Aporofobia, racismo: especialistas analisam preconceitos implícitos em ofensas de ‘pobre’ e ‘cotistas’ de estudantes da PUC-SP aos da USP

Aporofobia, racismo: especialistas analisam preconceitos implícitos em ofensas de ‘pobre’ e ‘cotistas’ de estudantes da PUC-SP aos da USP

Em um dos vídeos gravados por estudantes que estavam no ginásio, no último sábado (16), é possível ver que os jovens, além dos xingamentos, fazem um sinal com as mãos em referência a dinheiro. O g1 conversou com advogados com atuação em questões de discriminação para entender os tipos de preconceitos implícitos nas falas dos estudantes – que cursam faculdade de direito. Veja o que eles disseram no vídeo acima e entenda mais abaixo. ‘Aversão à pobreza’ A PUC-SP informou, em nota, que se solidariza repudia com veemência toda e qualquer forma de violência, racismo e aporofobia. Mas, o que é aporofobia? O termo foi popularizado em 1990 pela filósofa espanhola Adela Cortina e consiste na aversão, rejeição ou hostilidade a pessoas pobres. Advogada de direito do trabalho, mas com envolvimento também em lutas contra preconceitos sociais e raciais, Thaís Cremasco afirmou que o episódio é um exemplo que pode ser interpretado de forma “contundente” como aporofobia. “Quando você fala o termo ‘cotista’ e faz o sinal de dinheiro com as mãos, eles estão desqualificando as políticas de inclusão social, que buscam corrigir a desigualdade histórica e o acesso à educação superior no Brasil”, disse. Imagens flagram ofensas de estudantes da PUC-SP contra alunos da USP durante jogos jurídicos no interior de SP — Foto: Montagem/g1 ‘Pobreza no Brasil tem cor’ Cremasco explicou ainda que, apesar de se aparentar ser um caso de aporofobia, as ofensas não podem ser dissociadas do preconceito racial, considerando que a maioria das pessoas pobres no Brasil é negra. “A gente não pode esquecer que, no Brasil, a pobreza tem cor. Essas ofensas não podem ser desvinculadas do racismo. Elas depreciam as pessoas cotistas ou pobres e carregam sim de forma implícita um viés racista, que reforça esses esteriótipos e preconceitos contra grupos que são marginalizados. As atitudes que a gente observa nesse triste vídeo não são só de aporofobia, elas estão entrelaçadas com preconceitos raciais e o racismo em si”, completou. Complexidade do processo Pesquisador da USP e advogado especializado em direito antidiscriminatório, Cássio Ávila Ribeiro Poppi informou que, no caso específico desta situação, a aporofobia está relacionada ao racismo, como se pessoas negras também fossem pessoas pobres, o que, segundo ele, revela a complexidade do processo discriminatório. “A discriminação acontece em vários níveis e situações. (…) Uma necessidade que é urgente em todas as universidades do nosso país, no caso do direito, é a introdução à disciplina do direito discriminatório, para que as pessoas aprendam de fato o que é o racismo, quais são as discriminações do racismo”, completou o advogado. O Ministério Público afirmou ao g1 nesta segunda-feira (18) que o caso está “sob análise” da Promotoria Criminal de Americana. Segundo a Polícia Civil, nenhum boletim de ocorrência foi registrado. Vídeo mostra ofensa de estudantes da PUC-SP durante jogos jurídicos em Americana O episódio Faculdades de Direito emitiram uma nota conjunta de repúdio. A reitoria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo se manifestou sobre o ocorrido nas redes sociais da instituição. Leia, abaixo. No documento, a PUC afirma que se “solidariza com os estudantes ofendidos e com todos que presenciaram esse episódio”, que chamou de “intolerável’. Assista às ofensas acima. Nota de repúdio emitida em conjunto pelas faculdades de Direito da USP e da PUC — Foto: Reprodução Nota conjunta das faculdades de direito “As Diretorias das Faculdades de Direito da USP e da PUC-SP e os Centros Acadêmicos XI de Agosto e 22 de Agosto das duas instituições vêm a público manifestar repúdio aos lamentáveis episódios ocorridos nos Jogos Jurídicos de 2024. Durante o evento, um grupo de alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP proferiu manifestações preconceituosas contra estudantes da Faculdade de Direito da USP, utilizando o termo “cotistas” de forma pejorativa. Essas manifestações são absolutamente inadmissíveis e vão de encontro aos valores democráticos e humanistas, historicamente defendidos por nossas instituições. Diante disso, as entidades signatárias comprometem-se a apurar rigorosamente o caso, garantindo a ampla defesa e o devido processo legal, e a responsabilizar os envolvidos de maneira justa e exemplar. Reconhecemos que a segregação