Na ação, protocolada em junho, a AGU pediu o bloqueio de R$ 90,2 milhões Syngenta para reparar os danos ambientais causados pela venda de 4,5 milhões de litros dos agrotóxicos alterados. Segundo o Ibama, além de adulterar os produtos, a multinacional tinha um protocolo para burlar a fiscalização do órgão ambiental. O g1 apurou que o sigilo foi um pedido tanto pela AGU quanto da Syngenta e foi determinado pela 1ª Vara Federal Cível de São Paulo durante uma audiência com as partes na última quarta-feira (17). A reportagem conseguiu acompanhar o andamento do processo no sistema eletrônico até sexta-feira (19). Com a decisão, cidadãos e a imprensa ficam impedidos de acompanhar decisões e sentenças tomadas no procedimento. Procurada pelo g1, a Justiça Federal não informou o motivo pelo qual o sigilo foi imposto na ação, mas confirmou que o processo passou a tramitar em segredo de Justiça. Em nota, a AGU alegou que requereu o segredo dos autos, logo depois do protocolo, como procedimento padrão “para evitar ocultação de patrimônio antes de eventual bloqueio de bens”. Procurada, a Syngenta informou que a Justiça Federal entendeu pertinente que o processo seguisse em segredo de justiça até seu julgamento final. A decisão, diz a empresa, aconteceu após a AGU também se manifestar de forma favorável. “Entendemos relevante a medida considerando a inexistência de qualquer fundamento para a vã alegação de existência de dano ambiental, e considerando ainda o efetivo e irreparável dano à imagem da companhia pela irresponsável divulgação de informações descontextualizadas e sem embasamento técnico ou jurídico, o que certamente restará comprovado quando de seu julgamento”, afirmou a multinacional. Veja nota da Syngenta na íntegra ao final da reportagem. Ibama aponta adulteração de agrotóxicos da Syngenta Como aconteceu a adulteração? A adulteração, diz a ação na qual o g1 teve acesso, aconteceu com a adição do bronopol, um conservante antibacteriano, nos produtos Engeo Pleno, Karate Zeon 250 CS, Karate Zeon 50 CS em níveis até três vezes acima do permitido. No processo, o Ibama aponta que a Syngenta vendeu 4,5 milhões de litros dos três produtos adulterados, gerando mais de R$ 400 milhões de receita. “A adulteração e a comercialização dos agrotóxicos ilegais, em seus milhões de litros, estão suficientemente provadas e assumidas pela empresa ré ao longo dos processos administrativos”, diz. Segundo a ação, a Agência Europeia dos Produtos Químicos classifica o bronopol como muito tóxico para a vida aquática e alerta que o produto pode causar sérios danos oculares, irritação de pele e irritação respiratória. Syngenta diz que produto não causa dano ambiental Ao g1, a Syngenta rebateu a ação do Ibama e disse que apresentou à Justiça a comprovação de que não existe qualquer tipo de risco ou dano ambiental decorrente da adição do bronopol aos agrotóxicos. Segundo a multinacional, a composição foi aprovada posteriormente no Brasil. “Os próprios órgãos responsáveis pela avaliação e registro de defensivos agrícolas – MAPA, ANVISA e o próprio Ibama – recentemente aprovaram a nova formulação do produto ENGEO PLENO, considerando os níveis de BRONOPOL encontrados nas formulações citadas na ação da AGU”, diz a empresa. Tentativa de burlar a fiscalização A adulteração foi detectada durante uma fiscalização do Ibama na fábrica da Syngenta, em Paulínia (SP), no ano de 2021. No local, foi encontrado um registro feito por funcionários que descrevia ordens para retirar os insumos da linha de produção dos agrotóxicos em razão da visita dos agentes do instituto. Segundo a ação, isso comprova a tentativa de burlar a fiscalização. “Conforme demonstrado nos processos administrativos, e também exposto na presente peça, a empresa ré construiu toda uma cadeia de tarefas e atribuições voltadas para dificultar e impedir a fiscalização do Ibama sobre os agrotóxicos”. “As atividades foram tomadas com o claro objetivo de a empresa manter a produção e comercialização de agrotóxicos adulterados e ilegais”, diz a AGU. De acordo com o Ibama, a inspeção apontou que o produto foi adicionado aos agrotóxicos após a empresa ter tido prejuízo com devoluções causadas pelo estufamento da embalagem. “A ‘solução’ do problema da embalagem encontrada pela empresa foi elevar o nível de toxicidade e letalidade do agrotóxico, sem qualquer anteparo legal ou de estudos de impacto, para reduzir o estufamento de suas embalagens de agrotóxico, nas quais ocorria contaminação