A fome e a desnutrição, trazendo enfermidade e morte para tantas crianças, é um escândalo no século 21, marcado pela busca insaciável de adquirir e consumir, pelo acúmulo do supérfluo e do desperdício. Cardeal Sergio da Rocha – Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil A narrativa joanina da multiplicação dos pães realça a significativa figura de um menino que trazia consigo alguns pães e dois peixes. Ele estava no meio de uma multidão que estava faminta após percorrer um longo caminho para seguir Jesus. O que fazer por aquela multidão cansada e faminta, no final da jornada? Segundo Filipe, nada era possível fazer para saciar a fome do povo, pois era gente demais. Um menino, cujo nome não conhecemos, trazia cinco pães e dois peixes, certamente para se alimentar, pois sabia que a jornada seria longa. Ele oferece generosamente o pouco que tinha trazido para si. Certamente, também ele estava com muita fome, pois havia caminhado bastante, mas se dispôs a partilhar. No entanto, segundo André, aquilo não bastaria para saciar tanta gente. A oferta do menino seria inútil. Parece que nada restava a fazer do que despedir a multidão a fim das pessoas retornarem para suas casas sem ter o que comer ou para que pudessem comprar pão com os recursos que certamente não tinham. A condição física e social de uma criança, marcada pela fragilidade e pequenez, torna ainda mais significativa a oferta dos cinco pães e dois peixes, que somados equivalem a sete, número da totalidade ou plenitude, no contexto bíblico. A generosidade daquele menino encanta e continua a ecoar ao longo da história, motivando a olhar para os pães e os peixes que se tem. O menino nos ensina a generosidade da partilha não somente do que sobra ou daquilo que se atribui pouco valor, mas do que se tem e do que se considera importante. Ele nos ensina a ser solidários com os que têm necessidade de pão como todos nós, mas que sofrem por não terem o pão de cada dia nas mesas de suas casas ou por não terem casas, nem mesas. A fome e a desnutrição, trazendo enfermidade e morte para tantas crianças, é um escândalo no século 21, marcado pela busca insaciável de adquirir e consumir, pelo acúmulo do supérfluo e do desperdício. Infelizmente, no mundo de hoje, há muita indiferença perante o drama da miséria, da fome e da desnutrição. A incredulidade de Felipe e André continuam a se manifestar, mas há esperança, porque a figura do menino persiste na multidão. Ele continua com seu coração generoso e com suas mãos abertas acreditando ser possível contribuir, com o pouco que se tem, para saciar a fome de pão e de vida de tanta gente sofrida. Jesus continua a contar com o menino, com os seus poucos pães e peixes. O pão partilhado é abençoado e multiplicado. É feliz quem se dispõe a fazer a experiência daquele menino que não tem nome, pois representa cada um de nós. Os gestos espontâneos de partilha e solidariedade não são suficientes para superar o drama da miséria e da fome, pois são necessárias ações comunitárias e políticas públicas. Contudo, a multiplicação da figura do menino traz a esperança de multiplicar sempre mais o pão de cada dia. *Artigo publicado no jornal Correio, em 29 de julho de 2024. Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui