Campinas tem mais datas comemorativas que dias do ano, e especialistas apontam tendência de interesse eleitoral

Campinas tem mais datas comemorativas que dias do ano, e especialistas apontam tendência de interesse eleitoral

Entre chamados para causas e até homenagens, algumas rendem curiosidades como o Dia do Piloto de Drone, em 20 de junho, e a memória do ex-presidente norte-americano John Kennedy, em 29 de maio. A média chega a quase duas por dia, o que significa que seriam necessários 23 meses no ano para que cada uma tivesse seu próprio lugar no calendário. A maioria quase absoluta das comemorações é de autoria de vereadores o que, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, é prática comum. No entanto, o excesso deve ser visto com atenção – especialmente em anos de Eleições Municipais. Isto porque, além da real intenção de celebrar uma profissão, relembrar uma personalidade ou alertar para um assunto de impacto social, propor uma comemoração pode ser, apenas, uma questão de interesse pessoal: o de conquistar eleitores. 📅 Nesta reportagem você vai conferir: Quem são os criadores das datas comemorativas? O levantamento mostra que, das 665 datas comemorativas oficiais, apenas 17 foram sugeridas pelo Executivo Municipal. Todas as outras são de autoria de 155 vereadores ou grupos de vereadores (isto é, conjunto de dois ou mais parlamentares). Porém, grande parte se concentra em um pequeno grupo: 14 vereadores levam o nome como criadores de 257 datas comemorativas – cada um deles é autor de, pelo menos, 10. Além disso, um parlamentar criou sozinho 57 datas comemorativas e é líder isolado no ranking. Confira abaixo os cinco principais criadores de datas comemorativas na história de Campinas: Vereador Carmo Luiz: 57Vereador Paulo Oya: 27Vereador Antônio Flores: 20Vereador Romeu Santini: 18Prefeitura: 17 O que dizem os parlamentares? Questionado sobre o assunto, o vereador Carmo Luiz (Republicanos) respondeu em nota que é autor de diversas Leis que instituem datas comemorativas “com o objetivo de incentivar, fomentar, impulsionar e dar notoriedade as mais diversas profissões, carreiras, segmentos, movimentos e assuntos que são tratados e discutidos no cotidiano da nossa sociedade, não tendo relação alguma com a teoria de atrair ou conquistar eleitores por conta da iniciativa destas proposituras”. A Prefeitura também foi procurada e respondeu que as datas comemorativas são estabelecidas para celebrar ou destacar uma ideia ou um acontecimento. “Estas comemorações são simbólicas e marcam um contexto histórico e cultural importante para determinado grupo ou para mobilizar a sociedade sobre um tema de interesse comum”. Romeu Santini morreu em 2018. Os outros dois, que não exercem mais o cargo, foram procurados, mas não deram retorno até a publicação dessa reportagem. Anos de eleição foram os que mais tiveram datas aprovadas Para os especialistas, um dado curioso reforça a hipótese de interesse eleitoral: anos de eleição municipal (2012 e 2016) estão no topo da lista entre os que mais tiveram datas criadas. Já na análise dos meses, outubro é o que possui o maior número de celebrações. Ao todo, são 87, o que indica uma média de três para cada dia. Na sequência estão os meses de setembro (76) e agosto (73). Em contrapartida, janeiro e fevereiro são os menos movimentados, com 14 e 17 datas cada um, respectivamente. Quais são os temas mais frequentes? Para essa análise, o g1 Campinas separou as datas comemorativas em categorias, levando em consideração as temáticas de cada uma. São elas: cidade (relacionadas ao próprio município, como o aniversário de um bairro ou distrito)cultura (sobre manifestações culturais, étnicas e nacionalidades)educação e causaseventos (atividades promovidas pelo município e que ocorrem todos os anos)esporteshistória e personalidadesprofissões, carreiras e hobbiesreligiosos e filosóficossaúde As celebrações que envolvem assuntos ligados à educação ou causas, além das homenagens a profissões, carreiras e hobbies, são as mais recorrentes, como mostra o gráfico: O que a lei diz sobre a criação de datas comemorativas A Lei Federal 12.345/2010 estabelece que a criação de datas comemorativas deve obedecer ao critério da alta significação – isto é, da relevância – para os diferente segmentos profissionais, políticos, religiosos, culturais e étnicos que compõem a sociedade. Detalha também que essa importância deverá ser avaliada, em cada caso, por meio de audiências públicas. As regras são as mesmas na Lei Municipal 16.099/2021. O texto, porém, destaca que a data comemorativa poderá ser instituída no âmbito do município sem a exigência da realização da consulta se houver lei federal instituindo a mesma data. O detalhe é importante, pois boa parte das datas do calendário municipal já existem em âmbito estadual ou federal, sendo, portanto, uma réplica. Como o eleitor deve olhar para a criação das datas comemorativas? Por trás da suposta preocupação com uma causa – que acaba virando tema para a criação de mais uma data – podem se esconder interesses e práticas