social ainda é um desafio no Brasil, mas entendemos que o ambiente universitário deve atuar como um espaço de reparação e transformação. Incidentes como este reforçam a urgência de combatermos todas as formas de hostilidade no meio acadêmico. Festas e jogos universitários devem ser momentos de integração, congraçamento e solidariedade, não de ódio, violência e intolerância, como não raramente se vê. A luta pela superação de uma cultura de violência nesses espaços depende do engajamento de todos e todas. Além da responsabilização dos envolvidos, é indispensável avançarmos na direção de políticas preventivas e de acolhimento. Planejamos implementar protocolos que fortaleçam ouvidorias, promovam a prevenção e a educação antirracista e assegurem um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os alunos e alunas. Essa é uma demanda frequente da comunidade acadêmica, que exige ações concretas e eficazes. Estamos determinados a transformar este episódio em um marco para o fortalecimento de uma cultura de respeito, equidade e inclusão em nossas instituições. As Diretorias das Faculdades de Direito da USP e da PUC-SP e os Centros Acadêmicos XI de Agosto e 22 de Agosto das duas instituições vêm a público manifestar repúdio aos lamentáveis episódios ocorridos nos Jogos Jurídicos de 2024. Durante o evento, um grupo de alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP proferiu manifestações preconceituosas contra estudantes da Faculdade de Direito da USP, utilizando o termo “cotistas” de forma pejorativa. Essas manifestações são absolutamente inadmissíveis e vão de encontro aos valores democráticos e humanistas, historicamente defendidos por nossas instituições. Diante disso, as entidades signatárias comprometem-se a apurar rigorosamente o caso, garantindo a ampla defesa e o devido processo legal, e a responsabilizar os envolvidos de maneira justa e exemplar. Reconhecemos que a segregação social ainda é um desafio no Brasil, mas entendemos que o ambiente universitário deve atuar como um espaço de reparação e transformação. Incidentes como este reforçam a urgência de combatermos todas as formas de hostilidade no meio acadêmico. Festas e jogos universitários devem ser momentos de integração, congraçamento e solidariedade, não de ódio, violência e intolerância, como não raramente se vê. A luta pela superação de uma cultura de violência nesses espaços depende do engajamento de todos e todas. Além da responsabilização dos envolvidos, é indispensável avançarmos na direção de políticas preventivas e de acolhimento. Planejamos implementar protocolos que fortaleçam ouvidorias, promovam a prevenção e a educação antirracista e assegurem um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os alunos e alunas. Essa é uma demanda frequente da comunidade acadêmica, que exige ações concretas e eficazes. Estamos determinados a transformar este episódio em um marco para o fortalecimento de uma cultura de respeito, equidade e inclusão em nossas instituições”. Nota de repúdio da PUC-SP “A PUC-SP repudia com veemência toda e qualquer forma de violência, racismo e aporofobia, e lamenta profundamente o episódio ocorrido em 16/11, envolvendo um grupo de estudantes do curso de Direito da nossa Universidade nos Jogos Jurídicos de 2024. Manifestações discriminatórias são vedadas pelo Estatuto e pelo Regimento da Universidade, além de serem inadmissíveis e incompatíveis com os princípios e valores de nossa Instituição”, disse em trecho do documento. Ainda segundo a nota, a reitoria determinou à Faculdade de Direito a apuração dos fatos, “com o rigor necessário, a partir das normas universitárias e legais, promovendo a responsabilização e conscientização dos envolvidos”, acrescentou. A universidade afirmou que promove a inclusão social e racial, por meio de programas de bolsas na graduação e na pós-graduação, bem como de permanência dos estudantes bolsistas. “A PUC participa desde a criação das políticas públicas de inclusão como o Prouni e o Fies”, mencionou. “Na atual gestão da Reitoria também foram incluídos letramento racial na formação dos docentes e, principalmente, foi implementado programa de ação afirmativa para contratação exclusiva de docentes negros até que atinjam o número correspondente ao percentual da população negra em São Paulo definida pelo IBGE. Por fim, nos solidarizamos com os estudantes ofendidos e com todos que presenciaram esse episódio intolerável. Na PUC-SP combatemos o racismo a partir de uma perspectiva antirracista ativa”, completou. VÍDEOS: saiba tudo sobre Campinas e Região

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