The New York Times Para distorcer uma famosa frase de “A Regra do Jogo” (1939), de Jean Renoir, a coisa mais terrível —e hilária— sobre o ensino médio é esta: todos têm suas razões. Todos os adolescentes são mundos em si mesmos, sejam eles idiotas, atletas, maconheiros, nerds ou subestimados. Cada um é um cosmos inteiro de anseios e dores preso dentro de um corpo juvenil. Talvez nenhum programa de televisão tenha feito tanto para documentar essas razões quanto a série de curta duração “Freaks and Geeks”, da rede americana NBC. Ambientada em Michigan em 1980, ela seguia as desventuras dos irmãos Lindsay e Sam Weir (Linda Cardellini e John Francis Daley) e seus respectivos grupos de desajustados e nerds. Afligida por baixas audiências, “Freaks and Geeks” foi cancelada após apenas uma temporada. Mas continuou viva, primeiro na memória dos fãs e depois em DVD e no streaming, sendo descoberta por novos espectadores que abraçaram sua representação sem filtros da adolescência e ficaram encantados com as primeiras aparições de futuras estrelas como Seth Rogen, James Franco, Jason Segel e Busy Philipps. “Freaks and Geeks” estreou em 25 de setembro de 1999. Na ocasião de seu 25º aniversário, o New York Times conversou com veteranos do programa, incluindo o criador Paul Feig e o roteirista-produtor executivo Judd Apatow, sobre uma experiência que, como a adolescência, foi às vezes dolorosa e embaraçosa, mas ainda assim imbuída de uma espécie de magia. Confira abaixo trechos editados das entrevistas.’ÉRAMOS UM BANDO DE NERDS’ Um roteirista-diretor tem muitas memórias sobre as agonias da adolescência e decide fazer um programa de TV sobre elas. PAUL FEIG (criador): Sou muito bom em contar histórias terríveis que aconteceram comigo, e tenho um milhão delas. Enviei (a Apatow) esse piloto finalizado, e em 12 horas ele ligou e disse: “Quero fazer isso”. E minha vida inteira mudou. JUDD APATOW (produtor executivo e roteirista): Eu tinha acabado de terminar de trabalhar na última temporada de “The Larry Sanders Show”. Pensei: e se aplicássemos todos os nossos padrões de escrita a um programa sobre o ensino médio? O pensamento secreto na minha cabeça era que eu ainda estava trabalhando para “The Larry Sanders Show”. Estamos apenas fazendo alguns episódios sobre o ensino médio. FEIG: Veio de anos de frustração assistindo a filmes e programas adolescentes, e eram todos jovens bonitos, e todos são atraentes, e estão todos fazendo sexo, e todos os problemas deles são sobre sexo. Isso não tem nada a ver com o que eu experimentei no ensino médio. Não éramos tão legais. Éramos um bando de nerds. JAKE KASDAN (diretor): Judd me ligou do nada e perguntou se eu estaria interessado em dirigir esse piloto que Paul havia escrito. Ele descreveu a abertura fria do piloto: comece nas arquibancadas e ouça as crianças conversando. Os personagens parecem mais personagens de televisão, e então você desce para debaixo das arquibancadas e conhece nossos personagens reais. Eu simplesmente adorei essa ideia imediatamente. FEIG: Sam Weir é baseado em mim. Eu queria que fosse um irmão e uma irmã porque eu era filho único, e sempre desejei ter uma irmã mais velha. Eu estava andando e vi um grupo de adolescentes andando do outro lado da rua, e todos estavam fumando e sendo legais. Mas então havia essa garota andando atrás deles. Ela estava fumando um cigarro, mas fazendo isso de maneira estranha, e eu pensei: “Essa é a Lindsay”. JOHN FRANCIS DALEY (Sam Weir): O amor entre nós na tela era real. Realmente nos considerávamos irmãos, embora eu possa ter tido uma pequena queda por ela também, o que era estranho (risos). Os produtores sabiam que queriam jovens atores que não parecessem atores infantis. Agora eles só precisavam encontrá-los. APATOW: Fizemos audições abertas em algumas cidades e vimos milhares de pessoas. SAMM LEVINE (Neal Schweiber): Eles queriam crianças com aparência real. Eles não queriam jovens atores polidos. FEIG: O mais estranho para mim foi com a Linda Cardellini. Quando Linda entrou, era a pessoa que eu havia imaginado. Lembro-me de meus ouvidos começarem a zumbir porque eu pensei: “Como isso é possível? Como essa pessoa que eu inventei realmente existe?”. APATOW: Assim que vimos Jason (Segel), todos de repente disseram: “Sim, é exatamente isso”. E isso continuou acontecendo. DEBRA MCGUIRE (figurinista): Quando recebi os roteiros, fiquei completamente impressionada, porque Paul Feig havia escrito uma bíblia, com estudos de personagens detalhados de todos no programa. Eu nunca tinha visto nada parecido, especialmente para um programa de televisão.’