Mais concreto e menos áreas verdes em 40 anos: satélites mostram evolução urbana de São Carlos, Araraquara e Rio Claro

Satélites revelam como o concreto e a cana redesenharam a identidade de São Carlos e Arara Se fosse possível voltar no tempo e sobrevoar a região central de São Paulo em 1985, a paleta de cores seria muito diferente. Havia mais tons de verde-escuro das matas nativas, mais texturas de pastagens e cidades mais tímidas, recolhidas em seus limites geográficos. 📱 Siga o g1 São Carlos e Araraquara no Instagram Quatro décadas depois, quem olha de cima vê uma nova geografia. Uma "biografia do solo" escrita pela ação humana. Dados extraídos da plataforma MapBiomas pelo g1 revelam a magnitude dessa metamorfose. Comparando imagens de satélite de 1985 e 2024, é possível ver como a pressão do progresso redesenhou São Carlos (SP), Araraquara (SP) e Rio Claro (SP). Somadas, as manchas urbanas dessas cidades não apenas cresceram: elas devoraram o espaço ao redor. A área de concreto e asfalto saltou de 12,3 mil hectares para 24,3 mil hectares — um crescimento de praticamente 100%. Onde antes a terra respirava, hoje a cidade pulsa. Isso acaba refletindo no aumento da temperatura das cidades e causando alguns problemas como as enchentes. Mais notícias da região: PIRACEMA: Polícia apreende 58 kg de peixe no interior de SP; cerca de 40 idosos receberam como doação FALTA TUDO: Funcionária denuncia situação de 20 cães em canil do interior de SP SORTE GRANDE: Resultado da Quina: aposta do interior de SP ganha sozinha mais de R$ 7 milhões em sorteio São Carlos: a cidade que aqueceu O MapBiomas é uma iniciativa do Observatório do Clima que monitora o uso do solo no Brasil. O sistema analisa, pixel a pixel, imagens históricas dos satélites Landsat, permitindo visualizar o que era pasto, floresta ou cidade ao longo das décadas. Em São Carlos, a mudança é sentida na pele. A "Capital da Tecnologia" expandiu seus domínios de forma voraz sobre o relevo. Os satélites mostram que a mancha urbana — o reflexo cinza nas imagens — mais que dobrou em 39 anos. Em 1985, a cidade ocupava 3.792 hectares. Em 2024, o concreto já cobre 8.038 hectares (aumento de 112%). Não é apenas uma questão estética. A substituição da vegetação e do solo permeável por asfalto e telhados criou uma armadilha térmica. Para o professor Davi Gasparini Fernandes Cunha, da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC/USP), o dado do satélite explica o aumento da sensação térmica. "Como dizem por aí, 'é um sol para cada um'. As áreas urbanas, quando não devidamente planejadas, transformam-se em bolhas que retêm calor. Quando a cobertura vegetal é substituída por concreto, ocorre uma diminuição do albedo da superfície: ela passa a refletir pouco e absorver muita energia", explica o especialista. Segundo Cunha, com menos árvores, a cidade perde a evapotranspiração — o "suor" das plantas que resfria o ambiente. "Com todas essas alterações, a atmosfera urbana fica mais seca, mais quente e com maior armazenamento de calor entre os edifícios. A sensação de que está cada vez mais quente não vem à toa", completa. São Carlos (SP) na comparação entre 1985 (à esquerda) e 2024 (à direita) Reprodução/ MapBiomas No mapa acima, as cores representam: 🔴 área urbana, sem floresta, 🌸 agricultura, 🟤 agropecuária, 🟢 floresta e 🟡 formação campestre/pastagem. O preço do crescimento: O avanço sobre áreas de amortecimento térmico potencializa as chamadas "Ilhas de Calor". Estudos climáticos da USP já alertaram que o centro da cidade pode ser até 9° C mais quente que a zona rural vizinha. O mapa de 2024 mostra que essa "bolha quente" se expandiu, acompanhando novos bairros que surgiram onde antes havia brisa e pastagem. O reflexo na água: A ligação com as enchentes Imagens mostram enchentes registradas desde 2020 em São Carlos (SP) Arquivo/Redes Sociais O levantamento do MapBiomas aponta que mais de 4 mil novos hectares de São Carlos foram impermeabilizados nas últimas décadas. Esse "tapete" de concreto tem relação direta com um trauma antigo da cidade: as enchentes na região do Mercado Municipal. "Quando o solo natural é impermeabilizado, ele perde grande parte de sua capacidade de absorver água: o que antes infiltrava, agora corre pela superfície", diz Cunha. O professor alerta que o sistema de drenagem não acompanhou a velocidade desse crescimento mostrado pelos satélites. "A lógica tradicional de sistemas de drenagem ainda é 'coloque a água de chuva em um tubo e a descarregue no rio mais próximo'. Essa lógica se mostra obsoleta. Redes de drenagem antigas não conseguem dar vazão aos picos de escoamento gerados por milhares de novos hectares impermeabilizados". Araraquara: pouco verde nativo em um mar de cana Se em São Carlos o destaque é o cinza, em Araraquara a disputa é pela sobrevivência do verde nativo. O município, dono da maior extensão territorial entre os três, viu suas reservas florestais encolherem silenciosamente. Os números mostram um recuo da natureza selvagem: A categoria "Floresta" caiu de 22,1 mil hectares (1985) para 17,7 mil hectares (2024). É uma perda de 4.355 hectares. Para se ter uma ideia, é como se uma área equivalente a mais de 4 mil campos de futebol de mata nativa tivesse sido apagada do mapa. Araraquara (SP) apresenta o domínio da agricultura (pontos em rosa) entre 1985 e 2024 Reprodução/ MapBiomas Hoje, 81,5% de todo o chão de Araraquara é dedicado à agroindústria. O que restou de Cerrado e Mata Atlântica resiste fragmentado, como pequenas "manchas" verdes cercadas por um oceano de canaviais, dificultando a vida da fauna que precisa cruzar essas grandes plantações para sobreviver. Rio Claro: a fronteira híbrida Rio Claro ilustra o equilíbrio tenso entre morar e plantar. A cidade seguiu o ritmo frenético de urbanização da vizinha São Carlos: sua área construída saltou 88%, passando de 3,9 mil para 7,4 mil hectares. Evolução de Rio Claro (SP) de 1985 a 2024 Reprodução/ MapBiomas Ali, a floresta resiste, mas não avança. Com uma leve oscilação para baixo nas últimas décadas (de 12,1 mil para 11,7 mil hectares de mata), o município vê sua zona rural perder espaço lentamente para novos loteamentos, transformando antigas fazendas em ruas e avenidas. Nem tudo está perdido: As "Cidades-Esponja" Apesar do cenário de expansão do concreto e perda de vegetação, o futuro das cidades da região não precisa ser inevitavelmente mais quente. Além do calor, a perda do verde afeta a saúde — "a umidade relativa cai, agravando alergias, e perdemos os filtros naturais de poluição", lembra o professor da USP. Mas ele aponta que existem soluções de engenharia moderna para reverter parte desse quadro sem frear o desenvolvimento. "Há hoje soluções capazes de mitigar esses impactos. As chamadas cidades-esponja, que combinam jardins de chuva, pavimentos permeáveis e telhados verdes, permitem que a água infiltre onde cai. O desafio é muito menos técnico e muito mais político", conclui Cunha. REVEJA VÍDEOS DA EPTV: Veja mais notícias da região no g1 São Carlos e Araraquara