microbiológica”, diz na ação. Sobre a tentativa de burlar a fiscalização, a Syngenta afirmou ao g1 que “todas as medidas cabíveis foram tomadas pela empresa diante do ocorrido, incluindo a realização de auditorias externas e internas, implementação de diversas melhorias processuais e de sistema, eliminando qualquer possibilidade de falha da natureza que havia sido apontada na fiscalização do Ibama, ocorrida em 2021”. Bloqueio de R$ 90 milhões e greenwashing Na ação, AGU e Ibama pedem que a empresa seja condenada a reparar os danos ambientais causados pelos produtos adulterados, bem como a pagar indenização pelos danos morais coletivos e pelos danos derivados da exposição ambiental indevida ao produto tóxico. O valor das indenizações deverá ser apurado no curso do processo, mas em caráter de urgência (liminar), os órgãos pedem à Justiça: Que a empresa seja obrigada a dar destinação aos agrotóxicos adulterados já recolhidos, e que continue identificando e recolhendo do mercado os produtos adulterados.Que a empresa seja obrigada divulgar em seus sites e redes sociais, tanto em português quanto em inglês, a existência da ação assim como das decisões judiciais nela proferidas, e também expor em seus relatórios e programas de sustentabilidade a ocorrência de adulteração de agrotóxico cometida pela empresa, evitando o greenwashing (maquiagem verde).Que a empresa seja obrigada, no prazo de 90 (noventa) dias, a incorporar medidas de governança, compliance e controle para evitar quaisquer atos futuros que contribuam para a produção e/ou comercialização de agrotóxicos adulterados ou ilegais, e também evitar práticas orientadas a dificultar ou obstaculizar o exercício das atividades de fiscalização ambientais.Que a empresa seja intimada a apresentar, em 7 dias, a garantia de reparação dos danos. E, na ausência disso, o bloqueio de R$ 90.295.767,07 para garantir a satisfação da reparação dos danos já levantados na ação.Que a empresa seja impedida de obter benefícios fiscais e linhas de crédito do governo até que se comprometa com a reparação do dano causado. “A parte ré produziu, comercializou e propiciou o uso de agrotóxico de forma ilegal por todo o país, sem lastro de controle e contenção de previsibilidade de efeitos. Além disso, produziu esquema de ocultação de dados e de elementos químicos, somados a práticas de greenwashing”, diz a AGU na ação. Posicionamento da Syngenta A Syngenta Proteção de Cultivos, diante da ação movida pela AGU, apresentou ao juiz seus argumentos, bem como a comprovação da inexistência de qualquer tipo de risco ou dano ambiental decorrente da situação descrita. Demonstrando, ainda, que os próprios órgãos responsáveis pela avaliação e registro de defensivos agrícolas – MAPA, ANVISA e o próprio Ibama – recentemente aprovaram a nova formulação do produto ENGEO PLENO, considerando os níveis de BRONOPOL encontrados nas formulações citadas na ação da AGU. É importante reforçar que o BRONOPOL é um bactericida largamente utilizado em indústrias como a de cosméticos, de produtos de higiene e limpeza, tintas, entre outras, e que os percentuais utilizados nos defensivos agrícolas mencionados na ação do Ibama são inferiores aos que encontramos, por exemplo, em detergentes, sabão destinado à lavagem de roupas e até mesmo limpadores de mãos Tais fatos nos fazem questionar o movimento destoante da AGU, considerando todo o diálogo já ocorrido anteriormente com o Ibama, que se materializou em uma conciliação formal endossada pelo órgão. A Syngenta afirma, ainda, que todas as medidas cabíveis foram tomadas pela empresa diante do ocorrido, incluindo a realização de auditorias externas e internas, implementação de diversas melhorias processuais e de sistema, eliminando qualquer possibilidade de falha da natureza que havia sido apontada na fiscalização do Ibama, ocorrida em 2021. Por fim, cumpre ressaltar que as partes da ação (Syngenta e AGU) se manifestaram favoráveis, e a Justiça Federal entendeu pertinente, que o processo seguisse em Segredo de Justiça até seu julgamento final. Entendemos relevante a medida considerando a inexistência de qualquer fundamento para a vã alegação de existência de dano ambiental, e considerando ainda o efetivo e irreparável dano à imagem da companhia pela irresponsável divulgação de informações descontextualizadas e sem embasamento técnico ou jurídico, o que certamente restará comprovado quando de seu julgamento. VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e Região