Quem mora por ali carrega, entre os sorrisos receptivos e conversa agradável, marcas no rosto de uma vida árdua, que começa quase sempre de madrugada, pela necessidade de se deslocar horas e horas até o trabalho, ou caminhar por quilômetros quando é preciso buscar um centro de saúde. A dificuldade de locomoção figura como uma das grandes reclamações. “É preciso regularizar muita coisa para vir o asfalto. Faz falta. Quando chove, vira uma enchente. Desce pau, pedra, a água sobe muito, bate na altura do joelho, para de passar carro”, relata Yasmin Caroline, de 26 anos. A jovem que mora no bairro desde os 5 anos, conta que a realidade no local mostrou-se dura a medida que foi crescendo. “Na infância era tudo muito legal, a gente gosta de brincar na lama, se esbaldar. E conforme vai crescendo, vai enxergando a realidade da região”, diz. Rua no Jardim Itaguaçu 1, em Campinas (SP), onde está a maior das 118 favelas mapeadas pelo Censo 2022 na cidade — Foto: Fernando Evans/g1 No caminho de volta do trabalho do setor de limpeza, debaixo de chuva, a baiana Euza, de 58 anos, também reclama da falta de pavimentação no bairro que mora há oito anos. “Gosto daqui, mas olha para isso aqui. Falta muita coisa. Se aqui tivesse um asfalto seria muito bom”. Morando no Itaguaçu desde 2008, quando deixou a Freguesia do Ó, na capital, Robson de Paula, de 67 anos, diz gostar do bairro e da mudança de cidade. “Lá eu pagava aluguel, aqui não. Construímos com meu suor, suor da mulher. Eu gosto daqui”, afirma. Para o motorista de caminhão aposentado, o asfalto é o principal gargalo. “Tenho água, esgoto. Tem um ponto de ônibus ali. A única coisa que falta é o asfalto”, garante. Lilian Bandeira da Silva, de 47 anos, saiu do Ceará há quase dez anos, e está há seis em Campinas, sempre no Itaguaçu. Ela mora no bairro com o marido e a filha de 9 anos, e também reclama da falta de pavimentação, mas vê na distância do posto de saúde um grave problema. “Ruim quando chove, ter que subir tudo. Para ir na escola, a criança chega de barro. Mas o posto que tem é no São Domingos, é bem longe”, conta. Rua no Jardim Itaguaçu 1, em Campinas (SP), onde está a maior das 118 favelas mapeadas pelo Censo 2022 na cidade — Foto: Isabela Meletti/g1 O que pode ser feito? Questionada sobre a falta de asfalto e a reclamação sobre a distância para o posto de saúde, a prefeitura informou, em nota, que obras de infraestutura estão em planejamento, e que o núcleo residencial tem o centro de saúde de referência “de acordo com as diretrizes do Programa de Saúde da Família”. “O núcleo residencial Vila Diva, no loteamento Itaguaçu, está em fase regularização e conta com abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta regular de lixo, rede de energia elétrica domiciliar e iluminação pública e é atendido por serviço público de transporte. Outras obras de infraestrutura urbana, como implantação de asfalto, estão em planejamento pela Prefeitura. Inclusive, já estão recebendo pavimentação e drenagem as ruas Jerônimo Mendonça, Estevam Guedes e Lourival de Almeida, no Jardim Itaguaçu. O núcleo Vila Diva possui Centro de Saúde de referência, de acordo com as diretrizes do Programa de Saúde da Família. A regularização em andamento deste núcleo não foi considerada pelo IBGE”. Euza, de 58 anos, reclama da falta de asfalto no Jardim Itaguaçu 1, em Campinas (SP) — Foto: Isabela Meletti/g1 140 mil moram em favelas Os novos dados do Censo 2022, divulgados pelo IBGE nesta sexta-feira (8), apontam que Campinas (SP) possui 118 favelas e comunidades urbanas, e que nelas vivem 140,7 mil pessoas, o que representa 12,3% da população (1.139.047 habitantes). O percentual é acima do registrado no Brasil, que é de 8,1%. Ao todo, foram identificados 49,6 mil domicílios nas favelas da metrópole, em que a maior parcela dos habitantes são pretos e pardos: 66,6% – veja mais detalhes abaixo. O conceito utilizado pelo IBGE para definir favelas e comunidades urbanas é a identificação de áreas com predominância de domicílio com graus diferenciados de insegurança jurídica da posse, e pelo menos mais um dos seguintes critérios: Ausência ou oferta incompleta e/ou precária de serviços públicos (…) por parte das instituições competentes;Predomínio de edificações, arruamento e infraestrutura que usualmente são autoproduzidos e/ou se orientam por parâmetros urbaísticos e construtivos distintos dos definidos pelos órgãos públicos;Localização em áreas com restrição à ocupação definidas pela legislação ambiental ou urbanísticas (…) ou em sítios urbanos caracterizados como áreas de risco ambiental. Em todo o Brasil, o IBGE mapeou 12.348 favelas e comunidades urbanas em 656 dos 5.570 municípios brasileiros, o que corresponde a 16,3 milhões de residentes. A maior delas é a Rocinha (RJ), com 72.021 residentes, seguida pela favela Sol Nascente, em Brasília (DF), com 70,9 mil. Paraisópolis, em São Paulo (SP), é a terceira maior, com 58,5 mil moradores. Nenhuma comunidade de Campinas aparece no ranking das 20 mais adensadas. Mulheres são maioria Assim como na população em geral, as mulheres também são maioria entre os moradores de favelas em Campinas. Elas são 70.789 dos residentes, enquanto o número de homens é de 69.995. Considerando os dados por cor ou raça, a população parda representa mais da metade do contingente (53,32%), enquanto pretos são 13,35%. Os brancos somam 33,08%, e ainda há moradores indígenas (0,16%) e que se identificam como raça amarela (0,09%). Já a idade mediana entre os moradores de favelas em Campinas, que é o ponto que separa a metade mais jovem da mais velha, é 29 anos. Analisando por faixas etárias, há 45,9 mil moradores entre 0 e 19 anos; 83 mil adultos com idades entre 20 e 59 anos; e 11,8 mil idosos, que incluem cinco moradores centenários. O que diz a prefeitura? “Comparando o Censo de 2010 com o de 2022, Campinas reduziu de 148,2 mil para 140,7 mil o número de pessoas vivendo em “favelas e comunidades urbanas”. O percentual populacional caiu de 13,8% para 12,13%, segundo o levantamento do instituto. Os dados do Censo referem a 2022 e não consideram os avanços de Campinas, especialmente dos últimos 3 anos e meio. De 2021 até agora, foram 52 núcleos urbanos regularizados, o que corresponde a 9.755 domicílios e equivale a uma área de 2.354.664,84 m², beneficiando uma população de quase 40 mil pessoas. “Houve uma queda de 2010 para 2022 e ainda não foram incluídos os novos domicílios que deixaram de ser considerados irregulares, como é o caso das residências do loteamento Vila Vitória, que possui mais de 1 mil lotes e toda infraestrutura essencial implantada”, diz Lucas Bonora, diretor de Regularização Fundiária de Campinas. Desde o início da implantação do Programa de Regularização Fundiária na cidade, foram 117 núcleos urbanos foram regularizados, o que totaliza 19.314 domicílios regularizados e representa uma população de 80 mil pessoas contempladas em uma área de 4.429.518,92 m².” *Sob supervisão de Fernando Evans VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região