“Eu deixei de acreditar em mim. Eu deixei de acreditar em mim como mãe, como mulher, como profissional, como tudo. Você para de se enxergar, para de se reconhecer. Você vive a verdade do agressor”. O relato é de uma moradora de Campinas (SP) vítima de uma série de agressões do companheiro após engravidar. As notificações de violência na cidade cresceram 26% em 2023 e bateram um novo recorde, segundo dados divulgados pela Prefeitura de Campinas. E as mulheres adultas são a maioria das vítimas na metrópole. Ela conta que tudo mudou no relacionamento quando a gestação foi descoberta. “Era perfeito, tudo incrível. Até que eu engravidei. Descobri que eu estava grávida em setembro. Foi onde começou a mudar tudo. Primeiro foram agressões verbais, agressões psicológicas, até de fato chegar à agressão física”, relata. Vítima de violência doméstica relata dificuldade para recomeço — Foto: Reprodução/ EPTV Hematomas e agressões na frente dos filhos A situação foi escalonando ao longo dos meses. “Quando eu estava de sete meses, ele me agrediu muito que eu fiquei com hematomas pelo corpo todo, inclusive no olho. E com o tempo, as agressões começaram a ser na frente dos meus filhos”. Depois de conseguir uma medida protetiva contra o agressor, ela revela que recomeçar também é doloroso. “Diversas vezes depois das agressões eu ouvia: ‘você está satisfeita?’. Como se fosse a minha culpa. Acreditar em mim, acreditar que eu vou conseguir dói, dói muito”, afirma, em meio a lágrimas. Ela destaca a importância de apoios externos para romper o ciclo de violência. “A gente fica tão envolvida naquele sentimento, naquela dependência que a gente sente, que a gente não tem muita força. Se você não tiver um bom auxílio, pessoas ao seu lado que realmente te entendam, fica impossível”. Vítima de violência doméstica conta sobre reflexos psicológicos — Foto: Reprodução/ EPTV 3.634 notificações em 2023 No total, foram 3.634 notificações de violência em Campinas em 2023, o maior valor da série histórica iniciada em 2009, ante 2.886 de 2022. Os dados são do Boletim Sisnov, o Sistema de Notificação de Violência em Campinas e, além de mulheres, incluem casos contra crianças, adolescentes, adultos e idosos. Apesar de admitir que ainda há um cenário de subnotificação, o município aponta no boletim três motivos que levaram ao crescimento dos casos de violência em 2023: Efetivo crescimento nos índices de violência no município; Aumento na percepção da violência, motivando um maior procura pelos serviços;Maior sensibilização dos profissionais envolvidos no atendimento às vítimas de violência. “É fundamental reconhecer que a subnotificação no Brasil, assim como em Campinas, permanece como um grande desafio. Diversos fatores, como desconfiança nas instituições, medo, culpa, dificuldades de acesso aos serviços e o não reconhecimento de determinadas formas de violência, contribuem para a existência da subnotificação”, diz o boletim. Notificações de violência em Campinas entre 2009 e 2023 Novo recorde foi registrado no ano passado Fonte: SISNOV Tipos de violência mais recorrentes Enfermeira responsável pelo Sisnov, Juliana Bassul aponta que a violência física, seguida por tentativa de suicídio e violência sexual são as mais recorrentes na cidade. “Com o sistema Sisnove, a gente consegue identificar quem são essas pessoas que procuram, muitas vezes, serviços de urgência e não estão inseridas na Unidade Básica de Saúde. Então, isso é um primeiro ponto. O segundo ponto é a capacitação e sensibilização dos profissionais em entenderem o que aquela pessoa está querendo dizer, e muitas vezes não é dito, porque a violência ainda é um tabu para todos nós”, explica. Mais casos na região sul E a região sul da cidade tem o maior número de casos. Foram 1 mil notificações. De acordo com a prefeitura, essa região concentra áreas mais vulneráveis, exatamente onde os moradores mais dependem de ações do poder público contra a violência. “A região sul da cidade é uma das maiores regiões, em número de pessoas. Então, em comparação aos outros distritos, o distrito sul é o maior em extensão e número de serviços. Nós incluímos mais serviços em toda a Campinas, seja na assistência, na educação, na saúde. Então, tudo isso, atrelado às capacitações que a gente fez no ano de 2023, fez com que tivesse esse aumento das pessoas buscarem mais os locais de atendimento”, acrescenta Juliana. VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e Região
‘Eu deixei de acreditar em mim’: vítima relata rotina de agressões de companheiro após engravidar
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