🙏 A ideia, que pode afastar céticos em instantes, não carece de adeptos. Em Campinas (SP), um evento com 565 inscritos reuniu palestrantes de diversas áreas médicas que, apresentando casos classificados como reais, debateram sobre a dimensão espiritual da prática médica. Costumo dizer que, hoje, não considerar isso [espiritualidade] já é uma postura anticientífica. A ciência consegue entender, independente das explicações por trás disso, que a fé das pessoas e a forma como elas entendem a vida tem um impacto na sua saúde, e se isso é importante na vivência do indivíduo, a gente precisa tentar compreender e se aproximar dessa dimensão da experiência dele, porque isso vai impactar na forma de cuidar. — Marcus Ribeiro, psiquiatra e presidente da Associação Médico-Espírita de São Paulo (AME-SP) Engana-se quem acredita que o debate se restringe à religião espírita. O encontro, segundo Ribeiro, acontece como uma forma de incentivar a comunidade médica a reconhecer a importância da fé no prognóstico dos pacientes, independentemente das crenças religiosas praticadas. “Eu posso até não ter a minha crença religiosa, mas preciso entender que a crença do outro impacta e tem interferência na sua saúde […] Existe um interesse grande dentro dessa temática, não só por parte da comunidade científica, mas também por parte dos próprios pacientes que desejam que isso seja valorizado, olhado, pesquisado pelos seus profissionais de saúde”, destacou. Médico Joseph Varon conforta idoso em UTI no Texas, EUA — Foto: Go Nakamura/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/Getty Images via AFP E na prática? O presidente da AME-SP destaca que a principal ferramenta para unir espiritualidade à medicina em consultórios e hospitais é, primeiramente, entender como a “experiência espiritual” de cada paciente pode se tornar um “mecanismo de enfrentamento”. “A partir disso, eu vou utilizar aquilo que o indivíduo tem de recurso, a partir da sua própria fé, da sua própria experiência, da sua própria vivência para entender como aquilo pode ser um suporte no enfrentamento do seu adoecimento. Ésempre uma visão convida a olhar para o indivíduo de uma forma integral, mas não necessariamente da perspectiva da minha religiosidade ou da minha espiritualidade”, explicou. Em Campinas, 25 pessoas fazem parte da Associação Médico-Espírita, segundo o presidente da regional, o médico nutrólogo Flávio Souto. No dia a dia, o trabalho chamado de “prático” em relação à espiritualidade é feito por dois meios: capelania e Apoio Fraterno. 🏥 Capelania: serviço de assistência religiosa para pessoas internadas em hospitais, também chamado de “visitação espiritual”. A prática é assegurada pelo art. 5º, inciso VII, da Constituição Brasileira de 1988.🤝 Apoio Fraterno: grupo de pessoas treinadas para dar suporte a dependentes químicos dentro dos moldes da doutrina espírita. “Todo ser humano que chega para mim eu vejo como um espírito em evolução. De alguma forma está em sofrimento. Então a gente não tem que olhar só para o lado físico, o lado biológico da coisa. A gente tenta olhar também para o lado emocional, espiritual do indivíduo. E com isso a gente procura a chamada saúde integral, aquela saúde que combina o físico com o espiritual”, complementou Souto. Evento em Campinas (SP) sobre medicina e espiritualidade reuniu 565 inscritos — Foto: Isabela Meletti/g1 Relatos de caso No evento realizado na metrópole, profissionais da área da saúde dividiram casos clínicos sob uma perspectiva que une ciência e medicina. Entre os palestrantes, estavam clínicos gerais, ginecologistas, cirurgiões plásticos e pneumologistas, sendo alguns deles professores universitários. 📖 Todos os atendimentos discutidos foram reunidos em um livro. A obra aborda temas que incluem: o efeito de melatonina em médiuns;alucinações na perspectiva espírita;espiritualidade e psiquiatria em casos complexos;e transtorno depressivo e ansioso na pandemia e correlação com obsessão espiritual. As primeiras páginas do livro, contudo, trazem um alerta dos autores: o espiritismo e a ciência são vistos como complementares, “sendo fundamental uma abordagem crítica e construtiva, que promova o diálogo entre ambos”. “A visão médico-espírita apenas amplia o cuidado e tratamento indicados para cada caso apresentado. Nunca há divergências entre o tratamento médico indicado no estado da arte atual para cada diagnóstico e as possibilidades ampliadoras que a abordagem médico-espírita propõe”, frisa o texto. O que diz o Código de Ética Médica? ⚕️ O Código de Ética Médica garante aos profissionais o direito de exercer a medicina sem discriminação por religião, etnia, gênero, orientação sexual, idade, condição social ou outras características. Os médicos também devem tratar os pacientes de forma igualitária, sem discriminação. É proibido que crenças religiosas de superiores influenciem decisões médicas ou limitem a escolha de tratamentos. O Código também assegura aos médicos o direito de indicar o tratamento adequado, de acordo com práticas cientificamente reconhecidas e a legislação vigente. O g1 questionou o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) sobre os limites entre espiritualidade e a prática médica, mas a instituição se limitou a dizer que “não há nenhum capítulo do Código de Ética Médica que fale especificamente e diretamente sobre este tema”. O Conselho Federal de Medicina (CFM), responsável por elaborar o Código de Ética Médica, também foi questionado sobre o assunto, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região
Congresso em Campinas reúne médicos que defendem união entre espiritualidade e medicina
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