Mais de quarenta anos antes de Fernanda Torres, outra atriz brasileira encantou o mundo atuando em português. Foi Marília Pêra, que ganhou três prêmios internacionais como a prostituta Sueli de “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (1980), de Hector Babenco. Incrível como o tempo passa: em 2025 completam-se dez anos que Marília nos deixou muito cedo, aos 72 anos, vítima de um câncer de pulmão. Era a mais completa de nossas atrizes, e ganha finalmente uma homenagem merecida no documentário “Viva Marília”, de Zelito Viana, um dos destaques do festival É Tudo Verdade.E por que Marília era tão completa? Porque cresceu nos palcos, filha de pai e mãe atores, atuando desde os 4 anos de idade ao lado de uma das grandes damas do teatro no Brasil dos anos 40, a francesa Henriette Morineau. Aprendeu balé, sapateado e canto –e cantava em vários registros de voz, como quando homenageou Carmen Miranda, Elis Regina, Dalva de Oliveira e outras no espetáculo “Elas por Ela” (1989). Quem foi criança nos anos 1980 nunca mais esqueceu da perua Rafaela Alvaray da novela “Brega & Chique” e da antológica cena em que ela e o fiel amigo Montenegro (Marco Nanini) vão para a frente do espelho estarrecidos com o tamanho das papadas que encontram na cara –a cena está lá, no documentário. Ou da pérfida empregada Juliana da minissérie “O Primo Basílio” (1988), que chantageava a patroa Luísa (Giulia Gam) em monólogos intensos como no teatro. A PRIMEIRA REGINA “Viva Marília” ajuda a lembrar que, antes mesmo de Regina Duarte, foi ela a mocinha romântica das primeiras novelas da Globo, fundada em 1965, ano em que ela foi a protagonista da novela “Rosinha do Sobrado”. Mas ser romântica era pouco para Marília, que logo começou a botar pra fora na TV a sua veia para o humor em novelas como “Uma Rosa com Amor” (1972) e “Supermanoela” (1974). Foi nessa época que, esgotada dos folhetins, pediu uma longa licença da Globo, só voltando às histórias longas 13 anos depois com “Brega & Chique”. “Viva Marília” é um documentário bastante pessoal –é codirigido por sua filha, Esperança Motta, e tem roteiro do ex-marido Nelson Motta. Mas o caráter pessoal não impede o filme de destacar pensamentos importantes da atriz sobre o seu ofício e a vida em geral. O filme relembra curiosidades hoje esquecidas, como quando ela diz que Walter Salles a convenceu a aceitar o papel de Irene, a amiga atrapalhada de Dora em “Central do Brasil” (1998), dizendo que o filme era “sobre duas mulheres” –Marília tinha fama de rejeitar papéis que não fossem de protagonista. GANGUES DE NOVA YORK Depois do sucesso de “Pixote”, Marília poderia ter engatado uma grande carreira internacional como Sonia Braga, mas preferiu os trabalhos que continuaram a lhe oferecer aqui. No entanto, o documentário resgata sua participação em um filme americano que caiu nas brumas do esquecimento, o policial “Mixed Blood” (1984). O filme mostra a rivalidade entre uma quadrilha de traficantes brasileiros e outra latina em Nova York, ambas usando menores de idade armados em suas lutas. Em uma das cenas, sua personagem, Rita La Punta, tenta explicar a um americano por que Carmen Miranda era uma artista tão especial, e por que ela nunca parava de sorrir. Carmen era uma obsessão de Marília, que a interpretou nos palcos e no cinema. Como Carmem, Marília também sempre será lembrada pelo sorriso imenso, um brilho que aparecia mesmo em dramas sombrios como “Pixote”. “Viva Marília”, de Zelito Viana Na programação do festival É Tudo Verdade, em São Paulo e no Rio de Janeiro Programação em www.etudoverdade.com.br
Filme resgata a importância de Marília Pêra, a atriz mais completa que o Brasil já viu
4