Nunca houve um autor como Gilberto Braga. Dez entre dez noveleiros consideram “Vale Tudo” (1988) a melhor novela já escrita em todo o Sistema Solar. Tanto é que as especulações sobre o elenco do remake que a Globo confirmou para 2025 andam viralizando mais que as notícias de “Renascer”. Taís Araújo acabou de ser confirmada como a mãe batalhadora Raquel, papel que foi de Regina Duarte, e Cauã Reymond já fechou para viver o cafajeste César Ribeiro (Carlos Alberto Riccelli). E se antes a pergunta era “quem matou Odete Roitman?”, agora os noveleiros andam se perguntando: “Quem será Odete Roitman?”, já que a atriz que viveu a personagem mais icônica da trama ainda não foi escolhida. Fazendo um esquenta para o remake, duas novelas menos lembradas de Gilberto acabam de ser relançadas. “Corpo a Corpo” (1984) é talvez a novela menos lembrada do mestre e, em 40 anos, nunca tinha sido reprisada nem no canal Viva. Na época, ainda deu o azar de vir logo antes de um dos maiores sucessos da Globo, “Roque Santeiro” (1985). É a única novela de Gilberto com um toque de sobrenatural porque tem como personagem… o Diabo, ele mesmo. Na figura de Raul (Flávio Galvão), ele faz o seu famoso pacto com Eloá Pelegrini (Débora Duarte), uma engenheira ambiciosa que topa subir na vida a qualquer preço. Sua promoção começa a incomodar o marido Osmar (Antonio Fagundes), homem pacato que se contenta com o salário que pinga em sua conta no fim do mês. O autor já discutia ali a ascensão do feminismo, e como os maridos não sabem lidar com mulheres que ganham mais do que eles –será que as coisas mudaram muito? E o Diabo? Ele só aparece de vez em quando, manca de uma perna, e ninguém o vê entrar ou sair a não ser Eloá. E (claro) é bonito e sedutor. Promete dar tudo o que Eloá deseja, mas depois vai pedir muita coisa em troca. Uma história que causou na época foi o romance entre a paisagista Sônia (Zezé Motta) e o playboy Cláudio (Marcos Paulo). O casal serviu para discutir o racismo velado na família do patriarca Alfredo (Hugo Carvana). Como na época não havia redes sociais para os haters destilarem seu racismo, a Globo recebia cartas indignadas com o casal. Para além dos conflitos sociais, “Corpo a Corpo” é puro suco de anos 80. O primeiro capítulo termina em uma grande festa à fantasia com o E.T., o palhaço Arrelia, a princesa Léa e outras figuras pop da época. E um baby Selton Mello, na época com 11 anos, fazia o filho de Eloá e Osmar, já dando todos os sinais do grande ator que seria no futuro –na semana passada, o ator tuitou que está viciado na reprise e que “não lembra de nada”. VIOLÊNCIA CANCELADA “Água Viva” (1980) é uma novela mais solar. Com um elenco de pesos pesados –Betty Faria, Reginaldo Faria, Raul Cortez, Tônia Carrero, José Lewgoy, Gloria Pires ainda adolescente, Fábio Junior–, gira em torno de Lígia (Betty), que, depois de divorciar do segundo marido, fica dividida entre dois irmãos, o cirurgião plástico Miguel (Raul) e o playboy Nelson (Reginaldo), que vive de velejar e participar de campeonatos de pesca. Nelson descobre que tem uma filha perdida de oito anos, Maria Helena (Isabela Garcia, que na época tinha 13), menina que vive num orfanato depois da morte da mãe. Com o lançamento da novela no Globoplay, os noveleiros relembraram que a emblemática surra da vingança de Maria Clara Diniz (Malu Mader) na vilã Laura (Cláudia Abreu) num banheiro de boate em “Celebridade” (2003) era apenas uma cópia descarada de uma mesma surra de “Água Viva”: a de Lígia na ex-melhor amiga Selma (Tamara Taxman), que lhe roubou o marido. As duas seriam canceladíssimas hoje em dia pelo excesso de violência contra a mulher (aliás, a depender das novelas, até parece que as mulheres se agridem fisicamente entre si muito mais do que os homens). Prepara-se ainda para muita gente fumando sem parar nas duas novelas, já que o cigarro era quase um item obrigatório entre os adultos. Ah, e tem a trilha sonora da época em que a Globo bombava com os gigantes da MPB: Gal, Bethânia, Caetano, Elis Regina, Beth Carvalho, Baby Consuelo (que ainda não era “do Brasil”) e por aí vai. “CORPO A CORPO” De segunda a sábado, 14h40 e 0h30, no Viva Seis capítulos por semana disponíveis no Globoplay +Canais “ÁGUA VIVA” Disponível na íntegra no Globoplay Thiago Stivaletti Salvar artigos Recurso exclusivo para assinantes assine ou faça login Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).
Demônio, racismo, surra no banheiro: Por que Gilberto Braga voltou com tudo (e que bom)
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