Entenda como tragédia ambiental no minipantanal pode reduzir população de aves migratórias

Entenda como tragédia ambiental no minipantanal pode reduzir população de aves migratórias

O g1 conversou com o ecólogo e professor da Esalq/USP, Flávio Bertin Gandara, para entender quais serão os desafios que dezenas de espécies de aves migratórias devem enfrentar após a tragédia ambiental. A migração dessas espécies está relacionada ao comportamento reprodutivo dos animais, pontua o especialista. As aves vão de um hemisfério a outro, ou de uma região a outra do Brasil, procurando melhores condições para se reproduzirem. “Os maiores desafios [após a mortandade] ocorrem a curto e médio prazos. As aves piscívoras, que comem peixes, serão as mais impactadas. Aquelas que se migratórias e buscam refúgio no Tanquã, provavelmente, irão para outros lugares. Isso pode diminuir a população dessas aves na região no curto e médio prazo”, afirma Gandara. Entre as aves migratórias, há 23 espécies que voam da América do Norte e passam pela área de proteção ambiental alagada do Tanquã, aponta o ecólogo. “Esse número representa 46% das aves migratórias norte-americanas do estado de São Paulo. Essas espécies vêm do Ártico, atravessam o Oceano Atlântico na América Central. Algumas vêm em voos ininterruptos até chegarem às ilhas do Caribe, passam pela América do Sul, atravessam o Centro do Brasil até aqui, na nossa região do Tanquã”, explicou. ARQUIVO: Tanquã abriga cerca de 170 espécies de aves nativas e migratórias, além de mamíferos, répteis e anfíbios — Foto: Katiucia Medeiros Além das migratórias, o Tanquã abriga aves residentes, que dependem daquele ecossistema para sobreviverem, algumas em risco de extinção. Segundo o especialista, das 290 espécies que ocorrem no Tanquã, 13 delas são listadas como ameaçadas. Com extensão equivalente a 14 mil campos de futebol, a área de proteção ambiental (APA) do Tanquã abrange as cidades de Anhembi (SP), Botucatu (SP), Dois Córregos (SP), Piracicaba (SP), Santa Maria da Serra (SP) e São Pedro (SP), no interior de São Paulo. ARQUIVO: APA Tanquã-Rio Piracicaba, em Piracicaba — Foto: Reprodução/EPTV Membro do Corredor Caipira, projeto socioambiental e agroecológico patrocinado pela Petrobras que, entre outras iniciativas, realiza recuperação de áreas naturais degradadas, Flávio Gandara também comentou como a mortandade de peixes pode impactar no ecossistema da região. As águas rasas do Tanquã serve de refúgio para descanso, alimentação, abrigo e local para reprodução de aves migratórias. O minipantal recebe espécies de águia-pescadora, marreca-caneleira, irerê, mergulhão-caçador, falcão-peregrino, batuiruçu, batuíra-de-bando, andorinha-de-bando e alguns maçaricos como os de-bico-virado, de-perna-amarela e grande-de-perna-amarela, entre outras. Mortandade O Tanquã tem cerca de 50 pescadores e famílias que dependem da pesca para sobreviver. 👉Leia aqui relatos de quem vive no local. Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba — Foto: g1 Espécies e rotas de migração 🐦 O professor da USP ressalta que, além das aves migratórias, o Tanquã é casa de espécies de aves endêmicas, aquelas de deslocamento restrito, que não migram e permanecem na região da APA. Com a falta de alimento devido à mortandade e baixa qualidade da água, esses animais devem sofrer mais diante da tragédia ambiental. “Essas aves podem ser ainda mais vulneráveis do que as migratórias porque dependem desse local onde vivem especificamente para manterem suas populações. Uma delas, por exemplo, é a narceja-de-bico-torto. O único registro documentado dessa espécie no estado de São Paulo é da região da fazenda Barreiro Rico, que é vizinha no Tanquã”, observa. Na lista vermelha de aves ameaçadas, o ecólogo aponta algumas espécies aquáticas que ocorrem no Tanquã, diretamente relacionadas aos campos úmidos – os brejos. Entre elas: narcejãopapa-mosca-canelacaboclinho-brancocaboclinho-de-barriga-vermelha América do Norte Existem espécies que se