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Mesmo cancelado, Woody Allen deve ser visto?

por admin
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Woody Allen é um cineasta cancelado. O novo filme de Woody Allen, o 50º de sua carreira, estreia na quinta-feira (19) no Brasil. Impõe-se a pergunta: ver ou não ver Woody Allen? Desde que sua filha adotiva Dylan Farrow voltou a acusá-lo de abuso sexual em 2014 e criticou os atores que continuavam a trabalhar em seus filmes, Allen se tornou persona non grata nos EUA. Kate Winslet e Timothée Chalamet, protagonistas de seus dois últimos projetos americanos, vieram a público dizer que se arrependeram de trabalhar com ele. Aos 88, porém, o cineasta se recusa a se aposentar, e foi buscar na Europa o financiamento para seus novos longas. Por todo esse imbróglio, Allen acaba sendo o epítome de um dilema muito atual: separar a obra do artista, ou cancelar a primeira por causa do segundo? Pra complicar, ao contrário dos seus últimos filmes, “Golpe de Sorte em Paris”, rodado na França só com atores locais, é bom. Não excelente no nível de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, “Zelig” ou “A Rosa Púrpura do Cairo”, mas muito melhor que seus dois últimos filmes, “Um Dia de Chuva em Nova York” e o constrangedor “O Festival do Amor”. DEUS EXISTE? O novo filme retoma antigas obsessões de Allen: é possível cometer um crime e sair completamente ileso desse ato? Podemos nos livrar da nossa má consciência por atos errados? Qual o papel do acaso nas nossas decisões? Deve-se fazer justiça com as próprias mãos ou esperar aquela de Deus? Ou, cavando mais ainda: Deus existe, ou estamos largados à nossa própria sorte? Vamos ao filme. Um dia, andando pelas ruas de Paris, Fanny encontra ao acaso Alain, um antigo colega de escola. Fica sabendo só naquele dia que ele sempre foi louco por ela. É o primeiro golpe de sorte (ou melhor, do acaso), que abre o filme. Fanny é casada com Jean, um homem rico, poderoso e de profissão nebulosa –quando perguntado, diz apenas que seu trabalho é “fazer os ricos mais ricos”. O casamento já não anda lá essas coisas, e o olhar apaixonado de Alain faz efeito em Fanny. Os dois começam a ter um caso e Jean começa a suspeitar. O que acontece depois é spoiler, mas pode-se dizer que há um assassinato, e depois um segundo golpe do acaso que resolve tudo de maneira imprevisível e absurda, mas que traz uma inesperada justiça a um mundo onde não parece haver nenhuma. Todas essas indagações de Allen começaram num filme magistral de 1989, “Crimes e Pecados”, em que um oftalmologista resolve se livrar da amante que o chantageava. Voltou a aparecer anos depois em “Match Point” (2005), que partia de uma história parecida (homem decide se livrar da amante), mas com um final em que o tal golpe de sorte já aparecia. Retornou ainda em “O Sonho de Cassandra” (2007), e “O Homem Irracional” (2015), cada um dando um desfecho diferente para o crime e seus dilemas de consciência. Por falar em dilemas de consciência, o cineasta nega ter abusado sexualmente da filha e não foi condenado pela Justiça. Uma parte dos seus fãs, estarrecida com as acusações de Dylan, foi deixando de acompanhá-lo. Outra parte acredita no que ele diz: nunca houve abuso, e Dylan foi manipulada pela mãe, Mia Farrow. Antes dessa dúvida pairar no ar, já havia um fato inquestionável, mas moralmente discutível: Allen se separou de Mia para se casar com a filha adotiva dela, Soon-Yi Previn. Agora… se há algum dilema de consciência na cabeça de Woody Allen, nunca vamos saber; só imaginar pelas pistas que ele deixa em seu cinema. “Golpe de Sorte em Paris”, de Woody Allen Com Lou de Lâage, Niels Schneider e Melvil Poupaud Estreia nesta quinta (19) nos cinemas Thiago Stivaletti Salvar artigos Recurso exclusivo para assinantes assine ou faça login Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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