Ser chamada de “capivara” no trabalho configura assédio moral? Para o juiz José Aguiar Linhares Lima Neto, da 5ª Vara do Trabalho de Campinas (SP), não. O magistrado considerou que o apelido não é ofensivo e, usando também esse argumento, negou o pedido de indenização de uma ex-funcionária que alegou ser chamada desta forma em uma fábrica da Samsung na metrópole. Por isso, a defesa da ex-empregada recorreu da sentença neste mês ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e aguarda o julgamento. Na decisão de primeira instância, o juiz cita dois argumentos para negar o pedido da trabalhadora: Que a prova de que a trabalhadora era chamada de capivara “restou dividida” no processo, ou seja, não ficou cabalmente provado;Que chamar alguém de capivara “não retrata conduta ilícita do empregador”. Procurada pelo g1, a Samsung informou que não irá comentar sobre o caso. “Baleia”, “burro” e “cavalo” não pode O juiz trabalhista afirmou na sentença, no entanto, que a utilização de outros animais como apelidos pode configurar ofensa ou elogio inadequado. “Não se ignora que a utilização de nomes de animais pode ser ofensiva (por exemplo, “burro”, “baleia”, “cavalo”, etc) ou elogiosa (“gato”, “peixinho”, “tubarão”, etc). Todavia, existem animais que não parecem ser ofensivos, tampouco elogiosos, e “capivara” certamente se enquadra nessa regra”, disse o magistrado na decisão. Capivara acompanhando família durante banho — Foto: Projeto Hapia/Carlos Tuyama O que dizem os especialistas? Para a advogada trabalhista Alexandra Pacheco Leitão, a decisão da Justiça está equivocada ao considerar que o apelido “capivara” não se enquadra nas conotações ofensivas ou elogiosas. Segundo a especialista, a legislação trabalhista “condena a existência de condutas abusivas, repetitivas e prolongadas que expõem o trabalhador a condições humilhantes e constrangedoras”. A advogada defendeu ao g1 que a diferenciação de animais, conforme fez o magistrado, não deve ser realizada de forma genérica e lembrou uma decisão da Justiça da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá que considerou o apelido “capivara” ofensivo. “Há que ser levado em conta o momento, o local, as circunstâncias, a própria natureza da pessoa, porque trata-se de uma questão íntima que pode afetar a imagem e a honra da pessoa, fazendo ela se sentir humilhada e constrangida, independentemente do animal atribuído”, disse. O advogado trabalhista Mauricio Gasparini também defendeu que o apelido deve ser avaliado no contexto em que está inserido, isto é, de acordo com a conotação que tem naquela região ou estado. E, na ausência disso, como ele entende ser o caso da capivara, os aspectos pessoais dos envolvidos. “Na ausência de um contexto cultural em relação à capivara, é importante identificar características físicas da pessoa ofendida, como cor da pele, pelos no corpo e aparência corporal que indiquem que o suposto ofensor estaria zombando da semelhança com uma capivara”. “O tema é polêmico, não se ignora. Mas é inegável que não se costuma chamar uma mulher de capivara para identificá-la como bela, elegante ou fidalga. A probabilidade de ter sido alvo de zomba em razão de cor, pelos ou aparência grosseira é maior, na observação do que ordinariamente acontece em sociedade”, entendeu Mauricio Gasparini. O especialista ressaltou que o juiz tem liberdade constitucional para decidir conforme o livre convencimento dele, e que cabe, sim, ao poder Judiciário decidir se determinado apelido ou alcunha é ofensivo. Ressaltou, no entanto, que é preciso analisar o contexto para formar a interpretação. “Uma vez identificado que a trabalhadora fora apelidada de “capivara” no ambiente de trabalho, deve ser avaliado se o contexto foi de zombaria, diminuição e chacota contra a pessoa. Caso sim, deverá ser indenizada de acordo com a CLT, em valores que podem ir de 3 salários contratuais até 50 salários contratuais, a depender da classificação da ofensa, que vai de leve a gravíssima”, disse o advogado. Para Gasparini, a defesa pode obter no TRT-15 o entendimento de que “capivara” é sim uma ofensa, no entanto, o segundo argumento utilizado pelo juiz de primeira instância, de que não ficou cabalmente provado que ela era chamada assim no ambiente de trabalho, deve fazer com que no final a sentença da 5ª Vara do Trabalho de Campinas seja mantida. VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região