reproduzem na América do Norte, entre o outono e inverno, migram para América do Sul e começam a ser verificadas na APA do Tanquã entre agosto e abril. Brasil Há também aquelas espécies que se reproduzem no sul do Brasil e migram para o norte no outono, retornando para o sul na primavera. O Tanquã também recebe aves que se reproduzem no estado de São Paulo, normalmente, entre agosto e abril, e migram ao centro do país e para Amazônia, permanecendo naquela região de maio a julho. Pantanal O ecólogo menciona ainda a existência de outras espécies que se reproduzem no pantanal e depois vão para o Tanquã. Este é o caso do colhereiro, por exemplo, que vive em bandos em áreas alagadas, manguezais e praias lamacentas no interior ou no litoral. Mista Flávio Gandara também espécies que parte da população migra e outras não migram como é o caso do gavião-caramujeiro. Pelo comportamento, ocorre em áreas úmidas, como pântanos, brejos, campos alagados e rios. A ave se espalha pela América inteira, desde os Estados Unidos até o Uruguai, passando por todo o território brasileiro. O gavião-caramujeiro alimenta-se quase exclusivamente de grandes caramujos aquáticos — Foto: Raphael Kurz/Arquivo pessoal “Tem espécies que os imaturos, mais jovens, permanecem o ano inteiro na APA e os adultos migram, que é o caso da águia-pescadora”, acrescenta Gandara. Ameaçada de extinção Considerado ameaçado de extinção no Brasil, o maçarico-acanelado é uma espécie de ave que passa pelo Tanquã a caminho de área de invernada, como o Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no Rio Grande do Sul. No retorno, passa novamente pelo minipantanal paulista. “É uma espécie restrita a locais úmidos. Não se alimenta de peixes, mas de capins nas áreas alagadas”, pontua Gandara. ARQUIVO: ave repousa em pedaço de madeira no Tanquã, em Piracicaba, entre 2021 e 2022 — Foto: Divulgação/Corredor Caipira Peixes Devemos lembrar também que há, pelo menos, 14 espécies peixes que ocorrem no Tanquã são migratórios de longa distância que podem percorrer centenas de quilômetros. Assim, como as aves, eles também fazem isso para se reproduzirem, só que ficam restritos aos corpos d’água. Então, sobem o rio, a chamada Piracema, à procura de locais adequados para reprodução. APA Tanquã-Rio Piracicaba — Foto: Governo do Estado de São Paulo Nota de repúdio O Centro de Estudos Ornitológicos (CEO) emitiu nota pública de repúdio nesta quinta-feira (18) após a tragédia ambiental. No documento, o órgão pede que medidas sejam tomadas e penalidades aos responsáveis. O CEO, em nota, afirma que colabora com a elaboração do Censo Neotropical de Aves Aquáticas (CNAA), realizado duas vezes ao ano para monitoramento das populações de aves neotropicais aquáticas, registros sobre espécies migratórias e as estimativas. Tanquã se formou nos anos 1950 — Foto: Governo do Estado de São Paulo Equipes do CEO estiveram na região do Tanquã para coleta de dados no último dia 13 de julho e, segundo o documento público, flagraram a mortandade de peixes. “A atividade do censo foi desenvolvida conforme o planejado e na totalidade do trajeto, nos 17 km percorridos de barco, foi possível identificar centenas de milhares de peixes mortos espalhados ao longo do rio”, comunicou em nota. “Como resultado do levantamento realizado pelo CEO, foi possível registrar em torno de 58 espécies de aves, sendo 32 delas aquáticas e, portanto, alvo do CNAA, e mais de três mil indivíduos que estão intimamente ligadas e sob influência direta dos efeitos negativos decorrentes dessa ação antrópica no ambiente”, elencou em outro trecho do documento. APA Tanquã-Rio Piracicaba é considerada um santuário para fauna — Foto: Governo do Estado de São Paulo Faixa branca entre a vegetação são milhares de peixes mortos no Tanquã, em imagem feita de drone — Foto: Reprodução/EPTV Mortandade de peixes no Tanquã, em Piracicaba — Foto: Rodrigo Pereira/ g1 VÍDEOS: Tudo sobre Piracicaba e Região

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