“A floresta que pegou fogo uma vez está mais suscetível a novos incêndios”, afirma o engenheiro florestal Girlei Cunha, consultor florestal do projeto sediada na escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), campus da USP (Universidade de São Paulo) em Piracicaba (SP). Espiral de degradação De forma geral, é como se a vegetação florestal entrasse em um espiral de degradação, analisa o engenheiro agrônomo e coordenador técnico do Corredor Caipira, Henrique Ferraz de Campos. “Em vez de se recuperar efetivamente, a vegetação natural fica mais fraca e mais propensa a novos incêndios”, afirma. “Essa piora das condições da vegetação natural pode resultar em mudanças de uso do solo, de vegetação natural para outro uso, como a agropecuária, por exemplo”, adverte Campos. Incêndio atinge área próxima da Estação Ecológica de Ibicatu em Piracicaba avião ajuda no combate às chamas — Foto: Edijan Del Santo/EPTV Perda de biomassa e exposição a variações De acordo com Girlei Cunha, ao ser acometida pelas chamas, a floresta perderá biomassa e a vegetação durante o processo de regeneração natural e estará mais exposta a variações de temperatura e umidade do ar por anos ou décadas, até retomar a sua forma inicial, antes do fogo. “Após um sinistro causado pelo fogo, ela vai apresentar uma condição de floresta mais aberta, com microclima alterado, mais exposta às variações de temperatura e de umidade do ar, que pode ressecar mais rapidamente tanto a serapilheira (camada superficial do solo) como o próprio solo”, explica. Ainda, conforme o profissional do setor, há reflexos principalmente nas plantas dos estratos inferiores, que têm as raízes concentradas nas camadas mais superficiais do solo. “Essa serapilheira e as plantas do estrato inferior queimam mais facilmente”, pontua. Girlei Costa da Cunha e Henrique Campos durante atividade de reconhecimento de campo para projeto de reflorestamento Corredor Caipira na região de Piracicaba — Foto: Rafael Bitencourt ‘Se não morrer, vai perder as folhas’, alerta especialista De acordo com Girlei Cunha, após um incêndio florestal, se uma árvore atingida pelo fogo não morrer, ela vai perder as folhas e parte de sua copa. “Na nossa região, aumentará a incidência de cipós, principalmente das espécies que possuem órgãos de reserva subterrâneos. Estes cipós irão recobrir rapidamente as árvores atingidas pelo fogo”, diz. Segundo o consultor do projeto, que tem patrocínio da Petrobras, se a árvore ainda estiver viva, ela sofrerá com a competição exercida pelos cipós, que crescem mais rapidamente, aproveitando o suporte fornecido pelos troncos e galhos das árvores. “A competição será por luz, mas também por água e nutrientes do solo. Caso os cipós acabem dominando a copa da árvore, esta terá uma vitalidade menor e pode sofrer perda de parte da sua copa ou mesmo tombar, caso a biomassa dos cipós fique muito grande. Esse fenômeno não é raro, especialmente durante as ventanias”, diz. Girlei Cunha, consultor florestal do projeto Corredor Caipira, realizado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e pela Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) — Foto: Rafael Bitencourt Piora das condições O engenheiro agrônomo e coordenador técnico do “Corredor Caipira”, Henrique Ferraz de Campos, explica que, quando a floresta passa pelas chamas, o processo de recuperação depende de uma série de fatores, como: 🌳🌴vegetação nativa existente nos arredores da área afetada; 🌱🏞️características de seu solo, da disponibilidade hídrica; 📃🔥histórico da própria área, uma vez que locais com vegetação já degradada terão dificuldades ainda maiores para se recuperar. Henrique Ferraz de Campos é coordenador técnico do Corredor Caipira — Foto: Rafael Bitencourt 📊Índice de mata nativa na região de Piracicaba A iniciativa sediada na Esalq/USP realizou um levantamento de quanto resta de mata nativa nos municípios de Piracicaba, São Pedro (SP), Águas de São Pedro (SP), Anhembi (SP) e Santa Maria da Serra (SP). Os números, referentes a 2021, são Piracicaba – 9% (12 mil hectares)São Pedro e Águas de São Pedro – 16,5% (10,5 mil hectares) Santa Maria da Serra – 15% (4 mil hectares) Anhembi – 18,5% (13,5 mil hectares) De acordo com os dados, Piracicaba é onde a cobertura florestal é menor na região e as florestas que existem são fragmentos de vegetação nativa. “São remanescentes de vegetação natural que sobraram e estão cercadas por outros tipos de uso do solo, normalmente agropecuária. No entorno desses fragmentos, predomina o uso agropecuário, com presença de plantas invasoras, como o capim-braquiária ou colonião que, pelas bordas desses fragmentos, acabam invadindo o espaço da floresta. Durante as estiagens, esses capins secam e se transformam em um material facilmente inflamável”, aponta Girlei Cunha. Professor Edson Vidal é coordenador geral do Projeto Corredor Caipira. — Foto: Andreia Moreno/Corredor Caipira 🌳Agricultura e floresta Os cinco municípios, que compõem o território de atuação direta do projeto, somam 300 mil hectares. Atualmente, mais de 70% da área dos cinco municípios é ocupada por