O trabalho na coleta seletiva da Cooperativa Acácia mudou a vida dessas famílias, sejam com os “tesouros” que encontram no lixo reciclável, doações de itens domésticos, profissionalização e amizade. “A coleta mudou bastante a minha vida e obtive muito conhecimento nesse processo. Podemos trabalhar pelas futuras gerações, para meus futuros netos terem água potável e meio ambiente. Nós sobrevivemos do lixo reciclável e é importante falar sobre isso”, disse Kely Regina Lopes, de 37 anos, que trabalha na coleta ao lado de sua irmã, Márcia Regina. Kelly e Márcia Lopes em ação pelas ruas de Araraquara “Nós sobrevivemos do lixo reciclável ” — Foto: Amanda Rocha/g1 Fundada em 2006, a cooperativa emprega 200 pessoas que dependem exclusivamente da renda da reciclagem, sendo que 90% são mulheres responsáveis pelo sustento da casa. A coleta seletiva é uma parceria entre catadoras independentes, a Prefeitura de Araraquara e o Departamento de Água e Esgoto de Araraquara (Daae). Labuta em família Daiana, Sônia e Stéfany são da mesma família e trabalham juntas na Coleta Seletiva — Foto: Amanda Rocha/g1 A coletora Sônia Oliveira, de 56 anos, é coordenadora do grupo F e responsável por uma equipe de 13 pessoas, entre elas a sua neta Stefany Camily Boner, de 18, os sobrinhos Igor Teodoro Miranda e Cassiano Washington Miranda, de 24 e 29 anos, além da prima Daiana Cristina Taddei, de 33. “A coleta é um presente para nós, já achei até dólar e sem contar que esse serviço já me deu muita coisa porque ganhamos várias coisas doadas, eletrodomésticos, sofás e tapetes. Eu já montei três casas da minha família com o que ganho. A casa da minha neta foi mobiliada assim. Todas nós somos gratas demais”, disse. No total, seis grupos de trabalhadores são divididos de A a F, cada um cobrindo uma região da cidade de segunda a sexta-feira. As equipes recolhem ao mês cerca de 350 toneladas de resíduos. A experiente coletora trabalha há mais de 16 anos na coleta seletiva e comenta que todos sabem separar família e trabalho. “Aqui não sou parente, sou profissional. Mas por eles serem da minha família acabo pegando mais no pé, sou mais exigente. Assim que entramos no ônibus de volta para casa, voltamos a ser avó e neta. Ninguém aqui tem privilégios, somos funcionários”, comentou. Dona Sônia trabalha há mais de 16 anos na Cooperativa Acácia de Araraquara e coordena o grupo de sua família — Foto: Amanda Rocha/g1 Rotina O trabalho começa pela manhã. Às 8h30, o grupo se reúne em uma praça do centro da cidade e logo começam o itinerário pelos quarteirões com as bags (sacos da coleta). Um caminhão acompanha o trajeto da equipe e recolhe essas bags com o cargueiro Cassiano. O único coletor do gênero masculino da equipe é o seu irmão, Igor, que trabalha ao lado da prima Stéfany pelos quarteirões. “Sustento minha família e é ótimo trabalhar aqui. No começo eu tinha um pouco de vergonha porque era o único homem, mas fui pegando o jeito. É de boa trabalhar com elas e sabemos separar as coisas”, contou Igor. Irmãos: Cassiano é cargueiro do caminhão e Igor é coletor de reciclável em Araraquara (SP) — Foto: Amanda Rocha/g1 Apoio e sonhos Sônia criou duas filhas sozinha e ajudou os netos, ela sempre sustentou a casa. O seu sonho é ver Stéfany terminar o ensino médio e entrar na faculdade. “Ela está na coleta porque ela quis e acho bom ver como é o serviço. Estou no pé dela para terminar os estudos e fazer faculdade, porque ela tem essa opção”, disse. Segundo dados da Cooperativa, apenas 10% das coletoras concluíram o ensino médio e 62% concluíram o ensino fundamental. “Minha vó me inspira e é muito bom trabalhar com ela. Desde criança acompanhado e acho bacana esse serviço”, comentou a neta. Stéfany fez até o 2º ano do ensino médio, mas agora outra etapa começa em sua vida. Ela está grávida de seu primeiro filho, um sonho que será realizado após tratamento para engravidar. Valor e respeito Para Sônia, o trabalho na coleta a fez enxergar a vida de outro jeito e mudou o modo de encarar as dificuldades. Ela comentou que no início eram invisibilizadas por parte da sociedade, e hoje é bem diferente. “No começo não foi fácil porque não éramos tão bem vistas. Hoje a sociedade nos abraça e nos vê. Já tive vergonha e hoje é meu orgulho, esse trabalho me fez crescer espiritualmente. Eu aprendi muito aqui, a amar e a respeitar as pessoas. Todas elas são a minha família, meu tesouro”, contou. Sônia (a direita) é coordenadora do grupo F e comanda equipe que conta com familiares — Foto: Amanda Rocha/g1 Sônia participou da transição do trabalho no aterro para a coleta seletiva. Ela ficava na separação do que era lixo orgânico do reciclável e viu muitas situações tristes, como pessoas se alimentando de comida estragada para sobreviver. “Comecei lá e vi muita gente pegando resto de pão velho e pizza estragada para comer. É muito triste. Hoje valorizo tudo, antes era soberba, coisas que não dava valor ontem eu dou hoje”, refletiu emocionada. Sônia contou que é comum ganharem utensílios domésticos na coleta: “Já montei três casa da minha família com o que ganhei” — Foto: Amanda Rocha/g1 Enfrentamentos e momentos inesquecíveis A rotina das trabalhadoras inclui vários desafios, como agressões já sofridas por algumas delas. Segundo a coordenadora, há catadores de recicláveis avulsos que não entendem o serviço da coleta e entram em atritos pelos itens de mais valor, como as latinhas de alumínio. “Tem catadores que jogam pedras na gente, usam faca, agridem e roubam os bags. Eles são agressivos e temos que chamar polícia várias vezes. Temos que ter jogo de cintura para contornar as situações e já consegui conscientizar muitos deles sobre a importância do nosso serviço. Não estamos competindo, somos minoria”, comentou. Coletoras de reciclável enfrentam desafios mas também encontram “tesouros” no lixo reciclável — Foto: Amanda Rocha/g1 Apesar de situações desagradáveis, existem momentos inesquecíveis no dia a dia. Sônia recordou de uma amiga que passava por uma fase difícil, sem ter o que comer em casa, mas um verdadeiro “milagre” aconteceu. Durante o serviço, a coletora em necessidade achou R$ 3 mil reais em um saco jogado junto ao lixo. “Ficamos eufóricas e eu falei pra ela ir embora, passar no mercado e comprar tudo e levar pra casa. Ela que achou o dinheiro, foi uma benção, uma alegria tremenda”, recordou. As irmãs Márcia Lopes e Kely Lopes trabalham juntas na coleta seletiva em Araraquara (SP) — Foto: Amanda Rocha/g1
Casas mobiliadas com doações, dinheiro encontrado e agressões: coletores de recicláveis falam de mudanças na vida e desafios
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