comuns do Legislativo brasileiro. O g1 conversou com especialistas para entender quais são e como os eleitores devem encará-las. Confira: Segundo o professor de administração pública Oswaldo Gonçalves Junior, da Unicamp, o calendário volumoso da metrópole exemplifica um dos cenários mais comuns no que envolve a criação de datas. Segundo ele, vereadores têm essas iniciativas para chamar a atenção de determinados públicos que, durante as eleições, podem virar capital político. “Se ele [vereador] quer atender um determinado segmento, que depois, nas próximas eleições, pode contemplá-lo com voto, ou, então, quer se fazer mais simpático para esses segmentos, ele cria determinadas datas comemorativas. Isso é uma explicação, assim, bem de um interesse imediato, né? É uma maneira fácil do vereador aparecer”, diz. O cientista político Vitor Barletta Machado, professor da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-Campinas, dá mais detalhes de como essa mecânica funciona. “São movimentos de aproximação do eleitorado, de fatias específicas. Na medida que o vereador vai fazendo essas ações, cria essas datas, ele consegue uma divulgação de trabalho”. “Aí o nome dele dá aquela espalhada em certos grupos, que até podem estar bem distantes do que seria a base eleitoral. Pode ser um movimento para se aproximar, para conquistar mais votos ou para garantir a continuidade em uma votação”. Esse aspecto pode ficar ainda mais evidente se o autor da data comemorativa não demonstrar outras ações em prol daquela causa. Ou seja: de nada adianta propor a criação de uma data para homenagear uma profissão, por exemplo, se o parlamentar sequer tem contato com esses trabalhadores para entender quais são suas demandas. 💼 Jeito fácil de mostrar produtividade Oswaldo ainda destaca outro problema. Diferentemente de um projeto de lei que enfrenta discussões no plenário, a criação de uma data comemorativa não demanda tanto esforço e tende a ser aprovada com mais facilidade. Para os menos atentos, isso pode dar a falsa impressão de produtividade do parlamentar. “É uma forma fácil dele demonstrar uma produtividade que, na prática, não existe. Daí alguém diz: ‘o fulano aprovou 20 projetos de lei’, mas daí você vai ver os 20 projetos de lei é tudo data comemorativa. É um marketing raso que, muitas vezes, marca a política na atualidade e está servindo para ele se fazer como um bom político”, acrescenta. 👎 Prejuízo indireto para o povo Embora não haja custo direto na criação de uma data, o professor da Unicamp avalia que, indiretamente, o bolso do eleitor é afetado. “O vereador está gastando um tempo que é pago por nós pra que ele use trabalhando em coisas que realmente importam”, pontua. Para piorar, ele vê como ruim o Legislativo que aprova comemorações em excesso. “Eu acho que tem uma coisa por trás disso, que é a própria qualidade do Legislativo. Logicamente, é um processo dupla face, porque a qualidade também reflete a qualidade do eleitor que a gente tem. Os políticos não se auto-elegem. Acredito que quando a gente tem uma Câmara de pior qualidade, vamos dizer assim, a gente tem o escopo da política de forma pior também”. “Acabam eleitos os vereadores não fazem o que deveriam fazer, que acabam se ocupando com bobagens como datas comemorativas, muitas vezes, para conseguir um jogo ali de bem imediatista de conseguir eleitorado. Deixam de discutir o que é relevante para a cidade”. Em meio a todas as problemáticas, há datas que são, sim, relevantes. Como exemplo, Oswaldo lembra das que destacam campanhas de saúde ou relembram causas sociais que, além da celebração em si, também motivam ações no dia a dia do município. O especialista orienta que o eleitor se atente a elas e, mais do que isso, “não se deixe seduzir para o que é, meramente, autopromoção”. “O eleitor não deve achar que o vereador lembrou do segmento dele só porque criou um dia em homenagem. Tem que saber se ele realmente fez projetos de lei interessantes e como ele, de fato, contribuiu para a melhoria da sociedade”. Para quem pensa em votar em um candidato que busca a reeleição, Vitor destaca: é fundamental conhecer qual foi o trabalho dele na Câmara, das datas aos demais projetos. “As pessoas deveriam, até mesmo, levantar como que o candidato vota nas questões do Legislativo, como é que tem votado as temáticas além dos projetos que ele possa ter mandado”. “Não tem outro recurso, você tem que tentar se informar. E aí é claro que é sempre difícil, as pessoas acabam não realizando essa tarefa, mas é o único meio de você poder observar quem de fato está trabalhando pelo município, pela região, e quem está só levando política como qualquer outro tipo de atividade”, conclui. Apuração Cada uma foi estabelecida por lei ou decreto. Os textos revogados não foram considerados e, dessa forma, o balanço inclui apenas as datas que seguiam vigentes até o início de maio de 2024. VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e Região Veja mais notícias sobre a região na página do g1 Campinas.

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