A BBC investigou o aumento no número de vídeos de “recrutamento” postados na plataforma, que acontece na ausência de um acordo de paz entre o governo e as facções dissidentes. “Um ou dois dão início à trend, e ela se torna moda na sala de aula”, diz Lorena (nome fictício), uma professora de 30 anos da região rural de Cauca, no sul da Colômbia. Ela conta que, ao entrar em sala, é frequentemente recebida por alunos se filmando com smartphones, desenhando no quadro-negro símbolos inspirados no agora desmobilizado grupo guerrilheiro Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ou dançando ao som de músicas revolucionárias. Lorena, que pediu para permanecer anônima por razões de segurança, diz que esse tipo de comportamento pró-guerrilha tem se tornado cada vez mais comum. “Costumava ser mais secreto…Tornou-se completamente normalizado”, disse numa entrevista à BBC por Zoom. “Infelizmente basta um ou dois (alunos) começarem a ver os vídeos (no Tiktok) em sala de aula e vira moda.” E conta que esses estudantes muitas vezes desaparecem em seguida, e, quando os vê novamente, estão em vídeos do TikTok – armados e vestindo uniforme de guerrilha. Mas há facções dissidentes que ainda não dispensaram as armas. E algumas das mais fortes encontram-se ativas em Cauca. Essas facções das Farc uniram forças sob a égide do que foi apelidado de Estado Mayor Central (EMC). Autoridades acreditam que o EMC tenha mais de 3.000 membros. Tentativas de negociação do atual governo de esquerda do presidente Gustavo Petro com a maioria das facções da EMC não tiveram sucesso. Elas continuam a operar, acredita-se que financiadas pelo tráfico de drogas, mantendo o controle dos territórios rurais e, segundo as autoridades, continuam a aumentar seu contingente. O recrutamento de crianças por grupos guerrilheiros é um problema de décadas na Colômbia, mas com as redes sociais na equação, a questão tornou-se mais difícil de combater, disseram especialistas e autoridades à BBC. Segundo o delegado do Sistema de Alerta Precoce da Defensoria Pública da Colômbia, Ricardo Arias Macías, pelo menos 184 jovens foram recrutados por grupos guerrilheiros em 2023. E este ano, até junho, 159 já haviam se alistado – todas menores de 18 anos, sendo 124 delas crianças de Cauca. “Esses são apenas os casos relatados, a maioria deles nem sequer é relatada”, disse ele. Lorena, que há nove anos trabalha como professora em comunidades pobres e remotas, diz que no último ano pelo menos 15 alunos de sua escola saíram para se juntar à guerrilha. “Você sente tanta dor, decepção… tanta impotência”, disse, com o olhar baixo. Segundo Lorena, foi depois da pandemia de Covid que o uso das redes sociais pelos guerrilheiros, principalmente o TikTok, “explodiu”. Agora, disse, a maioria dos alunos tem telefones com acesso à internet. “Eles estão sempre neles. Não conseguimos controlar”, diz ela. Durante um período de quatro semanas, a BBC identificou mais de 50 contas no TikTok em que guerrilheiros colombianos exibiam estilos de vida chamativos e incentivavam outros a se somarem. Os perigos de aderir a um grupo armado, no entanto, não são destacados. Muitas das postagens feitas por combatentes das facções da EMC continham linguagem direta de recrutamento, incentivando os espectadores a ingressar em uma facção ou outra e, repetidamente, os usuários perguntavam nos comentários como ingressar. Músicas que exaltam os líderes do passado e a vida de guerrilha compõem a trilha sonora dos vídeos, nos quais rapazes e moças posam junto a armas ou a plantações de coca, com os rostos à mostra. Embora alguns relatos sejam explícitos, revelando o nome da facção, muitos aludem às Farc usando um emoji de samurai com uma bandeira colombiana. Em abril, o ministro da Defesa da Colômbia, Iván Velásquez, alertou sobre os perigos desse tipo de vídeo no TikTok. “São ações de recrutamento que estão sendo feitas para atrair crianças, menores, em várias regiões do país”, disse. Segundo Santiago Rodríguez, jornalista que trabalha para o site investigativo colombiano La Silla Vacia, há muito tempo o EMC conta com canais oficiais de redes sociais para compartilhar declarações, incluindo um grupo de WhatsApp com jornalistas e uma conta no Facebook. Mas, mais recentemente, o conteúdo migrou para o TikTok – e atingiu um público mais jovem. De acordo com Sergio Saffon, especialista colombiano da organização de imprensa investigativa InSight Crime, esses vídeos de combatentes da EMC abordam crianças de comunidades pobres, às quais, segundo ele, são vendidas “uma ótima vida onde você pode ter tudo o que quiser. Dinheiro, mulheres, motos”. Muitas das contas de TikTok encontradas pela BBC postando esse tipo de conteúdo acabaram banidas pela plataforma. Mas novos conteúdos surgem constantemente. O TikTok não respondeu a um pedido de comentário da BBC, mas as diretrizes da comunidade da plataforma dizem que “moderar milhões de conteúdos todos os dias é um esforço complexo, e desenvolver um processo confiável para fazer isso é fundamental”. Combater o uso das redes sociais pela guerrilha também não é tarefa fácil para as autoridades colombianas. A Defensoria Pública da Colômbia designou uma equipe para tratar especificamente da questão, mas o trabalho está apenas no começo, disse Arias. Até o próprio EMC está tentando impedir que seus membros se exibam no TikTok, segundo Sebastián Martínez, membro de uma das facções do EMC em Cauca, que oficialmente faz parte da agora paralisada comissão de diálogo do grupo. “Não há campanha de propaganda das Farc para recrutar pessoas através das redes sociais”, disse ele à BBC numa entrevista via Zoom. “Há casos particulares que às vezes fogem das nossas mãos… Isso pode trazer riscos à segurança, e estamos tentando controlar isso”, disse ele. Martínez admitiu que o financiamento do EMC provém de negócios ilegais, como impostos sobre os produtores de coca, papoula e maconha, mas afirmou que agora eles também se aventuram em culturas agrícolas legais. E reconheceu também que o grupo estava recrutando crianças a partir dos 15 anos de idade, o que as autoridades colombianas consideram um recrutamento forçado devido à falta de capacidade de discernimento nessa idade. Enquanto isso, Lorena continua lutando para salvar seus alunos dos perigos da vida de guerrilha. Ela e um grupo de outros professores criaram uma rede escolar para monitorar contas de redes sociais e estabeleceram um chat de emergência para que os alunos possam entrar em contato quando se sentirem em risco. “Não podemos dar tudo a eles. Lutamos com unhas e dentes e tentamos ignorar nossos medos. Mas quando você vê uma mudança de vida, quando eles voltam e dizem que terminaram a faculdade ou abriram um negócio, é isso que te faz continuar lutando”. Reportagem adicional de Jonathan Griffin, BBC Trending
Como guerrilheiros colombianos estão usando TikTok para recrutar crianças
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