Emilce Cuda: “As leis trabalhistas não nascem de um laboratório, são necessidades que nascem de situações injustas”. Padre Modino – Espanha Em um mundo onde nem tudo está perdido, a secretária da Pontifícia Comissão para a América Latina, Emilce Cuda, refletiu sobre o trabalho no Magistério do Papa Francisco no Instituto de Pastoral de Madri. A teóloga argentina destacou a necessidade de escutar mais do que doutrinar, mostrando a importância de construir pontes Norte-Sul, entre as Américas, com Espanha e Portugal, de conectar organizações, algo que ela assume em seu trabalho na Cúria vaticana. O Magistério Social do Papa Francisco é uma continuação do caminho iniciado com a Rerum Novarum, disse Cuda, que refletiu sobre a diferença entre trabalhador e operário, uma novidade nascida da Revolução Industrial, em um momento em que se iniciou a luta por direitos, que a Igreja Católica ajudou a levar adiante, o que representou um avanço, porque até então os trabalhadores lutavam pela sobrevivência. Tratava-se de superar a injustiça nascida da falta de regulamentação das relações de trabalho e, com o avanço da organização sindical, a luta pela vida se transformou em uma luta por direitos. Nesse sentido, ela enfatizou que “as leis trabalhistas não nascem de um laboratório, são necessidades que nascem de situações injustas”. Partindo do princípio de que o trabalho é tudo, o que se conseguiu nos últimos 150 anos foi que os trabalhadores se organizassem para que suas necessidades fossem reconhecidas como direitos, destacou a secretária da CAL. Emilce Cuda em Madri Cuda refletiu sobre o diálogo social, um conceito presente na Fratelli tutti, que ocorre entre partes organizadas de uma sociedade em conflito. Nesse diálogo todos estão sentados à mesma mesa, para o qual é necessário reconhecer os que estão na periferia como interlocutores válidos, para ouvi-los na tomada de decisões, um modelo nascido com a Rerum Novarum e retomado pelo Papa Francisco. Não podemos nos esquecer de que a Organização Internacional do Trabalho, nascida em 1919, é a estrutura mais alta na mesa de diálogo. O retrocesso atual, que fica explícito quando o Papa Francisco fala dos descartados, é causado pelo fato de que todos os trabalhadores que conseguiram se organizar na luta por direitos perderam essa conquista. Nesse contexto, surge o conceito de solidariedade, e Cuda afirma que o diálogo social requer solidariedade, porque “estamos em um momento em que a luta por direitos está retornando à luta primária pela vida”, o que deve nos levar a ver como restaurar o valor do que significa o diálogo social. Da mesma forma, diante do desemprego estrutural, consequência do salto tecnológico, é necessário entender que o trabalho é trabalho quando o Estado o reconhece como tal, quando há garantias sociais. Uma realidade que provoca mudanças na Doutrina Social da Igreja, respondendo a uma realidade marcada por novas relações, que passaram de conhecimento e amor para aquelas que provocam ignorância, divisão, o que leva o Papa Francisco a ver a unidade como um passo necessário para a justiça. Emilce Cuda em Madri A atual crise institucional é consequência do desaparecimento do trabalho, segundo a secretária da CAL, algo que se expressa nas atuais campanhas políticas, em torno de símbolos religiosos, levando a uma “política de devoção” que organiza a esperança das pessoas a partir de uma perspectiva que amedronta, encerra, isola, oferecendo falsos misticismos de salvação, já que isolar se tornou uma forma de abusar das pessoas. Diante dessa vida ameaçada, em uma sociedade em que os direitos sociais são abdicados quando estou fora do sistema, é necessário sair da lógica da rentabilidade e entrar na lógica do cuidado, reconhecer o cuidado como um trabalho, mudar o hábito de consumo, incluindo o consumo de discursos ou propostas acadêmicas. Diante da atual mudança de época, “não podemos repetir as categorias do século XX”, enfatizou Cuda. Em uma sociedade em que já não temos partidos políticos, temos movimentos, nos deparamos, segundo a teóloga argentina, com discursos violentos com os quais se ganham processos eleitorais, o que faz com que as pessoas se unam porque estão morrendo. Isso significa que, na ausência de um plano estratégico, os movimentos populares se tornaram uma forma diferente de fazer política. /content/dam/vaticannews/multimedia/2024/novembre/21/2.jpg Dado que o trabalho está no centro do problema, como denuncia a Fratelli tutti, somente por meio do diálogo social a crise atual poderá ser combatida, desde que todos estejam na mesma mesa. De acordo com Cuda, a solução vem do subsolo do planeta, da comunidade organizada, o que levou muitas comunidades a se organizarem em rede e pela vida. É necessário criar uma comunidade de comunidades, transferir conhecimento, transferir elementos de negociação, aprender com os outros a cuidar da vida. Isso ocorre porque todo conhecimento é válido, o que mostra a importância do conhecimento trans e interdisciplinar. Para a secretária da CAL, “o conhecimento que precisamos para viver não é o que aprendemos nas universidades”, insistindo que todo conhecimento é válido em momentos críticos. Cuda advertiu contra o assédio, de vários tipos, contra o falso misticismo, e enfatizou que os líderes vêm de baixo, da comunidade, nascem, têm de ser reconhecidos por seu povo, algo presente no Magistério de Francisco, que chama a organizar a esperança, mas de uma forma diferente daquela que muitos pretendem, definindo-a como “uma âncora que jogamos longe e da qual puxamos para chegar a esse lugar”. Por fim, ela insistiu mais uma vez no fato de que a luta pelos direitos sociais no século XX é hoje uma luta pela vida, e na necessidade de ver o caminho a seguir hoje, em um mundo que mudou, o que deve levar à descoberta criativa de novos caminhos, e não permanecer nos odres velhos. 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Emilce Cuda em Madri: o trabalho no Magistério do Papa Francisco
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