Segundo Silvia Regina Travaglia Cardoso, pesquisadora científica do Museu Biológico do Instituto Butantan, no relato sobre a captura dessa espécie, assim que a serpente foi manipulada, os olhos se encheram de sangue e uma gota foi expelida da boca quase que imediatamente. Em poucos segundos, esse sangue foi reabsorvido e os olhos estavam completamente limpos. Logo após a auto-hemorragia, a serpente não apresentava nenhum ferimento e foi devolvida ao seu habitat natural. “Em serpentes, a auto-hemorragia, ou a ejeção deliberada de sangue, ocorre através da cloaca ou dos orifícios da cabeça (narinas, boca e órbitas). Especificamente no gênero Tropidophis, a auto-hemorragia cefálica foi registrada em 13 espécies do gênero”, revela a pesquisadora. Tropidophis curtus barbouri realizando comportamento de auto-hemorragia cefálica. — Foto: Redes sociais De acordo com Silvia, esse comportamento tem sido observado principalmente em jiboias-anãs do gênero Tropidophis, manifestando-se quando são capturadas na natureza ou manuseadas em cativeiro. Elas adotam essa estratégia para afastar predadores. A assistente técnica de pesquisa científica e tecnológica Circe Cavalcanti, que também trabalha no Museu Biológico do Instituto Butantan explica que as serpentes utilizam uma grande variedade de comportamentos anti predatórios, entre eles botes, mordidas, achatar o corpo, enrolar o corpo, descarga cloacal, esconder a cabeça, tanatose (simulação de morte) e auto-hemorragia. Estratégia contra predadores Tropidophis paucisquamis, espécie que ocorre no Brasil. — Foto: Carol Farhat / iNaturalist “Os principais predadores das jiboias são as aves de rapina. Juntamente com outros comportamentos defensivos, a auto-hemorragia cefálica pode acentuar os efeitos defensivos por causa do sangue expelido, e isso parece ser uma resposta anti predatória eficiente. Porém, não há estudos suficientes para comprovar essa hipótese”, pontua Circe. Segundo ela, acredita-se que um predador natural dessas serpentes, ao testemunhar o sangue sendo expelido pelos olhos e pela boca, evita consumi-las. Isso ocorre porque a maioria dos predadores prefere se alimentar de presas vivas e saudáveis, e o sangramento sugere que a presa está morrendo ou doente, o que “desencoraja” a predação. Em répteis, a auto-hemorragia já é conhecida em algumas espécies de serpentes dos gêneros Heterodon, Nerodia, Rhinocheilus, Natrix, Zamenis e Tropidophis, e em alguns lagartos do gênero Phrynosoma. Consequências à serpente A Tropidophis paucisquamis realiza o comportamento de auto-hemorragia cefálica. — Foto: globalherping/ iNaturalist Ainda segundo a pesquisadora, os processos fisiológicos envolvidos na auto-hemorragia cefálica das serpentes do gênero Tropidophis e o efeito do sangue expelido sobre os predadores ainda não são completamente compreendidos. No entanto, até o momento, não há relatos que indiquem efeitos prejudiciais para as serpentes. No Brasil As jiboias-anãs são espécies não peçonhentas, ou seja, inofensivas ao homem. Possuem dentição áglifa, caracterizada pela presença de dentes, mas não de presas inoculadoras de veneno. No Brasil, são registradas 3 espécies para o gênero: Tropidophis paucisquamis, Tropidophis preciosus e Tropidophis grapiuna. Até o momento, registros científicos documentam apenas a espécie T. Pauscisquamis realizando o comportamento de auto-hemorragia cefálica, mas pesquisadoras acreditam que as outras espécies também possam exibir essa prática.
Cobra expele sangue pela boca para se proteger de predadores; veja vídeo
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