cana-de-açúcar (26,3%), pastagem (25,5%) e mosaico de agricultura e pastagem (20%), segundo o levantamento do “Corredor Caipira”, que trabalha com a restauração florestal, principalmente em áreas de preservação permanente. “Há um desequilíbrio. O equilíbrio só será alcançado quando a maioria das propriedades rurais se adequarem ambientalmente. É possível manter uma atividade agropecuária forte e fazer a conservação dos recursos naturais, incluindo solo, recursos hídricos e biodiversidade. As atividades agropecuárias se desenvolvem melhor com um meio ambiente equilibrado”, defende o coordenador geral do “Corredor Caipira” e professor da USP, Edson Vidal. Agricultura e floresta não são antagonistas, esclarece o professor. “Ao meu ver, há uma dependência da agricultura com a floresta com relação à água. A floresta tem um papel muito importante na conservação e na produção dos mananciais e da água”, diz. “Para os produtores, a floresta pode gerar itens, como madeira e produtos não-madeireiros. E também há os serviços ecossistêmicos, aqueles fornecidos pela natureza que são indispensáveis para a nossa sobrevivência”, completa o coordenador geral. Entre a última semana de agosto e as duas primeiras de setembro, Piracicaba (SP) teve aproximadamente 2.171 hectares de áreas de pastagem, cana-de-açúcar e vegetação atingidos pelos incêndios. — Foto: Polícia Ambiental de Piracicaba 🔥Queimadas em Piracicaba: extensão de 2 mil campos de futebol Entre a última semana de agosto e as duas primeiras de setembro, Piracicaba (SP) teve aproximadamente 2.171 hectares de áreas de pastagem, cana-de-açúcar e vegetação atingidos pelos incêndios. O número, levantado pela equipe técnica da Polícia Militar Ambiental, foi divulgado ao g1 pela Defesa Civil do município na tarde desta sexta-feira (13) e equivale a extensão de 2 mil campos de futebol. 🗺️Veja na reportagem as regiões dos incêndios. 🚨A responsável pela Defesa Civil de Piracicaba, Graziela Steagall, avaliou que o número é um “montante assustador”, com origem criminosa, seja intencional ou por negligência . “Todas as ocorrências que a gente tem atendido são originadas pela ação humana”, diz. Até a última sexta-feira (13), não foram registradas pessoas ou moradias atingidas diretamente atingidas pelo fogo e Piracicaba, apesar da recorrência das queimadas. “Não houve residências atingidas e não tivemos vítimas. A nossa maior preocupação é a vida humana e não teve nenhuma vítima, nenhuma morte”, aponta. 🔍Ainda de acordo com a Defesa Civil, boletins de ocorrência foram registrados e a Polícia Civil deve seguir com as investigações. Imagem aérea de incêndio em vegetação próximo ao Horto de Tupi — Foto: Prefeitura de Piracicaba 🗺️Regiões dos incêndios O levantamento indica as regiões onde o fogo ocorreu no período: Levantamento de queimadas/ extensão em hectares Localização Extensão Região da EE Ibicatu 1.000 hectares Região da Fazenda Limoeiro 865 hectares Região de Santa Olímpia 300 hectares Região do Horto de Tupi 6 hectares Total 2.171 hectares em Piracicaba 🌦️Chuvas abaixo da média Graziela aponta a ação humana como a principal causa para os incêndios. Em segundo lugar, ela indica as chuvas abaixo da média no período. “Nos três primeiros meses de 2023, a gente teve um acumulado de chuva de mais ou menos 900 milímetros cúbicos de chuva. Nesse ano de 2024, nesses mesmos três meses, janeiro, fevereiro e março, a gente não teve 350 milímetros cúbicos”, aponta. “Praticamente não tivemos chuva nessa estação. E, com isso, a estiagem já se apresentou muito cedo no município”, diz. Queimada provoca fumaça escura em Piracicaba — Foto: Edijan Del Santo/ EPTV 🚨O que fazer ao presenciar queimadas? No caso de uma pessoa presenciar uma queimada, Graziela, orienta a telefonar para o Corpo de Bombeiros, pelo número 193. “Eles recebem as chamadas e mobilizam as viaturas, solicitam apoio, ativam a gente, enquanto Defesa Civil. A partir daí a gente desencadeia uma rede de ação para responder, mas a recepção da ocorrência de incêndio tem que ser pelo canal 193. É muito importante essa entrada pelo corpo de bombeiros”, explica. Moradores observam combate às chamas em Piracicaba — Foto: Edijan Del Santo/ EPTV 🔥E se flagrar alguém ateando fogo? A responsável pela Defesa Civil orienta, no caso de uma pessoa flagrar alguém colocando fogo em uma área, a entrar em contato com a Polícia Civil, pelo telefone 190, ou para a Guarda Civil, pelo número 153. “Viu uma atitude suspeita, por exemplo, um carro parou, ateou fogo, viu uma placa de moto, aciona a Polícia Militar pelo 190 ou pelo 153 na Guarda Civil. A gente precisa pegar esses elementos e punir essas pessoas, porque não é justo a população toda está sofrendo pela falta de consciência pelo ato criminoso de uma pessoa”, afirma. “Então, é muito importante que a gente trabalhe fortemente no sentido de denunciar essas pessoas, para que elas não saiam simplesmente impunes”, completa Graziela. Incêndio causou prejuízo de cerca de R$ 25 mil a dono de usina de reciclagem — Foto: Reprodução/ EPTV VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e região