagem. Assim, chegamos no Jailson Silva [no papel de Belmiro, irmão do líder comunitário Amarildo, de Pedro Wagner]. Eu já crio o papel e sei quem o fará. Para o Jonathan Azevedo, por exemplo, eu cheguei oferecendo o papel do traficante carismático Gilsinho. Sabia que ele não queria mais fazer criminoso, mas ele chegou em mim e disse: ‘Agora eu farei ‘O’ bandido’. Porque não é o estereótipo do bandido convencional, é humanizado com olhar diferenciado.”DESAFIOS “Todo mundo tem uma opinião e acha que sabe tudo sobre segurança pública no Rio, então o mais complexo foi direcionar esses 12 protagonistas de modo que eles conseguissem conduzir a trama fugindo dos clichês. Considero meu grande mérito realmente saber enxergar o ator certo para cada história.” PRESÍDIOS REAIS “Outro dado é que gravamos em dois presídios reais: um deles foi o Bangu 1, que continua ativo e em evidência, e o outro foi o Complexo Frei Caneca, já desativado. Havia uma tensão sentida pelos atores ao gravar no Frei Caneca devido à energia do local, que continua muito pesada.” CENAS ESCURAS “Cadeia é um lugar escuro por natureza, eu não podia fazer cenas mais claras. Meus diretores de fotografia e de arte foram até Bangu ver de perto os ambientes, e o que queríamos era retratar a realidade.” RESPEITO EM FAVELAS “A gente gravou em áreas tidas como violentas, mas, por incrível que pareça, não tinha tensão em favelas. Só sentimos carinho, respeito e afeto. Às vezes, temos impressão ruim das periferias. Mas um dado que considero é que o bairro de Copacabana, na zona sul carioca, tem mais homicídios do que em muitas comunidades. O ‘Jogo’ é minha quarta série e nunca tivemos uma única ocorrência dentro de favelas.” PAPEL DO AFROREGGAE “O AfroReggae faz mediação de conflitos há 31 anos e circula em qualquer lugar. Temos atores nessa série que moram até hoje em favelas. Ninguém tirou mais pessoas do narcotráfico e da milícia do que a ONG. Tiramos milhares de crianças da criminalidade, sem contar o projeto Segunda Chance, dirigido à volta ao trabalho dessas pessoas. Quase todos os motoristas que trabalharam nos bastidores de ‘O Jogo que Mudou a História’ eram egressos do crime.”