ÉPICO E DESOLADOR’ Trazendo fracassos adolescentes reais (e adolescentes reais) para a tela. JEFFERSON SAGE (designer de produção): A primeira coisa que fiz foi pegar meus anuários do ensino médio. A segunda foi encontrar as versões de 1979 e 1980 do catálogo da Sears, porque o mundo de todas essas famílias era quase inteiramente disso. MCGUIRE: Quando eu puxei todas as roupas para as provas, havia aquelas jaquetas feias e fofas com as listras de cores feias. Cores bem nojentas. E quando as crianças vinham, elas diziam: “Meu Deus, isso é incrível”. Todos queriam levar as coisas para casa. KASDAN: Nosso pensamento era, deixar as crianças um pouco desajeitadas no quadro —um pouco de espaço demais acima da cabeça, closes um pouco mais soltos do que você veria em outros programas de ensino médio na época. J. ELVIS WEINSTEIN (roteirista): Passamos nossa primeira semana ou duas juntos despejando todas as nossas maiores vergonhas e embaraços e cicatrizes de nossos anos de adolescência na mesa e mostrando-os para todos verem. APATOW: Paul era hilariamente aberto sobre todas as coisas terríveis e ótimas que já aconteceram com ele. FEIG: Você obtém reações tão boas quando as pessoas não acham que estão atuando, especialmente nessa idade. DALEY: Lembro-me de ver a empolgação nos rostos de Judd e Paul quando eles conseguiam obter experiências reais, autênticas e verdadeiras de cada um de nós. APATOW: Lembro-me de vê-lo beijar a personagem Cindy Sanders, e todos nós percebemos, acho que é o primeiro beijo dele que estamos assistindo. BUSY PHILIPPS (Kim Kelly): Eu me relacionei muito profundamente com aquela coisa que Kim tinha, que era querer ser amada, e não saber exatamente, por várias razões, como fazer isso. MCGUIRE: (James Franco) usava muitos gorros e chapéus, e a emissora odiava isso. Eles diziam: “Por que teríamos alguém tão bonito e cobriríamos ele com esses chapéus?”. APATOW: Eles eram os valentões da escola que não entendiam essas crianças. Isso também era sobre o que o programa tratava: viver em um mundo onde há certas pessoas que não apreciam o que é especial em você. MCGUIRE: Era televisão aberta. Se tivesse sido alguns anos depois, em um programa de streaming, teríamos sido capazes de fazer tudo o que queríamos fazer. APATOW: A série inteira foi comprimida e se tornou quase uma minissérie. Não acho que teríamos feito um trabalho tão bom se pensássemos que teríamos uma longa vida.’MORTE LENTA’ O declínio e colapso de uma série de rede de baixa audiência. MCGUIRE: Foi doloroso para todos. Vimos a série ter essa morte lenta. APATOW: Todos nós amávamos o programa; todos se amavam. E estava escapando dos nossos dedos o tempo todo. Era quase como um acampamento de verão, e o fim estava chegando. FEIG: Tivemos que acelerar o relacionamento entre Cindy e Sam. Em um episódio, ele a conquista. No seguinte, ela é terrível; eles terminam. Teria sido divertido deixar esse relacionamento morrer lentamente. DALEY: Eu estava começando a ficar um pouco mais alto no final do programa, e acho que eles já estavam planejando um arco para Sam onde ele se junta aos garotos um pouco mais legais, criando uma ruptura entre ele, Neal e Bill. FEIG: Eu estava muito obcecado com a ideia de que Neal se tornaria obcecado com o coral. Judd gostava muito da ideia de que Martin Starr se tornaria um atleta. Eu estava obcecado com a ideia de Kim Kelly voltar grávida. A primeira coisa na abertura da segunda temporada seria (Lindsay) sendo levada em uma maca de um show do Grateful Dead, porque ela acidentalmente teve uma overdose. APATOW: Parecia um flashback do divórcio dos meus pais. Eu estava tendo emoções muito fortes sobre não conseguir manter a família unida. PHILIPPS: Lembro-me de ter o primeiro de muitos, muitos momentos de desilusão com a indústria do entretenimento e como ela é administrada, e como as decisões são tomadas. FEIG: Mantive meu canal aberto para tudo que passei no ensino médio e na adolescência, mas a maioria das pessoas não gostou desses anos. O que eu achava que seria nossa força foi, na verdade, o que nos matou.’O QUE TODO MUNDO ESTÁ ASSISTINDO’ A vida encantada após o fim de “Freaks and Geeks.” FEIG: Não havia mercado secundário para um programa de TV cancelado naquela época. Se você não fizesse cinco temporadas, você não existia. Você simplesmente desaparecia. Quando a Shout! Factory lançou aqueles DVDs, foi um grande alívio. Porque então eu sabia que as pessoas poderiam assistir. NATASHA MELNICK (Cindy Sanders): De repente, você começa a ser reconhecido novamente no supermercado. Você fica tipo: “Espera, o quê, quem? Isso foi há uns cinco anos!”. SAGE: Quando minha filha estava no ensino médio, ela chegou em casa um dia e disse: “Ei, você não fez ‘Freaks and Geeks’? É o que todo mundo está assistindo”. FEIG: É o que você sonha que aconteça com qualquer coisa que você faça. WEINSTEIN: Foi o fim da era de tudo ter que ser uma vitória e todos terem que ser heróis nos programas de TV. LEVINE: Gosto de dizer que “Freaks and Geeks” caminhou para que “Stranger Things” pudesse correr.
‘Freaks and Geeks’: Os 25 anos da série que, com uma temporada, lançou astros e se tornou cult
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